A gente bem sabe que o Benfica veio ao mundo em Fevereiro, no dia 28 de Fevereiro de 1904, mas as comemorações do 28º aniversário foram ganhando, aos poucos, uma dimensão de tal ordem que, nesse ano de 1932, a festa teve lugar com um mês de atraso, a 27 de Março. Valeu a pena esperar, ora se valeu! Na bandeira do clube, uma das mais altas figuras do Estado, prendeu a comenda da Ordem de Cristo, um reconhecimento nacional perante a grandeza de uma instituição que não parava de crescer, em associados e em entusiasmo. Além do mais, para o fim das festividades, preparava-se um daqueles momento de escacha, a visita do grande Barcelona, trazendo consigo estrelas como o guarda-redes Jaguaré, que passou fugazmente pelo Sporting, Gamiz Diego, Roig, Arocha e Sargiberba. Não era a primeira vez que os dois clubes se encontravam frente a frente, mas todos os os outros desafios haviam tido lugar em Espanha. Esta era a primeira visita do catalães aos encarnados, com os quais tiveram, a partir daí, tantos reencontros, um numa final da Taça dos Clubes Campeões Europeus (1961), e a próxima agendada para o Estádio da Luz, na quarta-feira que vem, pela noitinha.
Jogava-se cedo, nesse tempo já tão distante. Precisamente às 16h20, o árbitro Manuel Marques apitou para dar início à contenda. E logo, logo a seguir, num livre à entrada da área dos catalães põe em pânico a retaguarda blaugrana e Luís Xavier tem um remate poderoso que Jaguaré defende com recurso a toda a sua inequívoca elasticidade.
As coisas prometiam.
Nas bancadas, os que tinham tido a sorte de arranjar entradas, esfregavam as mãos de contentes. O grande espectáculo não lhes fugiria da retina. E era o local ideal para guardá-lo. Ainda por cima o Benfica atacava em catadupas e dava a sensação de ser melhor do que o adversário. Foi-o, de facto, nesses momentos iniciais, mas não por muito tempo.
A resposta Incomodados com a forma como os encarnados tinham caído sobre eles, os catalães sacudiram a pressão contrária de forma decidida e, logo aos dez minutos, soltaram-se num movimento colectivo atacante deveras impressionante, deixando a defesa do Benfica tão às aranhas que João Correia, na tentativa de fazer um corte aflitivo, empurrou a bola para a própria baliza.
O jogo virava-se do avesso. Confortáveis, agora, os homens de Barcelona acertavam finalmente com o seu estilo de jogo filigranado e demonstravam sobre a relva a superioridade que os precedera em letra de imprensa, quando os jornais portugueses dos dias anteriores previam que não era possível ao Benfica bater-se de igual para igual com tão forte opositor. Desta forma foi sem qualquer surpresa que, cinco minutos depois, Roig surge na frente de Amaro e coloca a bola no canto inferior da baliza, de nada valendo a bonita estirada do guarda-redes benfiquista.
No meio do terreno, Vítor Silva e Aníbal José procuram equilibrar os movimentos e permitir à equipa respirar antes de ser esmagada pela táctica de pitão de um adversário que, subindo a pouco e pouco no campo, começava a deixar o Benfica esvaído de forças. Nada a fazer. Aos 23 minutos, uma explosão pela direita do ataque barcelonista, um movimento simples de troca de bola entre Arocha e Roig, e este último assina o 0-3. Até onde irá a goleada?, perguntam-se alguns na bancada, desiludidos com o que estavam a ver. Tudo indica que o resultado está longe de fechar. E se alguém tem tido a oportunidade para alargá-lo, esse alguém é a equipa que viera de Barcelona para estragar a festa de aniversário do Benfica.
Seria preciso esperar pelo minuto 38 para que o público despertasse da sua letargia. Jorge Gonçalves consegue escapulir-se a um adversário, vai à linha, centra para Guedes Tavares que, de primeira, faz um golo bonito. Intervalo. Para o segundo tempo, Eugénio Salvador, figura querida do teatro e jogador de talento, entra para o lugar de Manuel de Oliveira. Todos os segundos 45 minutos serão de maior equilíbrio. Logo no início há um golo português anulado por “off-side” e reclama-se penalti sobre Eugénio. O árbitro ignora os protestos. O jogo prossegue e, aos 55 minutos, surge o 1-4 por Arocha. Como é evidente, o golpe foi duro para os encarnados, que voltam a perder o norte e se sujeitam ao quinto golo, aos 65 minutos, num lance individual de Diego que fintou todos os adversários que lhe surgiram pela frente, guarda-redes incluído.
O Barcelona descansou ou o Benfica revoltou-se? Talvez um pouco de ambos. A verdade é que, daí para diante, um esforço final dos encarnados fez com que os acontecimentos passassem a desenrolar-se no meio-campo catalão. Há um penalti a favor dos encarnados, mas Vítor Silva chuta sobre a barra. Minutos mais tarde, novo penalti: desta vez é Aníbal José que remata e não falha. Estamos à beirinha do fim, Jaguaré tem uma defesa em extremo. Mas o resultado não se alterará. É tempo de voltar para casa…