Vasco Pulido Valente. A inquietação necessária

Vasco Pulido Valente. A inquietação necessária


Escreveu primorosamente, corrosivo sem igual, com muitos aspirantes a imitá-lo – cópias sem um décimo da graça do original -, inclemente e impiedoso, sarcástico, por vezes de uma lucidez cortante, fazia de uma crónica um deleite estético, mesmo que à custa do cabelo de Schroeder. 


Dividia famílias quanto ao mérito das suas causas, ou sobre o tom snob derramado sobre "luminárias" e "indígenas", embora seja duvidoso supor encontrar quem nunca gargalhou e, simultaneamente, se indignou com as coisas que escreveu (em momentos diversos). Não deixou ninguém indiferente e quem sinta os jornais como comunidades continua a sentir a sua falta. “Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente” (Contraponto, 2021), de João Céu e Silva é oportunidade de continuarmos a aprender e interrogarmo-nos sobre/com a história portuguesa dos últimos dois séculos e de participarmos de um exercício de inteligência de quem, partindo de uma dada mundividência, recusa a cassete (pirata) de qualquer pensamento estereotipado e é capaz de surpreender quando olha as instituições e os protagonistas do presente
1.No entender do historiador Vasco Pulido Valente, aquelas que são as grandes virtudes atribuídas ao consulado de Salazar, enquanto Presidente do Conselho, o saneamento das finanças públicas e a neutralidade portuguesa na Segunda Guerra Mundial, “não são em grande parte devidas a ele (…). No fundo, a neutralidade portuguesa resultou de circunstâncias políticas da altura e foi favorecida pela política de Hitler” (p.142). Nenhum dos lados, britânico ou germânico, forçaram, afinal, Salazar a decidir-se (“os alemães não queriam uma guerra naval com os ingleses (…) a conveniência dos alemães na Península Ibérica era ficar com Gibraltar”; Hitler entendia que “a expansão da Alemanha devia ser para leste, por achar que desde sempre o grande erro da política externa alemã foi ter sido virada para sul em vez de procurar um espaço vital a leste (…) muito menos a Península Ibérica”; os ingleses também não precisavam da Península Ibérica para “abastecer a Marinha deles, que já não era à vela ou a vapor (…). Pretendiam que Portugal ficasse sossegado e que beneficiassem de algumas exportações de produtos alimentares portugueses”, pp.141-142) . Quanto ao saneamento das finanças públicas, “não era difícil com a ajuda da PIDE” (p.146), que colocaria cobro a qualquer protesto ou dissidência e, assim, “os portugueses iam morrendo à fome enquanto ele equilibrava as contas” (p.155), se bem que “a carcaça custou sempre os mesmos tostões” e foram congeladas “as rendas nas cidades” (no que Vasco Pulido Valente vê como procura de evitar os “extremos máximos” da miséria social). De qualquer modo, e para grande surpresa de António de Oliveira Salazar, no final da Segunda Guerra Mundial, “o regime [Estado Novo] e ele próprio eram extremamente impopulares em Portugal” (p.149), o que conduziria o homem nascido em Santa Comba Dão a “uma grande depressão e durante meses não falou com ninguém, não fez um discurso nem veio a público” (p.150). 
2.Um aspecto que o ensaísta, que gostava de participar na “conversa” pública, destaca, nas reflexões acerca do Estado Novo, em “Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente” (Contraponto, 2021), de João Céu e Silva (jornalista, com formação académica em História), e que entende que não foi devidamente apreciado até hoje nas considerações acerca daquele período da história (recente) portuguesa é o papel que a pobreza desempenhava, de modo positivo (e até estratégico) segundo Salazar, na vida nacional: quanto mais pobre uma sociedade, mais autodeterminada poderia ser, sem ficar, pois, cativa do comércio ou do investimento internacionais – “isto é uma ideologia camponesa (…) uma premissa que nunca se tem percebido na interpretação de Salazar” (p.130).  Oliveira Salazar assinalava que “não podia haver um Estado Social, mas uma dependência das corporações” (p.130).
3.Embora tivesse uma fotografia de Mussolini na sua secretária (p.123) – e não obstante pudessem, por exemplo, ser observadas bandeiras nazis em S. Sebastião ou em Benfica durante a Segunda Guerra Mundial (p.135) -, “todas as comparações de Salazar com o fascismo são absolutamente idiotas. Salazar nunca foi fascista” (p.139), sublinha Vasco Pulido Valente, dando como exemplo o facto de o ditador nunca querer ter tido uma organização ao lado do Estado que promovesse a violência, antes a confinando ao monopólio estatal (nada de SS ou camisas negras…). O presidencialismo bicéfalo – se o Presidente da República morrer, fica o Presidente do Conselho e vice-versa – não acontecia no fascismo de Mussolini, nem no nazismo de Hitler. Salazar, que “mentiu para construir a sua lenda, pois nem na primeira nem na segunda vez [em que se vai alcandorar a posições políticas de grande relevo] estava desinteressado do poder” (p.84), filiava-se no catolicismo e “se o Papa não o deixasse ser fascista, ele não era” (p.140). Quando Hitler morre, Salazar manda colocar a bandeira nacional a meia-haste, (mas) com o intuito de afirmar a predominância do Estado sobre quaisquer grupos da sociedade civil – todavia, Salazar era “anti-nazi” (p.147).
4.António de Oliveira Salazar viveu toda a vida de forma monástica. Tal deve-se a ter sido educado no Seminário e, também, em Coimbra, durante os estudos académicos, haver vivido dessa forma (p.91). De resto, como Presidente do Conselho, “preferia falar com os ministros por carta e com toda a cerimónia (…) não gostava de os receber e convocava o Conselho de Ministros quando o rei fazia anos” (p.114). Nas primeiras décadas do século XX, “a Igreja [era] a maior força política de Portugal, pela simples razão de que havia um padre em cada paróquia” (p.94). No entanto, e quando assume o poder, Salazar, que jamais pretendeu que o regime se tornasse monárquico (p.124), nunca deixou a Igreja voltar ao que era antes da República: “Salazar aceitou oitenta por cento da herança anti-clerical da República, sendo que o seu regime foi clerical no sentido em que dependeu da Igreja socialmente” (p.121). O Estado Novo consentia o divórcio – em Espanha foi abolido –, Salazar nunca permitiu a Universidade Católica – que só seria autorizada por Marcello Caetano – dado que entendia que a universidade era algo tão importante que não podia haver concorrência face à prestação estatal daquele serviço (académico; também não permitiu que houvesse Universidade do Porto, porque, indicava, estava disponível, perto, a Universidade de Coimbra) e anuiu, ao contrário da monarquia, em enterros civis sem padre. Em uma descrição ao seu melhor estilo, e em um dos momentos porventura mais divertidos do conjunto de entrevistas dadas a João Céu e Silva e agora recolhidas em livro, Pulido Valente explica que durante a monarquia “se o padre se recusasse a ir [proceder ao enterro], tinha de se justificar: porque o falecido era notoriamente infiel à sua mulher, por exemplo, o que sucedia muito; se ia às putas, se não fosse à missa ou se não se confessasse, o padre vingava-se e não ia ao enterro” (p.122). 
Sem embargo, Salazar, de quem as biografias “que por aí andam não valem nada” (p.112), por falta de acesso e consulta aos arquivos do Patriarcado (e cujas barreiras, que este levantará, são criticadas por Vasco Pulido Valente), só entendeu que poderia ser destruído politicamente num certo momento: “quando a Igreja começou a separar-se dele” (p.171).  O Concílio Vaticano II, o aggiornamento da Igreja, uma certa reconciliação com a modernidade, e suas consequências nos mais variados âmbitos do quotidiano (no domínio da moral sexual, só a encíclica Humana Vitae, de Paulo VI, em 1968, agradará a quem passara a olhar os costumes como dissolutos), em populações fortemente vinculadas ao catolicismo são vistas, pelo ditador, como causa da “desordem dos costumes”, costumes esses que eram o cimento do Estado Novo (“o salazarismo não teria sobrevivido sem a ordem que a Igreja estabelecia na sociedade civil – a missa dominical, os casamentos pela Igreja, os baptizados, as procissões, o respeito pelo pároco -, e foi um regime clerical na centralidade e no carácter sagrado da família, no casamento e no respeito pelos superiores (…) Foram valores que o Estado aproveitou e que ensinava aos meninos: o respeito pelos pais, pelos encarregados de educação, professores e a disciplina”, p.122), aquele fermento que (agora), em, de algum modo, se alterando, o impedia de governar “e que a prazo iria deitar abaixo o regime” – em discursos, Salazar afirmar-se-á traído por, em sua perspectiva, a Igreja ter permitido a mudança de costumes. Note-se como Vasco Pulido Valente encarava quem era, ou quem traduzia para o dia-a-dia, o Estado Novo: “eles estavam contra nós: a polícia, os juízes, os professores e para muita gente os pais. Essa era a atmosfera de uma ditadura” (p.165). Dessa ambiência, constava, ainda, a solenidade de que o país era acometido cada vez que Salazar tinha algum pronunciamento a fazer à nação – “quando era anunciado que Salazar ia falar, ninguém em Portugal falava de outra coisa” (“e o discurso em Braga, em 1936, é o grande discurso de Salazar. Os discursos (…) são muito bem escritos” e destinados a identificar políticas a implementar e, portanto, têm efeitos na vida das pessoas; não se remetem a figuras de retórica, como muitos dos realizados por políticos que vemos, hoje, diariamente, nas televisões, observa Pulido Valente) -, ou a comoção que qualquer frase, ou nota dissonante, no interior do regime, gerava, durante largos meses no país (político): Caetano, com quem Salazar se zangaria por causa do Código Administrativo, na televisão, face à questão “Salazar tem sempre razão?”, “não, nem sempre, mas quando não tem, percebe logo”. Ora, “essa frase (…) era uma revolução e uma rebeldia. Então, durante meses, ninguém falava noutro assunto (…) às vezes durante anos” (p.159). Diferentemente do tantas vezes mencionado, Vasco Pulido Valente, que chegou a levar um arraial de pancada da PIDE, considera que durante o Estado Novo, se poderiam ler os livros e jornais que se pretendesse, desde que houvesse condições económicas para tal (sendo que os seus pais assinavam jornais franceses da oposição). 
Para o cultor do ofício da História, está muito claro: “podemos dividir o regime [Estado Novo] em duas grandes épocas: a época em que contava com o apoio incondicional da Igreja e estava descansado e o período em que a Igreja portuguesa se voltou para o reformismo do Papa João XXIII” (p.172). A partir de então, “a ideologia do regime deixou de ser o catolicismo e passou a ser o colonialismo – o que o enfraqueceu muito” (p.173). 

5.O Portugal do primeiro quartel do século XX era “um país muito pobre, sem água canalizada, sem electricidade, sem estradas e sem comunicação” (p.102). Possuía “uma rede ferroviária que funcionava, mas não cobria o país” (p.103). A 30 quilómetros “fora de Lisboa e do Porto era pura selva em estado primitivo, situação que durou bastante tempo”. A sociedade actuante e letrada de província é uma minoria muito pequena (p.105). O que se passava além-fronteiras era de tal modo horroroso que as classes médias do país ficavam paralisadas. Só uma margem muito pequena de cidadãos, queria mudar o estado de coisas; a maioria, não. Ademais, emergiria a guerra civil espanhola e a Segunda Guerra Mundial (p.133). Até aos anos 40, não havia alternativa ao regime, porque a monarquia não fazia sentido, nem os monárquicos sabiam qual era a monarquia que queriam, enquanto à esquerda se propunha voltar à República, o que ninguém queria. A “plebe (…) não estava muito contra o Estado Novo porque dava bastante valor à segurança que este lhe proporcionava com a expansão [económica] a um ritmo poderoso na década de 1950” (p.178), E, no entanto, as guerras têm um grande efeito democratizador – mesmo de um país que não está em guerra -, porque obriga as pessoas a viver uma vida colectiva. Em 1914, grande parte da população portuguesa nunca tinha ouvido falar da Alemanha e da Inglaterra; em 1939, há muito mais gente interessada em política (p.135). O interesse e atenção pela polis cresce, o catolicismo tem o seu aggiornamento, os costumes mudam, o respaldo do Estado Novo decresce fortemente e o livro “Portugal e o futuro”, de António de Spínola, é a machadada definitiva no regime, porque o seu significado é o de “o vice-comandante das Forças Armadas” vir “a público dizer que a guerra está perdida (…) Então, a guerra está mesmo perdida” (p.180).
Vasco Pulido Valente, que nunca pensava no Estado Novo senão como obstáculo e opressão, verdadeiro inimigo, em 1974 pode dizer, como milhões de portugueses, que “o meu programa era, à letra, ‘descolonizar, democratizar e desenvolver’” (p.187).

6.Mesmo que tenha sido o motor de grandes mudanças, as invasões francesas “foram a maior tragédia que houve em toda a História portuguesa” (p.52). Assim que “a plebe e a classe média souberam que o rei [D. João VI]” tinha ido para o Brasil, houve pânico em Lisboa. A decisão estratégica e decisiva do monarca, para a manutenção da independência nacional – sobretudo em uma altura em que se julgava que os franceses eram invencíveis, como, por analogia, no século XX, acontecerá, inicialmente, na postura face à Wehrmacht; de aí, que grande oposição não se colocasse aos franceses, na aurora do século XIX, na chegada a Lisboa –, todavia, merece saudação na leitura do historiador (em juízo que, em nossos dias, podemos notar muito partilhado pelos investigadores): “D. João VI fez muito bem em fugir, o mesmo que mais tarde fariam o rei da Noruega e a rainha da Holanda perante as invasões nazis (…) foi um ato de coragem (…) e salvou a coroa portuguesa” (p.54). De um modo mais enfático ainda, Vasco Pulido Valente, pouco dado a exacerbamentos patrióticos, sentencia que “Portugal foi uma das nações que mais contribuíram para a queda do império napoleónico” (p.54). Foi um tempo de sublevação do povo e de colaboracionismo dos grandes, o que enfraqueceu o antigo regime.

7.Em visão panorâmica, debruçando-se sobre os anos 30/40 do séc.XIX, Pulido Valente evidencia que “a maior parte do país era ingovernável, até porque não se podia chegar lá, pois as poucas estradas que havia estavam num estado miserável e a deslocação das pessoas e mercadorias era difícil” (p.60); quem ordenava eram as milícias ou a Igreja, sendo que o Estado central nada mandava, nem conseguia cobrar impostos ou pagar ao Exército. Sidónio Pais, em si nada representando, era uma figura espectacular, um “ídolo comparável a Hitler e a Mussolini como nenhum outro governante português (…) descia a cavalo com multidões a aclamá-lo” (p.67). 

8.Em um salto para os nossos (iniciais) tempos democráticos pós-25 de Abril de 1974, e, em especial, sobre uma das relações pessoais marcariam, para sempre, o nosso espaço público, a de Francisco Sá Carneiro com Snu Abecassis, Vasco Pulido Valente rejeita a leitura romântica de jornais ou de filmes – como o relativamente recente, “Snu”, realizado por Patrícia Sequeira, estreado em 2019: “aquilo não tem nada a ver com a Snu e o Sá Carneiro. É uma romantização bera de uma coisa que foi séria e complicada” (p.20) -, sobre aquele enlace, e devolve-nos às maiores angústias, dilemas, peso que caíram sobre os ombros de dois humanos muito comprometidos com uma dada mundividência: “aquilo com a Snu não foi uma história de amor para o sentimentaloide como vem nos jornais. A Snu era luterana, ele era católico, e viviam os dois com imensos sentimentos de culpa. Era uma tragédia porque se confessavam um ao outro [p.206] (…) [Sá Carneiro] era um católico do Porto. Tem de se pensar que aquela gente é mesmo católica e, como se dizia, um católico de vivência, e esses eram uma coisa extraordinária” (p.205). Ele “tinha a noção de pecado e de que aquela relação era pecado. Ele e a Snu achavam que viviam em pecado (…) Ela tinha tantos sentimentos de culpa como ele. Estavam bem um para o outro” (p.207). 
Ainda a propósito da relação de Sá Carneiro com o catolicismo, Pulido Valente afirma que a Igreja foi a principal força das vitórias de Sá Carneiro: “quem fez as duas maiorias da AD foi a Santa Madre Igreja” (p.199), nomeadamente ao “não autorizar”, a partir dos púlpitos, o voto dos fiéis em “partidos marxistas” (podendo estender a noção a tudo que soasse a “socialismo”). Por outro lado, dada a relação com Snu, a hierarquia da Igreja não permitiria que Sá Carneiro fosse candidato a Presidente da República. 
São, igualmente, sobre Sá Carneiro outras reflexões não menos carregadas de perplexidade produzidas por Vasco Pulido Valente no conjunto de depoimentos prestados a João Céu Silva: “A minha vida foi cortada ao meio com esse acidente [de Camarate, que vitimaria, nomeadamente, Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa] (…) Não tenho a menor dúvida de que foi um acidente, nunca um atentado. A avioneta tinha tido uma avaria em voo e feito uma aterragem forçada (…) já se previa, pois, quando apareci na sede do PSD, as secretárias agarraram-se às minhas mãos a dizer: “Ó Vasco, convença-o”, “Ó Vasco, salve-o” (pp.11-12). Vasco Pulido Valente ficará, sempre, com a sensação de poder ter feito mais (“podia ter tido intervenção e não o fiz, nomeadamente a história da morte dele e para evitar a morte dele”, p.25), mas, sobretudo, vê fugir a possibilidade de criar/ser o ideólogo de uma direita que, conjuntamente com Francisco Sá Carneiro, faria emergir. 
Numa palavra, e sobre o fundador e líder do PPD/PSD, “só em Sá Carneiro se reuniram as qualidades clássicas do herói: a obstinação que parecia cega e era lúcida; a obscuridade do percurso que anunciava um insondável desígnio; o exílio voluntário; o triunfo súbito; o desejo latente da morte; o fim inominável com que os deuses costumam punir quem os desafia” (p.31).

9.Mário Soares, porém, é a figura maior que Vasco Pulido Valente conheceu: “talvez a mais extraordinária [pessoa] que conheci em toda a minha vida e talvez a única que verdadeiramente admirei (…) nunca conheci ninguém em Portugal ou noutro país com a sua estatura e charme. Era uma pessoa irresistível (…) a única pessoa que encontrei em toda a minha vida verdadeiramente impressionante” (pp.281-282). Soares “foi o fundador da democracia portuguesa, e, se não tivesse havido Soares, não teria havido democracia” (p.41). A história de que este não conhecia os dossiers “é um mito” (p.43). Conheceu-o, quando tinha quatro anos, na cadeia. Tratava-se da “pessoa mais segura que conheci na minha vida – seguríssimo e inabalável (…) Era filho único, ultramimado e tinha um paizinho que o adorava” (p.208). 
Segundo garante Pulido Valente, “o PCP teria acabado por o matar [a Mário Soares] se não tem havido o 25 de novembro (…) [De o matar politicamente?] Não, de o matar fisicamente. [Acha mesmo?] Tenho a certeza” (p.195).

10.Sendo um homem de direita, não deixa de ser particularmente curioso que Vasco Pulido Valente entenda que, embora “radical”, Pedro Nuno Santos “responde mais à sociedade que temos do que qualquer outro político em Portugal (…) Uma parte do BE e uma do PS estão a falar para o futuro, porque são parte dessas pessoas [nomeadamente, profissionais qualificados precários; VPV dá o exemplo da formação atual dos enfermeiros, cujo modo de atuar o impressionou a quando da sua hospitalização]. Custa-me muito dizer isto porque sou de direita” (p.273). Já a direita “não tem um programa, um fim ou um destino” (p.214). Pulido Valente tinha “orgulho em ter sido contra a guerra do Iraque no princípio, o que poucas pessoas da direita europeia foram e que se transformou num erro horrível que custou e ainda está a custar a vida a milhares de pessoas” (p.229). E registando que os conceitos/ideologias esquerda e direita “claro que continuam a existir” (p.229), compreende, da mesma forma, que “esta coisa de ser presidente ou primeiro-ministro é mais uma coisa de temperamento do que de inteligência” (p.213). O melhor romance que se escreveu em Portugal, nos últimos anos, foi “Adeus, princesa”, de Clara Pinto Correia; contudo, um livro ignorado (p.75). 

11.Traçadas aquelas que consideramos serem algumas das mais substantivas observações de Vasco Pulido Valente sobre alguns períodos cruciais da História de Portugal – nomeadamente, desde o século XIX, de que era especialista, até aos nossos dias – e seus protagonistas, nas cuidadas interrogações colocadas por João Céu e Silva, em “Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente”, detenhamo-nos, a um tempo, na biografia deste homem que marcou as conversas cidadãs das últimas quatro décadas e, bem assim, concluamos com o seu olhar corrosivo sobre um conjunto de figuras que pulula(ra)m na esfera pública, colocando, independentemente do campo em que nos entendamos situar, o sorriso face ao excessivo que conservava um olhar que procurávamos semanalmente. 
Vasco Pulido Valente nunca foi bom aluno (p.20): no quinto ano, teve duas negativas e ficou “tapado por faltas”; no ano anterior, por sua vez, fora expulso, por indisciplina, do Liceu Pedro Nunes, de onde, após faltar às provas, foi “imediatamente exilado para o Colégio Nun’Alvares, em Tomar, uma espécie de reformatório”. Tratou-se de “um castigo à séria e uns meses muito infelizes”. O pai chamava-lhe “vadio e parasita”.
Cursou Direito durante dois anos e, depois, desistiu. Viajou para Inglaterra. Formou-se em Filosofia. Doutorou-se em História na Universidade de Oxford (“a história é para mim uma forma de arte (…) um género literário”, p.276). 
Deu aulas no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa. Foi Investigador-Coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. 
Na Universidade, “fazia parte de um ‘grupúsculo’ que se dizia de extrema-esquerda, o MAR [Movimento de Acção Revolucionário] que nada fazia, liderado por Jorge Sampaio” (p.21). 
Segundo o seu testemunho, devia ter-se dedicado à História do século XIX “e nada mais (…) deixar uma história completa desse século”, mas a sua queda para o jornalismo, para o comentário, foi amor de perdição (“a história que gostaria de ter escrito era a deste período: 1807 a 1933 (…) Sinto-me frustrado, é mesmo a grande frustração da minha vida (…) O jornalismo teve uma importância na minha vida que nunca devia ter tido” (p.276). Nos anos 80, em todo o caso, a sua “coluna”, como gostava de dizer, n’O Independente, “tinha influência”, toda “a gente dizia maravilhas de mim” (p.16). Terá, inclusive, através dos seus textos, mudado alguma da realidade sob a qual se debatia: “isso é muito difícil de dizer, mas de uma maneira geral, acho que sim – digo-o sem pretensão nenhuma -, embora tenha sido sempre uma personagem secundária” (p.28). Em exame pessoal, perpassado por certa modéstia capaz, cremos, de surpreender alguns leitores, dirá: “acho que não sou um homem de primeira grandeza. Para se ser um grande político, é preciso ter certas coisas: um grande temperamento e um grande carácter, e eu não tenho nem um grande temperamento nem um grande carácter” (p.27). E perguntado sobre se não aspirou a cargos políticos de maior dimensão dos que frequentou não se mostrou menos franco: “querer, queria, mas ninguém me ofereceu outros cargos” (p.25). Atualmente, não há quem, na imprensa, consiga marcar (p.227) e são programas televisivos como “O Governo Sombra” ou, em certa medida, “O Eixo do Mal”, para além de comentadores individuais como Marques Mendes, que podem fazer opinião (embora nunca, neles, saia uma opinião arriscada, absolutamente fora de tom, sobre as coisas, o que limita o seu alcance – e, aqui, o leitor concederá a Pulido Valente a autoridade moral de criticar quem não consegue aproximar-se de pisar linhas vermelhas que ele suplantava com soberana displicência). 
Depois de se doutorar, Pulido Valente, amante de Florença (p.188), pensou em permanecer em Inglaterra, mas, bem ao seu jeito, confessa, não sem auto-ironia, que “o mundo lá fora é muito grande (…) o que implica um esforço muito maior, que causa uma solidão terrível. Nós aqui em Portugal temos a cama feita, há sempre alguém que ajuda (…). No mundo anglo-saxónico, não é assim e desagradava-me não pertencer a alguma coisa orgânica e em que pudesse participar. Estava lá sem família, estava lá sem amigos, estava lá sem país e a vida inglesa é um clube muito fechado para toda a gente de fora. É difícil. É enregelante. Poderia dar aulas, mas somos anónimos” (p.14). Fumou um charro em Oxford: “fiquei enjoadíssimo e vomitei. Não sou da cultura da droga, sou da cultura do álcool” (p.23). 
Em 1979, com a vitória da AD, Vasco Pulido Valente chega a Secretário de Estado da Cultura; em 1986, apoia Mário Soares para as Presidenciais. Nas suas filiações partidárias, vê o ingresso no PS como modo de lutar contra o comunismo; filia-se no PSD contra o ascendente militar no país (p.212).
A mãe de Pulido Valente era anti-clerical e o pai “ateu, com nove provas da não existência de Deus” (p.111). Os pais foram comunistas, mas abandonaram tal ligação partidária: a mãe, passou a votar PS e o pai, desde a AD (1979), votou sempre PSD. VPV era ateu. As melhores batalhas que teve foram ao lado de Adérito Sedas Nunes, “foi ele que me fez, que me tirou do poço e disse «venha aqui, que eu ajudo-o” (p.29).
Nas suas conversas com João Céu e Silva, não faltou referência a alguns casos que, já nos anos 2000, agitaram o nosso espaço público. Por exemplo, as revelações, de Maria Filomena Mónica, no seu livro de memórias: “ela passou a linha entre o público e o privado (…). Se me tem sucedido aos 40 [anos], estava tramado. Cada vez que tivesse um milímetro de intimidade com uma senhora ficava aterrorizado porque iria parar tudo aos jornais” (pp.21-22), ou o conflito com Miguel Sousa Tavares, após uma recensão demolidora, por si assinada, a um romance daquele: “uma polémica idiota, que foi ultrapassada. Ele repete a versão popular «esquerdista» sem iluminar a época e sem a perceber” (p.47). Nem se ignorou o momento presente do mundo e o inusitado desafio à racionalidade que, em diferentes latitudes, líderes políticos foram promovendo: “hoje as forças que apagam a racionalidade do discurso político são muito mais poderosas. Pela primeira vez na minha vida, não percebo pura e simplesmente muitas coisas do mundo em que estou” (p.32).
No entender do especialista – um “rato de biblioteca” (p.49) que devorou obras sobre a segunda guerra mundial e pretendia escrever a biografia definitiva de Hitler, homem ainda por decifrar segundo pensa (“foi o homem que mudou mais um século e nunca li uma explicação que me satisfizesse. Continua-se sem se perceber quem é aquela pessoa (…) Ando a estudar Hitler que nem um obsessivo”, p.49), mas empreendimento que a ausência de conhecimento bastante do alemão, da sua parte, e consequente acesso a muitas fontes em primeira mão, travou; por outro lado, as memórias de Trotsky “são um grande livro. Literariamente, é um dos grandes livros da literatura russa, e, do que eu conheço, é uma das grandes obras da minha vida” (p.47) -, só Oliveira Martins, no 'Portugal Contemporâneo', contou a história de Portugal; depois dele, mais ninguém (p.276). 

12.Se Salazar, em páginas que Céu e Silva convoca e haviam sido escritas em anos pretéritos – ao conjunto de entrevistas que realiza na “Longa Viagem com Vasco Pulido Valente” -, é retratado, por VPV, como “um intriguista vulgar, um pequeno político e um espírito inculto e medíocre” (p.79), Marcello Caetano é visto, por aquele, como querendo fazer o que Cavaco Silva, mais tarde, veio a lograr: modernização e integração num mercado comum europeu – o que era impossível num país com colónias (p.179). António de Spínola “era muito estúpido, mesmo bronco” (p.184), Melo Antunes seria “a grande cabeça”, mas tinha aprendido o marxismo, o que o diminuiu (p.192); Vítor Alves, “bem-educado, simpático e esperto”. Costa Gomes, “horrores”, Firmino Miguel, “inteligente”, “Otelo era Otelo” (p.192). Sobre António Ramalho Eanes: “eu gosto do Eanes, mesmo que ache que ele se estragou muito” (criticando o doutoramento pós-Presidencial, realizado pelo General, nomeadamente em virtude da Universidade em que foi obtido). Diogo Freitas do Amaral “queria ser socialista, pronto” (p.214), sendo “completamente submisso” a Sá Carneiro (p.199), Cunhal “era um tipo horrível” (p.196), Soares “era doido e achava que nunca lhe sucedida mal nenhum” (p.195), chegando, não raro, a ser “muito grosseiro e bruto” (p.209), Balsemão é o 'Balsas'. António Sérgio, “é talvez o pensador mais sobrestimado de Portugal” (p.98), Helena Vaz da Silva, “única mulher que foi ao Concílio Vaticano II”, “era maluca” (p.161), Manuela Eanes “queria tomar conta do país” (p.201), Maria de Lurdes Pintasilgo protagonizava “uma espécie de Bloco de Esquerda prematuro, que vinha do catolicismo – ela era uma das grandes activistas, como hoje se diz, do catolicismo de esquerda, como Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa, e muitos outros” (p.204). Quanto a Aníbal Cavaco Silva, “fazia bem as suas continhas”, mas era um verdadeiro ministro do Orçamento: “não tinha dimensão”, nem “uma ideia sobre Portugal”, “não tinha um projecto, não tinha uma doutrina, nada” (pp.233-234), sendo certo que foi “melhor primeiro-ministro” do que Presidente da República (VPV escreve que alertou Cavaco para a existência de corrupção à sua volta); António Guterres era “incompetente” e a corrupção em maior escala principia durante a sua governação (p.239), Fernando Nogueira “era um bom homem, mas tapadinho de todo” (p.16), Manuela Ferreira Leite “limita-se às querelas da sua área profissional” (p.228) e Santana Lopes “tem o governo mais louco de toda a democracia e menos sério” (p.240). Santana e Durão Barroso são “puros arrivistas”: Barroso foi para a Europa “ser criado dos outros”, Lopes “o desastre que se viu”; aliás, José Sócrates nunca teria ganho “a uma pessoa responsável do PSD” (p.283). Criador da expressão “Geringonça” para designar a coligação parlamentar de suporte ao primeiro governo liderado por António Costa, Pulido Valente dela diz que “conseguiram administrar os problemas após a crise com equilíbrio e estabilidade (…) Isso ninguém lhes tira” (p.290). De Paulo Portas, prefere não falar neste conjunto de entrevistas, por ser amigo, e elogia-o, aliás, enquanto leitor; mas João Céu e Silva preenche a lacuna com uma citação de há alguns anos, de um Vasco Pulido Valente especialmente sarcástico: “a metamorfose de Paulo Portas de menino rabino em estadista de respeito tem andado entre o divertido e o grotesco. Primeiro, adoptou o fato escuro de risca fininha e a discreta gravata de meia-idade. Depois, resolveu imitar o tom pomposo e grave de um catedrático de 1950. Quando já parecia, pelo menos por fora, a caricatura de um ministro de Salazar, descobriu o ‘povo’ e os ‘nossos velhinhos’”. Também sobre Passos Coelho prefere, agora, não falar, puxando Céu e Silva de um conjunto de citações de Pulido Valente, nos jornais, acerca do então Primeiro-Ministro: “deixou um exemplo de trapalhada, de superficialidade e de ignorância. Ou seja, nada de original” (p.226). VPV teve boa relação com Miguel Cadilhe e Leonor Beleza, a quem considera. Sousa Lara, “um primitivo”, “um beato” (p.73). Miguel Esteves Cardoso, “é uma das pessoas mais irresponsáveis que conheci em toda a minha vida” (p.80) e, atualmente, só fala de comida e bebida nas suas crónicas no 'Público', não dizendo nada a ninguém (quando dele se esperava a melhor cabeça da sua geração, nomeadamente quando 'O Independente' formava tanta gente). D. Duarte “é muito gozado no (…) 'Correio da Manhã', o que significa que ainda há uma pontinha de monárquicos na extrema direita portuguesa” (p.86), António Costa e Rui Rio são “medíocres, mas responsáveis” (p.284); em todo o caso, considera o primeiro-ministro “uma pessoa culta” (p.289), Rio “desequilibrado, autoritário e provinciano” (p.288). Sócrates, politicamente “está morto” (p.242), Santos Silva “é inócuo”, Ana Catarina Mendes “nem se fala”, Fernando Medina “é uma tristeza de chorar” (p.273). José Pacheco Pereira regressou a um passado 'esquerdista' – “não vou dar uma explicação política para tal, antes que regressam às ideias do tempo em que eram felizes e novos” (p.227) e Marques Mendes “está a fazer os fretes ao Marcelo (…). O que ele quer é ser Presidente da República (…) e está a fazer tudo por isso” (p.224). Marcelo Rebelo de Sousa tem “uma cabeça extraordinária”, mas é incompreensível um Professor Catedrático de Direito, Presidente da República, andar abraçado a um boneco, uma mascote, como viu Marcelo fazer na Rússia. Em qualquer caso, “não é rejeitado em nenhum sítio do país, não se arranja um único político assim na Europa e no mundo” (p.285). Quanto a escritores, o homem que chegou a amar Régio, afirma que Saramago é “uma espécie de Tomás Taveira da literatura portuguesa com a arquitetura [literária] que usa” (p.73); aliás, Saramago e Lobo Antunes, “coitados” (p.279); “o Camilo e o Eça são os dois únicos escritores que tivemos até hoje. Talvez esteja disposto a dar um pequeno lugar à Agustina Bessa-Luís, um dedo mindinho, mas a mais ninguém” (p.70) – e, ainda assim, Agustina “escreveu um livro imundo sobre Sá Carneiro, que foi uma baixeza intelectual” (p.73). E, convenhamos, se houvesse que escolher apenas um, “nunca houve um escritor da dimensão de Eça” (p.279), “o homem que melhor compreendeu o estatuto de Portugal no mundo e a natureza da cultura portuguesa” (p.279). Vasco Pulido Valente assume-se, em absoluto, queirosiano: “eu vivo com o Eça (…) Quando já não se tem paciência, então a gente lê o Eça” (p.104).

13.E a relação com Portugal, Vasco Pulido Valente? O historiador deixa-nos, desde logo, uma curiosa intuição sobre a bandeira nacional: “o encarnado era a cor dos miguelistas, o verde nunca foi cor de ninguém. O azul e branco da monarquia era por causa das hortênsias da ilha Terceira. Qual o outro país que tem o encarnado e o verde na bandeira? O México, desde 1874. A revolução no México é de 1874 e “é muito possível que tenha vindo daí” (pp.99-100). Depois, a propósito do “Portugal dá vontade de morrer”, frase apócrifa de Herculano, inventada por Bulhão Pato, ou sobre “a piolheira” e a “choldra” (D. Carlos): “não há dúvida de que Portugal sempre gostou muito pouco de si próprio” (p.80). Não temos, sequer, uma História (com a excepção já aqui mencionada), porque uma pessoa não pode, por exemplo, estar cinco anos a escrever um livro e no final, dado o nosso diminuto mercado, quase nada receber – e um estudo sério sobre Salazar, ilustra, requereria 15 anos, dando já por descontado que se conhece bem a época (em que aquele viveu) (p.38). Já agora, e quanto a este político ter vencido o concurso televisivo “Os grandes portugueses”, nada significa – na Inglaterra, o segundo lugar de "Os grandes ingleses" foi para um engenheiro que fazia pontes e a quem o nome foi dado a várias escolas e politécnicos, com os alunos a decidirem votar nele. 

14.Porquê a expressão “indígena” para zurzir o país, o povo ou a “plebe” (como prefere), usada, por si, tão frequentemente que surgia no colunista como um emblema, uma segunda assinatura? É que aqui tudo é imitação. De resto, grande tema que perpassa o nosso grande romance, “Os Maias”. 
O escritor que, bem vistas as coisas, não deixou de legar ao país uma obra, morreu aos 78 anos e a Assembleia da República aprovou, por unanimidade, um voto de pesar em sua memória. Ao longo da sua existência, – incluindo este conjunto derradeiro de reflexões com que nos deixa -, sempre capaz de um repente surpreendente, por vezes luminoso, bastas vezes divertido, parece relevar uma espécie de lema que, a certa altura, colheu em auto-análise: “o ‘modo de vida’ acabava em definitivo com a vida. Para mim, a única vida era exatamente uma vida sem ‘modo’” (p.23). Vasco Pulido Valente, a necessidade da inquietação: “a realidade é sempre forte para se escrever sobre ela” (p.48). Uma vitalidade, e um interesse pela vida, que nunca ficaram completamente sedentos: “continua a apetecer-me entrar na conversa” (p.30).