Animais. Ripper, o pato almiscarado que imita sons humanos

Animais. Ripper, o pato almiscarado que imita sons humanos


É o primeiro caso documentado de patos que conseguem imitar sons humanos. Uma espécie que está a desafiar os estudos da vocalização em animais.


Papagaios, beija-flores e cucos-canoros: a comunidade científica apontava estas três espécies de aves como as que tinham a habilidade de replicar sons e palavras dos seres humanos. Mas Ripper, um pato almiscarado australiano, criado em cativeiro na Reserva Natural de Tidbinbilla, situada a 50 quilómetros a sudoeste de Canberra, na Austrália, veio mostrar que a sua espécie tem, na verdade, muito a dizer: foi gravado a repetir sons de portas a bater e também palavras humanas, que se parecem muito com: “Seu idiota”.

O animal foi criado a partir de um ovo fresco proveniente de East Gippsland, Victoria, na Austrália, em setembro de 1983. Foi incubado sob uma galinha e depois criado e alimentado à mão. Recebeu todos os cuidados: após ter sido saído da casca, foi levado para uma estrutura improvisada, feita de aço inoxidável, com água e uma lâmpada de calor para que nada lhe faltasse. Depois, teve várias casas.

As gravações foram feitas usando um gravador de cassetes profissional Sony Walkman, e um microfone Sennheiser MKH 816, no ano de 1987 – altura em que Ripper tinha quatro anos de idade. O conteúdo consiste em três sequências de vocalizações repetidas, todas diferentes.

Os investigadores acreditam que o pato terá ouvido, repetidamente, a frase do seu criador, tendo-a assim memorizado.

Não acreditou até ouvir Ripper Peter Fullagar, um investigador australiano já aposentado, gravou Ripper pela primeira vez há mais de três décadas, segundo o The Guardian. Mas estas gravações só recentemente foram recuperadas pelo professor Carel Ten Cate, da Universidade de Leiden, na Holanda, que encontrou uma referência a um pato falante num livro sobre a vocalização de pássaros. À primeira impressão, não acreditava no ‘pato falante’. Mas ouviu e ficou convencido.

Carel Ten Cate revelou que o que Ripper poderá ter dito era “Comida” e não “Idiota” – já que em inglês as duas palavras têm uma fonética semelhante (fool e food, respetivamente).

“Posso imaginar que o cuidador lhe dizia, em tom de brincadeira: ‘Pronto, aqui está a tua maldita comida’”, afirmou o investigador.

Ao contrário de outras espécies de patos, os almiscarados são únicos, na medida em que se encontram mais dependentes de cuidados maternos. Já numa idade avançada, em época de acasalamento, os machos juntam-se em grupo e “fazem as suas exibições, incluindo a vocalização”, explica Carel Ten Cate. Durante o processo, as fêmeas escolhem com quem querem acasalar.

“Não se sabe com que idade Ripper foi transferido para um lago ao ar livre, mas é provável que ele não tenha sido exposto ao som [do bater da porta] muito mais do que apenas algumas semanas”, explica o estudo publicado na revista da Royal Society de Londres, que acrescenta que pelo menos alguns sons imitados por Ripper foram adquiridos quando ainda era novo , mas apenas produzidos na sua idade adulta – o que sugere “uma memorização precoce de um modelo vocal”. Esta característica assemelha-se ao método de aprendizagem de voz observado nos cucos-canoros.

Ripper não foi o único a imitar sons Ao que parece, esta espécie fala mais do que se pensava, já que o caso de Ripper não é singular: um outro pato, da mesma espécie, de nome Fullagatar, imitou o som de um outro, de uma espécie diferente, no ano 2000 – também em Tidbinbilla. E não fica por aqui: mais um almiscarado foi ouvido no Parque Natural de Pensthorpe, no Reino Unido, a tossir e a imitar um som de um pónei, conta Dominique Potvin, doutora da University of the Sunshine Coast, na Austrália.

Um quarto caso registado foi o de um pato almiscarado observado a reproduzir o som que se parece com a tosse de um ser humano.

Dominique Potvin disse que as vocalizações que foram gravadas ajustavam-se com os sons reais de tal forma que houve espaço para alguma dúvida e incerteza: seria realmente uma imitação do animal ou um som real?

Como esta espécie consegue imitar, de forma quase perfeita, verdadeiros sons humanos, de outros animais ou até de objetos ainda não é perfeitamente claro. Potvin tenta explicar: esta capacidade dos patos almiscarados resulta, provavelmente, do que chama de uma “tempestade perfeita” de fatores, como o próprio som do animal e a relação que tem com os seus criadores logo no momento que sai do ovo.

O pato almiscarado demonstra assim uma “capacidade inesperada e impressionante de aprendizagem vocal” – de modo que os investigadores pedem um estudo “mais extenso”, a fim de perceber melhor a dinâmica vocal destas aves.