O fecho do REF e outras reflexões de Verão


O REF era, em Tavira, o ponto de encontro de pessoas de muitas gerações, e também da minha.


No tempo de férias de verão, o mais longo, consigo abstrair-me dos assuntos que, mais reais ou mais abstratos, deixo que me prendam a atenção durante o resto do ano.

O facto de desligar a televisão e apenas ouvir os curtos e bem concebidos noticiários radiofónicos matinais da Antena 1 e, ainda, de tão só dar uma olhada pelas gordas dos jornais, que, em regra, nada sublinham de importante para a maioria dos cidadãos e sempre escarafuncham em temas que parecem só interessar a uma reduzida camada de portugueses viciados em política de palco, permite-me, de facto, deixar distender as ideias e, se possível, procurar mesmo economizá-las.

Artigos sobre a sempre indispensável revisão constitucional, o estatuto dos funcionários judiciais e a sua suposta implicação na autonomia do MP, o modelo de declaração de rendimentos dos juízes e, até mesmo, a possibilidade de o MP poder consultar mails privados sem autorização judicial, que, em geral, suscitariam a minha atenção, não me conseguem sensibilizar muito nesta época do ano.

Assuntos como o reiterado lusotropicalismo e racismo dos portugueses, a necessidade de reequacionar os manuais de história, a necessidade de mudar estátuas ou brasões, as touradas, as ciclovias, a alegada tentativa do Estado envenenar, ideologicamente, através do ensino público – que elas não frequentam – as pobres criancinhas do Estoril e outras magnas questões de civilização, que, por norma, preocupam os intelectuais portugueses de direita – e há muitos – e de esquerda – cada vez menos convictos e menos realistas – passam-me, também, ao lado, como meteoros nesta altura.

Não que sejam, em si, despiciendos, mas por servirem, não raramente, para obnubilar o que, de facto, importa hoje.

É verão e o sol derrete-me a capacidade de concentração e indignação com tão magnas questões que, pelos vistos, afligem, sem cessar, mesmo nesta época, os redatores dos jornais e os políticos de turno.

Por qualquer erro de involução psíquica, anquilose mental temporária ou perda de paciência gradual com aspetos que, porventura, só se revelam aos iniciados à luz crua do sol de verão, não consigo mesmo deixar-me levar por tão magnas preocupações.

As que, em geral, me perturbam sempre – a falta de emprego, a pobreza, mesmo dos que trabalham, os salários ridícula e generalizadamente baixos, a precariedade dos empregos, a falta de condições da maioria das habitações dos portugueses e a falta de um enquadramento urbanístico decente, as pensões baixas e incapazes de prover a subsistência dos idosos, as dificuldades e atrasos no acesso a alguns cuidados de saúde dos portugueses – também se ocultam, oportunamente, no meu espírito no verão, pois poucos são já, e sempre os mesmos, os que justamente as agitam e lhes procuram dar – tantas vezes ingloriamente – o destaque que merecem.

Assim, e porque inconsciente ou voluntariamente alheado do mundo, vou deixando de me aturdir com as notícias – umas excessivas, mas afinal irrelevantes, outras mais pertinentes, mas parcas e quase sempre escondidas –  e acabo por concentrar a minha atenção em pequenos factos que, noutras ocasiões, me teriam escapado.

Este ano dei com o REF fechado.

Estava anunciado, mas não deixa, por isso, de ser triste.

O REF era, em Tavira, o ponto de encontro e de referência de muitas pessoas de várias gerações – e também da minha – onde, entre alguns copos não excessivamente caros e sempre bem servidos e as muitas conversas que prolongavam gostosamente as inquietações generosas da nossa já velha juventude, era possível, ainda, apostar nas corridas de osgas que ocorriam espontâneas na parede em frente da esplanada desse glorioso, mas modesto, bar desta cidade algarvia.

Sem o REF, Tavira não será mais a mesma.

Para muitos dos que se deslocavam para Tavira e para os seus arredores durante o verão, ele fazia parte do programa inultrapassável das noites estivais.

Não era luxuoso – é certo – mas era confortável na sua prosseguida simplicidade de tempos menos ricos.

Não era demasiado barulhento – salvo para os pobres vizinhos –  e, por isso, consentia conversas amenas, ou apaixonadas, mas sempre prolongadas, pois abrigadas de um vento que, quase nunca, se fazia sentir.

Onde conversar, agora, descansadamente e embalado numa música bem selecionada, apoiado, ainda, no serviço atento, e sempre bem-humorado, das suas proprietárias?

Já que os jornais, e, em geral, os media, nada de importante têm, deveras, para relatar, porque não pedir-lhes que, ao menos, nos ajudem a descobrir outros sítios – outras ilhas de puro prazer – que continuem, tanto quanto possível, os sonhos e entusiasmos de uma juventude penosamente prolongada, mas que se vai diluindo sempre e sempre, mesmo contra a nossa vontade mais firme?


O fecho do REF e outras reflexões de Verão


O REF era, em Tavira, o ponto de encontro de pessoas de muitas gerações, e também da minha.


No tempo de férias de verão, o mais longo, consigo abstrair-me dos assuntos que, mais reais ou mais abstratos, deixo que me prendam a atenção durante o resto do ano.

O facto de desligar a televisão e apenas ouvir os curtos e bem concebidos noticiários radiofónicos matinais da Antena 1 e, ainda, de tão só dar uma olhada pelas gordas dos jornais, que, em regra, nada sublinham de importante para a maioria dos cidadãos e sempre escarafuncham em temas que parecem só interessar a uma reduzida camada de portugueses viciados em política de palco, permite-me, de facto, deixar distender as ideias e, se possível, procurar mesmo economizá-las.

Artigos sobre a sempre indispensável revisão constitucional, o estatuto dos funcionários judiciais e a sua suposta implicação na autonomia do MP, o modelo de declaração de rendimentos dos juízes e, até mesmo, a possibilidade de o MP poder consultar mails privados sem autorização judicial, que, em geral, suscitariam a minha atenção, não me conseguem sensibilizar muito nesta época do ano.

Assuntos como o reiterado lusotropicalismo e racismo dos portugueses, a necessidade de reequacionar os manuais de história, a necessidade de mudar estátuas ou brasões, as touradas, as ciclovias, a alegada tentativa do Estado envenenar, ideologicamente, através do ensino público – que elas não frequentam – as pobres criancinhas do Estoril e outras magnas questões de civilização, que, por norma, preocupam os intelectuais portugueses de direita – e há muitos – e de esquerda – cada vez menos convictos e menos realistas – passam-me, também, ao lado, como meteoros nesta altura.

Não que sejam, em si, despiciendos, mas por servirem, não raramente, para obnubilar o que, de facto, importa hoje.

É verão e o sol derrete-me a capacidade de concentração e indignação com tão magnas questões que, pelos vistos, afligem, sem cessar, mesmo nesta época, os redatores dos jornais e os políticos de turno.

Por qualquer erro de involução psíquica, anquilose mental temporária ou perda de paciência gradual com aspetos que, porventura, só se revelam aos iniciados à luz crua do sol de verão, não consigo mesmo deixar-me levar por tão magnas preocupações.

As que, em geral, me perturbam sempre – a falta de emprego, a pobreza, mesmo dos que trabalham, os salários ridícula e generalizadamente baixos, a precariedade dos empregos, a falta de condições da maioria das habitações dos portugueses e a falta de um enquadramento urbanístico decente, as pensões baixas e incapazes de prover a subsistência dos idosos, as dificuldades e atrasos no acesso a alguns cuidados de saúde dos portugueses – também se ocultam, oportunamente, no meu espírito no verão, pois poucos são já, e sempre os mesmos, os que justamente as agitam e lhes procuram dar – tantas vezes ingloriamente – o destaque que merecem.

Assim, e porque inconsciente ou voluntariamente alheado do mundo, vou deixando de me aturdir com as notícias – umas excessivas, mas afinal irrelevantes, outras mais pertinentes, mas parcas e quase sempre escondidas –  e acabo por concentrar a minha atenção em pequenos factos que, noutras ocasiões, me teriam escapado.

Este ano dei com o REF fechado.

Estava anunciado, mas não deixa, por isso, de ser triste.

O REF era, em Tavira, o ponto de encontro e de referência de muitas pessoas de várias gerações – e também da minha – onde, entre alguns copos não excessivamente caros e sempre bem servidos e as muitas conversas que prolongavam gostosamente as inquietações generosas da nossa já velha juventude, era possível, ainda, apostar nas corridas de osgas que ocorriam espontâneas na parede em frente da esplanada desse glorioso, mas modesto, bar desta cidade algarvia.

Sem o REF, Tavira não será mais a mesma.

Para muitos dos que se deslocavam para Tavira e para os seus arredores durante o verão, ele fazia parte do programa inultrapassável das noites estivais.

Não era luxuoso – é certo – mas era confortável na sua prosseguida simplicidade de tempos menos ricos.

Não era demasiado barulhento – salvo para os pobres vizinhos –  e, por isso, consentia conversas amenas, ou apaixonadas, mas sempre prolongadas, pois abrigadas de um vento que, quase nunca, se fazia sentir.

Onde conversar, agora, descansadamente e embalado numa música bem selecionada, apoiado, ainda, no serviço atento, e sempre bem-humorado, das suas proprietárias?

Já que os jornais, e, em geral, os media, nada de importante têm, deveras, para relatar, porque não pedir-lhes que, ao menos, nos ajudem a descobrir outros sítios – outras ilhas de puro prazer – que continuem, tanto quanto possível, os sonhos e entusiasmos de uma juventude penosamente prolongada, mas que se vai diluindo sempre e sempre, mesmo contra a nossa vontade mais firme?