Há muitos mais comentadores dos resultados eleitorais no PSD do que votantes neste processo eleitoral (foram 36476 os escolhidos). Como no futebol palrado das segundas-feiras de manhã, a verdadeira competição começa depois do último apito do árbitro. A abundância de comentários também resulta da tradição exclusivista dos partidos portugueses, pouco dados à americanice das primárias com direito a voto por parte de simpatizantes (e tantos simpatizantes que desta vez teriam encontrado o caminho para umas primárias no PSD…). As eleições no PSD acabam por, a um tempo, emocionar e frustrar os portugueses, em particular todos aqueles que não integram o colégio eleitoral. Acontece o mesmo com as eleições para a presidência dos EUA onde também, infelizmente, não votamos todos.
Dos 36746 destacam-se os 1746 que deram a vitória a Rui Rio. Houve quem visse neles um exército de patriotas tomando a Bastilha do PSD e derrubando o baronato laranja. A luta de classes não explica tudo e menos ainda o PSD. Na contenda laranja é fácil descobrir barões nas duas frentes, mesmo aqueles que renegam a baronia (estou a pensar em Alberto João Jardim que converteu muito madeirense ao patriotismo de Rio).
Outros explicadores preferiram ver na lide laranja um confronto entre os puros e os mercadores. Os primeiros, unidos em torno de Rangel, estariam indisponíveis para trocar os ideias sociais democratas por um lugar à mesa do Governo (ou, pelo menos, do orçamento). Os segundos, abraçando, tardiamente e com alguma surpresa por parte dos sondadores, Rio, viram mais curta a sua caminhada em direcção ao poder. Esta tentada bipartição do PSD entre idealistas e realistas é manifestamente contrariada pela prática de um partido que tem gozado de boa saúde política sem precisar de ideologia.
É provável que o PSD, sendo o partido mais português de Portugal, se tenha identificado com a manifesta e actual indisponibilidade dos portugueses para continuarem a tolerar agendas políticas encostadas aos extremismos de esquerda (fracturantes nas práticas e nos costumes, animalistas, no privilégio sindical limitado ao sector público) ou que se possam vir a encostar aos extremismos de direita (igualmente fracturantes nas práticas e nos costumes, na promoção do privilégio e na descriminação injustificada). O PSD que elegeu Rio não tem qualquer apetência pelo neoliberalismo ensaiado por Passos. E quer manter, com recurso ao Orçamento de Estado, o estatuto da Função Pública e dos reformados, arranjando emprego para a descendência e cuidados para os ascendentes.
A Geringonça foi útil para exorcisar a Troika e Passos, mas não transformou o PS num partido de extrema esquerda e muito menos o fez em relação aos dois Governos do PS. Os chamamentos à suposta pureza do esquerdismo que deveria guiar o PS não têm eco junto dos eleitores.
Há actualmente uma maioria sociológica, que inclui uma grande percentagem dos eleitores do PS e do PSD, e que apoia uma agenda comum de manutenção do papel do Estado sem grandes preocupações metafísicas quanto à respectiva sustentabilidade financeira. A eleição de Rio é uma das consequências desta realidade. Será esta mesma agenda comum que distribuirá o eleitorado pelos dois partidos do centro, com perdas significativas na extrema esquerda e sem ganhos extraordinários da extrema direita (não mais do que a transferência de votos do defunto CDS e da ala liberal do PSD).
Rio prepara a próxima etapa, premiando “a competência e a lealdade”, ou seja a competência na lealdade. Les jeux sont faits.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990