Forever is Now. Uma ponte entre a antiguidade e a arte contemporânea nas areias do Egito

Forever is Now. Uma ponte entre a antiguidade e a arte contemporânea nas areias do Egito


Será possível conciliar a solenidade e monumentalidade do mundo antigo com o ímpeto da criação contemporânea? A exposição Forever is Now, a primeira mostra de arte contemporânea a realizar-se no complexo monumental das pirâmides de Gizé, no Egito, mostrou que sim, é possível.


Pela primeira vez nos seus cerca de 4.500 anos de história, o complexo monumental da pirâmide de Gizé – sítio arqueológico localizado no planalto de Gizé, nos arredores do Cairo, Egito – recebeu uma exposição de arte contemporânea que uniu “o seu passado histórico com o seu presente vibrante”. Forever is Now, em português ‘A Eternidade é Agora’, que decorreu de 21 de Outubro até ao passado dia 7 de novembro, reuniu esculturas e obras “dos mais proeminentes e famosos artistas contemporâneos do mundo” expostas no vasto planalto onde repousa a última das sete maravilhas do mundo antigo, a Grande Pirâmide de Quéops. Instalações desafiadoras, feitas para aquele contexto, vieram juntar-se às vagas de visitantes e aos proprietários de camelos que colocam os seus animais à disposição dos turistas em troca de um valor combinado. O artista russo Alexander Ponomarev; a artista americana Gisela Colón; o artista brasileiro João Trevisan; o artista urbano francês JR (cuja verdadeira identidade ninguém conhece); o artista italiano Lorenzo Quinn; os artistas egípcios Moataz Nasr e Sherin Guirguis; os artistas britânicos Shuster, Moseley e Stephen Cox RA; e o artista saudita Príncipe Sultan Bin Fahad foram os protagonistas da façanha.

OS OBJETIVOS DA EXPOSIÇÃO A organização foi dirigida pela empresa privada de arte Art d’Égypte, que nos últimos anos se consolidou como “uma das empresas mais importantes na cena cultural e artística do país” e que organiza todos os anos uma exposição de arte contemporânea num sítio histórico do Egito. “Esta exposição de arte inovadora e ousada abre um novo campo para o mundo das exposições de arte ao criar uma ponte tangível entre as artes visuais e o património histórico de um país tão emblemático como o Egito”, afirmou Lucia Sollinger, curadora honorária do evento, ao jornal espanhol El País. Foi, por isso, uma exposição que, além de ter posto as obras a “dialogarem entre si”, refletiu “sobre o tempo como elemento que une e separa civilizações”.

“Com Forever Is Now, o Egito estabeleceu um precedente mundial ao emprestar o seu mais precioso património histórico, as Pirâmides de Gizé, não apenas para servir como um cenário excepcional para esta mostra internacional de arte contemporânea, mas também para promover as artes visuais e dar-lhes o maior visibilidade possível, apontando um possível caminho a seguir”, acrescentou Sollinger.

OS IMPORTANTES CONTRIBUTOS E OS DESAFIOS Fundada em 2016 pela consultora de arte franco-egípcia nascida em Alexandria, Nadine Abdel Ghaffar, a empresa Art D’Égypte tem um histórico de inserção de arte contemporânea em locais históricos no Cairo e criação de um diálogo entre o passado e o presente. Tal como afirma Ghaffar antes da abertura da exposição: “O Antigo Egito e esta civilização influenciaram o mundo inteiro e a nossa mensagem é um símbolo de apreço e de esperança”.

Foram três anos de negociações com a UNESCO, o Ministério egípcio de Antiguidades e Turismo e várias embaixadas para realizar o seu sonho de instalar obras contemporâneas perto das pirâmides de Gizé. “Para as autoridades, é um local de antiguidades, é uma herança e, por isso, a arte contemporânea não as atrai”, elucidou Ghaffar. “Mudámos as mentalidades das pessoas que agora acreditam realmente que a arte fez estas pirâmides antigas falarem”, revelou.

Planeada durante a pandemia, a exposição teve de ultrapassar inúmeros desafios para se concretizar. Além da “confusão” burocrática envolvida, já que se tratava de uma montagem de arte contemporânea num local do Património Mundial da UNESCO, houve também a questão de arrecadar fundos para o projeto. A empresa Art D’Égypte foi apoiada por uma longa lista de parceiros, que incluíram os patrocinadores locais EgyptAir, Afridi Bank, a Fundação Sawiris para o Desenvolvimento Social, Abou Ghalib Motors e a empresa de transporte global DHL; teve também a cooperação das embaixadas britânica e francesa no Egito e ainda da embaixada dos Estados Unidos no Cairo, que contribuiu com 229 mil dólares, cerca de 200 mil euros, para não só apoiar a participação dos artistas americanos, como o transporte das obras de arte. “A diplomacia cultural e o intercâmbio cultural avançam direta e exclusivamente a parceria estratégica entre os Estados Unidos e o Egito, construindo laços duradouros entre as pessoas”, disse o embaixador dos Estados Unidos, Jonathan R. Cohen, em comunicado. “O nosso apoio nessa exposição histórica no planalto de Gizé fez exatamente isso”, frisou.

Porém, muitos dos artistas tiveram que reunir os seus próprios fundos para a fabricação e instalação das suas esculturas monumentais, com a ajuda de Simon Watson, um consultor de arte e curador independente que tinha uma galeria no bairro de SoHo, em Manhattan, na década de 1980 e agora vive entre o Brasil e Nova Iorque. Depois de visitar o Egito há cinco anos a convite do artista do Cairo Ibrahim Ahmed, Watson foi abordado por Ghaffar para ajudar a organizar Forever Is Now. Descreve o seu papel como “uma valsa entre os artistas e os burocratas”. “Honestamente tive de lutar por certos artistas e eu não aceitaria um ‘não’ como resposta”, contou o consultor de arte.

“Todos os anos, começamos um projeto sem orçamento, sem saber como o vamos terminar, mas acredito no universo e no ‘pó de fada’ que nos ajuda sempre”, admitiu, por sua vez, Ghaffar, que viu na curta duranção do evento a sua principal desvantagem. “Foi uma corrida demasiado curta num local incrível”, lamentou.

A ‘MAGIA’ DAS OBRAS Saudações de Gizé foi uma das obras que mais chamaram a atenção dos visitantes. Assinada pelo enigmático artista francês JR, a instalação, feita em estrutura de aço e malha, brincou com a ideia de uma mão a segurar um cartão-postal preto e branco que, visto de um ponto preciso, cria uma ilusão de ótica em que a ponta da pirâmide de Quéfren, a segunda mais alta de Gizé, está separada do resto da construção.

Outra das instalações mais comentadas e compartilhadas foi uma escultura majestosa feita com hastes de aço inoxidável que recriou duas mãos levantadas do fundo da areia da necrópole faraónica cujos dedos se tocam. Projetada pelo proeminente escultor figurativo italiano radicado na Espanha Lorenzo Quinn, a escultura criou uma forma semelhante às pirâmides. Segundo o artista, a obra simbolizou “a conexão humana ao longo do tempo”.

Já Aqui estou eu de volta foi um grande monumento escultural do artista egípcio Sherin Guirguis que “homenageou a história das mulheres egípcias e sua contribuição para a sociedade e a cultura do país ao longo do tempo”. A instalação inspirou-se no formato do sistro, instrumento musical sagrado utilizado pelas sacerdotisas da deusa Ísis durante rituais e procissões, no qual estavam inscritas gravuras faraónicas e trechos de um poema da poetisa e ativista feminista egípcia Doria Shafik. A obra parecia surgir da areia para lembrar o poder e o trabalho dessas mulheres, e foi subtilmente infundida com o perfume do óleo de jasmim colhido por mulheres, para tornar visível seu trabalho historicamente invisível.

Por sua vez, o artista brasileiro João Trevisan explorou histórias colonialistas paralelas com O Corpo que se Levanta, uma torre de tábuas de madeira, que o artista descreveu como “uma possível caixa para um obelisco imaginário”.

Eternidade agora foi uma das instalações mais abstratas: representava um momento atemporal em que passado, presente e futuro se fundiram nas pirâmides de Gizé. “É uma cúpula elíptica dourada de nove metros localizada em frente à esfinge”, explicou a artista plástica Gisela Colón, responsável pela escultura. Segundo a autora, a escultura homenageou o profundo legado do antigo Egito como um dos berços da cultura antiga. A sua forma foi inspirada no vasto conhecimento adquirido pelos egípcios da época e a sua curvatura tomou como modelo o olho mítico de Hórus (símbolo oriundo do Antigo Egito). Colón, que cresceu em Porto Rico, trabalhou com uma empresa aeroespacial para realizar a escultura, trazendo um espírito colaborativo ao projeto. “A minha equipa tem mais de 150 pessoas e todos nós que participámos estamos muito orgulhosos. Consigo contribuir com uma pequena parte de 4.500 anos de história e esta é uma conversa ao longo do tempo”, afirmou, sublinhando que Forever is Now foi uma exposição que teve como objetivo “unificar a raça humana e mostrar como atualmente estamos todos globalizados, sendo importante que os artistas conduzam essa conversa”.