Um patamar acima


O papel desempenhado por Portugal na definição das soluções europeias para sair da crise definiu um novo contexto de oportunidade, de exigência e de ambição.


As eleições livres e em democracia são sempre momentos de oportunidade para mobilizar a cidadania e reforçar a legitimidade da representação política. O custo-benefício das eleições provocadas pela guilhotina com que o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) PS coadjuvaram a direita e a extrema direita a aplicar ao mais social e inclusivo Orçamento de Estado apresentado na Assembleia da República desde há muitas décadas, só poderá ser avaliado depois delas ocorreram e de se conhecerem os seus impactos. Sendo certo que os custos da instabilidade e da imprevisibilidade podem ser mitigados, mas não anulados, é preciso trabalhar nos benefícios que podem resultar de um debate sério das opções que se colocam ao país, no momento em que arranca um poderoso programa de recuperação, conquistado também com a assinatura da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia no primeiro semestre de 2021.

O papel desempenhado por Portugal na definição das soluções europeias para sair da crise definiu um novo contexto de oportunidade, de exigência e de ambição. Depois de ainda há uma década o governo pró-troika PSD/PP nos ter posicionado como “protetorado alemão”, somos hoje reconhecidos como referência na aplicação de políticas de nova geração, progressistas, sustentáveis e compatíveis com as regras e os tratados da parceria europeia que integramos. Os programas de governo que serão sujeitos a sufrágio não poderão ignorar esta circunstância, seja maximizando a oportunidade, seja desconstruindo-a em nome de valores diferenciados.

A execução do Programa do Governo ainda em funções, sufragado para quatro anos e interrompido a meio da execução, pode agora ser ajustado, quer através de um modelo de governação mais flexível, ágil e adequado aos novos desafios, quer através da incorporação com mais profundidade das linhas fortes do triângulo estratégico que Portugal fez valer no plano europeu, já que a estrutura do atual Governo não teve naturalmente em conta o quadro de exigência e de prioridades que viria a ser colocado pela emergência da pandemia, nem os instrumentos agora disponíveis para lhe dar resposta.

Se essa for a vontade maioritária dos portugueses a ameaça à estabilidade criada pela crise política pode transformar-se numa oportunidade de nos colocarmos um patamar acima na transição verde justa, na transição digital inclusiva, no reforço do pilar dos direitos sociais e na consolidação das respostas em saúde, convergindo com a União Europeia nos indicadores de inovação e de produtividade, com reflexos visíveis no aumento efetivo dos salários e na capacidade de Portugal atrair cada vez mais empresas, investimentos e recursos humanos qualificados, estancando ao mesmo tempo a sangria da nossa geração mais qualificada de sempre, atraída pelas condições que lhe são proporcionadas fora do País e com as quais temos que progressivamente poder competir.

Como todas as crises, o interlúdio político atual é um misto de oportunidade e ameaça. Descartar a oportunidade e agravar a ameaça será uma opção democrática legítima, mas desastrosa para Portugal.

 

Eurodeputado do PS