Houve um tempo, de alegado sinónimo de desenvolvimento, em que pelo menos os cidadãos integrados em contextos urbanos tinham acesso a uma vasta gama de acesso a bens e serviços em função das suas possibilidades imediatas e da sua proximidade física aos locais de disponibilização. Poder ter significava ter à mão de semear. É claro que a realidade rural, do Interior do país, sempre foi mais difusa, mais distante e com maiores obstáculos para aceder aos bens e serviços, incluindo os dos serviços públicos da responsabilidade do Estado, que a vertigem negativa da demografia implicou maiores riscos de distanciamento físico dos cidadãos aos pontos de acesso. Hoje há uma perceção de que devem existir mínimos, mas nem sempre há a ação consequente que devia de haver. Hoje, as autarquias locais que se colocam do lado da solução concretizam respostas de proximidade que mitigam as opções de retração do Estado Central em benefício das populações, muitas delas envelhecidas e sem qualquer sintonia com as plataformas digitais.
A pretexto da racionalização, da transição digital e até das circunstâncias da pandemia estão a concretizar-se novas vagas de destruição da proximidade física em contexto urbano que são lesivas da qualidade de vida, da perceção de sentimento de segurança e das dinâmicas das comunidades, que precisam de ser compensadas.
Por exemplo, mais uma onda de despedimentos no setor bancário, a par de novos aumentos pela prestação de serviços cada vez mais digitais, com a intervenção direta dos cidadãos, vai implicar novas reduções das malhas de serviços físicos disponibilizados ou, no mínimo, pior serviço presencial a populações não convertidas às soluções digitais. A verdade é que apesar da miríade de soluções digitais, o tempo da oferta abundante, até excessiva, de possibilidades de acesso a bens e serviços, tal como a da progressão de direitos, parece ter estancado. As disponibilidades físicas e digitais no que é essencial parecem estar em regressão, sendo importante acautelar mínimos em todos os territórios. Acautelados os mínimos para um tempo dito moderno, depois os decisores ou o mercado podem exercitar as suas dinâmicas sem macular o essencial dos interesses dos cidadãos.
O problema é que os modelos de organização do Estado e dos privados, oscilam entre o posicionamento estático e as soluções digitais, sendo que nenhum é solução para uma sociedade com dinâmicas próprias. Há um desfasamento notório na organização e na capacidade de resposta.
Cada um precisa de ter condições de acesso a um bem ou serviço em tempo útil. De que me vale ter a perceção de segurança de ter uma esquadra de polícia no bairro se esta depois não tem nem efetivos nem veículos para a se deslocar às ocorrências ou realizar os patrulhamentos dissuasores que a realidade aconselha. Não seria melhor menos presença física estática e maior presença no território em registo dinâmico sustentado. Mas, o que é válido para esta questão de sempre da segurança, não é aplicável a muitas outras situações em que as condições de acesso aos pontos físicos, numa lógica de proximidade, fazem toda a diferença.
A proximidade física a pontos de acesso a bens e serviços está em risco. É preciso que quem decide tenha noção da realidade para a qual está a decidir, seja na supressão de serviços territoriais, seja na disponibilização de serviços digitais de substituição. E mesmo quando se troca o contacto presencial pela oferta digital ou contacto telefónico é preciso assegurar capacidade de resposta em tempo útil e em condições aceitáveis. Nem tempos excessivos de espera para que lhe atendam o telefone, nem ausência de possibilidade de chegar à fala com alguém, submersos em formulários tipo desfasados da realidade concreta. O País como as pessoas não são todas iguais, nem todos estão confortáveis como o digital, alguns nunca o estarão e nem por isso deixam de ser menos portugueses a merecer a devida atenção.
Outra questão de desfasamento é a do processo de decisão para a concretização de respostas a dinâmicas da sociedade. Fazer, concretizar, é um exercício complexo, desde logo pela existência de teias burocráticas insustentáveis e de padrões destrutivos de inveja e maledicência, aditivados pelas redes sociais, pelo registo de bufaria e pela inconsistência do exercício jornalístico mais comprometido pela espuma do espetáculo do que pela substância.
A pandemia deu expressão a uma evidência: os processos de decisão estão desfasados das necessidades das comunidades e pelas dinâmicas da atualidade. Tudo tem um tempo mais célere do que a decisão e a concretização da resposta ou solução. A alternativa não é nem fingir que não é assim nem encontrar forma de contornar o que existe com um qualquer esquema, amigo ou paralelismo à margem da lei e do seu espírito. A solução é ajustar a lei à realidade, de forma participada, sólida e eficaz, para que se consiga responder em tempo útil, ser escrutinado e responder às pessoas e aos territórios.
A proximidade física está em risco, o critério de salvaguarda tem de ser sempre as pessoas e as especificidades dos territórios nos acessos a bens e serviços. Não o fazer significa aumentar os desfasamentos negativos. É mau para alguns, é mau para todos. O todo é a soma das partes.
NOTAS FINAIS
LIGEIREZA // Os fluxos de decisão como da informação são excessivamente voláteis, com reduzida consistência e com ampla margem para a irresponsabilidade, populismo e facilitismo. A ligeireza com que prossegue a implosão do SEF-Serviço de Estrangeiros e Fronteiras só será compreendida quando se perceber que se descalçou um pilar importante da segurança do país. Será tarde.
SUBTILEZA // Cada vez que há um foco de atenção generalizado é uma oportunidade de ouro para a arbitrariedade de terceiros e um respiro de alívio para os que continuam à margem de qualquer escrutínio consequente a ser o que sempre foram, sem que as investigações judiciais os apanhem. A impunidade resulta das garantias concedidas a uns e da sua ausência em relação à generalidade das pessoas. E, na ausência de vontade própria enformada pela lei, não há pirata informático que faça a cabeça aos ativos do sistema judicial do espetáculo.
TRISTEZA // As suspeitas e as acusações são muito graves. Não são condenações, mas pelo ambiente gerado nos últimos anos e pelo espetáculo dos últimos dias, já há condenado. Não é suposto ser assim no Estado de Direito. Sim, apoiei Luís Filipe Vieira, mas dispenso os julgamentos sumários e os sedentos de posse no que outros construíram ou os que exercitam autoridades morais nas redes sociais e no espaço público como se os seus telhados de vidro não fossem uma existência na memória dos tempos. Sim, só o Sport Lisboa e Benfica releva e são os sócios que decidem.
INCERTEZA // Noutra órbita, se é o pirata que manda, que é o novo DDT, é tempo de tirar a pala e olhar para as outras latitudes e longitudes a salvo das demandas.
Escreve à segunda-feira