Jorge Sampaio e a defesa da independência do poder judicial: memórias e reconhecimento


A preocupação do Presidente Sampaio centrou-se, sempre, na necessidade da estabilidade da função judicial e na capacidade de esta poder desenvolver a sua função com objetividade e independência.


Nos dias seguintes à morte do Presidente Jorge Sampaio, muitos foram os que, de diversos lados, quiseram expressar o seu pesar e lembrar os contactos e episódios que, de alguma maneira, com ele mantiveram e viveram.

A diversidade de tais relatos mostrou bem a multiplicidade de relações e intervenções, mais ou menos institucionais, mais ou menos oficiosas e mesmo privadas, que Jorge Sampaio foi capaz de desenvolver em diferentes campos da vida política e social portuguesa no desempenho dos cargos que exerceu.

Em geral, como por todos foi recordado, tais intervenções de maior ou menor vulto, mesmo quando mais incisivas, revestiram-se sempre de uma enorme suavidade e contenção.

Calhou-me, por efeito da função de dirigente associativo do Ministério Público que então exercia, ter de contactar com o Presidente Jorge Sampaio num momento particularmente sensível da vida político-judiciária do país.

Estavam em causa as repercussões políticas e sociais de um processo que não deixava ninguém indiferente.

Os constrangimentos e influências que, por causa dele, se desenvolveram em diversas esferas do poder político-mediático e, inclusive, no seio do próprio poder judicial foram, então, extremas.

Foi, aliás, nesse perigoso contexto que os contactos com a Presidência foram estabelecidos e se desenvolveram.

Nunca soube, nem ele mo referiu explicitamente, mas creio que o próprio Presidente deve ter-se sentido muito espartilhado entre a vontade de alguns que lhe eram próximos e a necessidade institucional de preservar a autonomia das instituições judiciárias.

Durante essa Presidência – como, de resto, antes e algumas vezes depois dela – o movimento associativo do Ministério Público era reconhecido como um interlocutor institucionalmente respeitável, sendo, por isso, frequentemente convocado e ouvido.

Na ocasião, a preocupação do Presidente Sampaio centrou-se na necessidade de preservar a estabilidade da Justiça e na capacidade de esta poder continuar a desenvolver – naquele como em todos os outros casos – a sua função com objetividade e independência.

Tudo o que se dissesse, a mais ou a menos, e com mais ou menos rigor, sobre o aludido processo e os seus protagonistas podia, pois, desencadear todo o tipo de tensões capazes de, por si sós, porem em causa a pretendida estabilidade do sistema constitucional de Justiça.

Era necessário, portanto, um rigor extremo e uma contenção apurada nas palavras usadas, mesmo quando fosse necessário responder ou comentar as observações dos intervenientes mais imprevidentes ou exaltados, de um e de outro lado.

Mesmo sem pretender envolver-se na forma como eu pensava agir publicamente na explicação da posição do Ministério Público e, também, na das iniciativas dos magistrados que dirigiam ou tinham o processo a cargo, sempre, e a cada passo, o Presidente procurou saber de que forma eu pretendia fazê-lo, alertando-me, não raras vezes, para uma ou outra eventual consequência que, de tal intervenção, poderia resultar para o equilíbrio da situação política e institucional.

Na sequência dos contactos então mantidos, nunca o Presidente me deu, todavia, a conhecer a sua opinião sobre o processo e sobre o decurso das diligências que, para espanto de todos, iam sendo publicamente noticiadas, ou mesmo, nos piores dos casos, inventadas.

Perguntou-me, isso sim, a minha opinião e, tendo-a eu dado – fundado, apenas, no conhecimento que tinha dos magistrados dos diversos escalões hierárquicos envolvidos – não a comentou, nem positiva nem negativamente: anotou-a e, assim, a guardou para sempre.

Alguns de tais magistrados nunca chegaram então, ou depois, a saber e, portanto, a entender a importância que tal relação, e a orientação dela resultante, adquiriram para a preservação das condições pessoais e institucionais do seu desempenho e, em geral, para a salvaguarda da independência do poder judicial.

 De certa forma, ainda bem que assim aconteceu.

Devido ao cuidado e sensibilidade institucional do Presidente Jorge Sampaio foi, todavia, possível, sem danos de maior para o estado de Direito, resolver a crise, que uns inadvertidamente acirravam e que outros queriam mesmo fazer detonar.

Depois disso, encontrei, algumas vezes, o Presidente Jorge Sampaio, mas nunca falámos do que se havia passado nessa altura.

Porém, olhando-o nos seus olhos cúmplices e irónicos, apertei-lhe sempre a mão, reconhecido pelo que ele havia feito e pelo que com ele aprendi sobre como exercer a responsabilidade institucional no seio de uma Democracia aberta e que se rege pelas normas do Estado de Direito.

Jorge Sampaio vai fazer-nos falta.  

 

 

                                                                   

 

 

 

Jorge Sampaio e a defesa da independência do poder judicial: memórias e reconhecimento


A preocupação do Presidente Sampaio centrou-se, sempre, na necessidade da estabilidade da função judicial e na capacidade de esta poder desenvolver a sua função com objetividade e independência.


Nos dias seguintes à morte do Presidente Jorge Sampaio, muitos foram os que, de diversos lados, quiseram expressar o seu pesar e lembrar os contactos e episódios que, de alguma maneira, com ele mantiveram e viveram.

A diversidade de tais relatos mostrou bem a multiplicidade de relações e intervenções, mais ou menos institucionais, mais ou menos oficiosas e mesmo privadas, que Jorge Sampaio foi capaz de desenvolver em diferentes campos da vida política e social portuguesa no desempenho dos cargos que exerceu.

Em geral, como por todos foi recordado, tais intervenções de maior ou menor vulto, mesmo quando mais incisivas, revestiram-se sempre de uma enorme suavidade e contenção.

Calhou-me, por efeito da função de dirigente associativo do Ministério Público que então exercia, ter de contactar com o Presidente Jorge Sampaio num momento particularmente sensível da vida político-judiciária do país.

Estavam em causa as repercussões políticas e sociais de um processo que não deixava ninguém indiferente.

Os constrangimentos e influências que, por causa dele, se desenvolveram em diversas esferas do poder político-mediático e, inclusive, no seio do próprio poder judicial foram, então, extremas.

Foi, aliás, nesse perigoso contexto que os contactos com a Presidência foram estabelecidos e se desenvolveram.

Nunca soube, nem ele mo referiu explicitamente, mas creio que o próprio Presidente deve ter-se sentido muito espartilhado entre a vontade de alguns que lhe eram próximos e a necessidade institucional de preservar a autonomia das instituições judiciárias.

Durante essa Presidência – como, de resto, antes e algumas vezes depois dela – o movimento associativo do Ministério Público era reconhecido como um interlocutor institucionalmente respeitável, sendo, por isso, frequentemente convocado e ouvido.

Na ocasião, a preocupação do Presidente Sampaio centrou-se na necessidade de preservar a estabilidade da Justiça e na capacidade de esta poder continuar a desenvolver – naquele como em todos os outros casos – a sua função com objetividade e independência.

Tudo o que se dissesse, a mais ou a menos, e com mais ou menos rigor, sobre o aludido processo e os seus protagonistas podia, pois, desencadear todo o tipo de tensões capazes de, por si sós, porem em causa a pretendida estabilidade do sistema constitucional de Justiça.

Era necessário, portanto, um rigor extremo e uma contenção apurada nas palavras usadas, mesmo quando fosse necessário responder ou comentar as observações dos intervenientes mais imprevidentes ou exaltados, de um e de outro lado.

Mesmo sem pretender envolver-se na forma como eu pensava agir publicamente na explicação da posição do Ministério Público e, também, na das iniciativas dos magistrados que dirigiam ou tinham o processo a cargo, sempre, e a cada passo, o Presidente procurou saber de que forma eu pretendia fazê-lo, alertando-me, não raras vezes, para uma ou outra eventual consequência que, de tal intervenção, poderia resultar para o equilíbrio da situação política e institucional.

Na sequência dos contactos então mantidos, nunca o Presidente me deu, todavia, a conhecer a sua opinião sobre o processo e sobre o decurso das diligências que, para espanto de todos, iam sendo publicamente noticiadas, ou mesmo, nos piores dos casos, inventadas.

Perguntou-me, isso sim, a minha opinião e, tendo-a eu dado – fundado, apenas, no conhecimento que tinha dos magistrados dos diversos escalões hierárquicos envolvidos – não a comentou, nem positiva nem negativamente: anotou-a e, assim, a guardou para sempre.

Alguns de tais magistrados nunca chegaram então, ou depois, a saber e, portanto, a entender a importância que tal relação, e a orientação dela resultante, adquiriram para a preservação das condições pessoais e institucionais do seu desempenho e, em geral, para a salvaguarda da independência do poder judicial.

 De certa forma, ainda bem que assim aconteceu.

Devido ao cuidado e sensibilidade institucional do Presidente Jorge Sampaio foi, todavia, possível, sem danos de maior para o estado de Direito, resolver a crise, que uns inadvertidamente acirravam e que outros queriam mesmo fazer detonar.

Depois disso, encontrei, algumas vezes, o Presidente Jorge Sampaio, mas nunca falámos do que se havia passado nessa altura.

Porém, olhando-o nos seus olhos cúmplices e irónicos, apertei-lhe sempre a mão, reconhecido pelo que ele havia feito e pelo que com ele aprendi sobre como exercer a responsabilidade institucional no seio de uma Democracia aberta e que se rege pelas normas do Estado de Direito.

Jorge Sampaio vai fazer-nos falta.