1. As ratazanas e os ratos negros são afins, mas não são a mesma coisa. As ratazanas vivem normalmente nos esgotos imundos de onde nem sempre saem. Já os ratos negros (na realidade também são cinzentos) podem ser avistados de dia e vivem em locais mais comuns. Claro que não se exibem muito, a não ser quando se sentem plenamente seguros. Mas, quando a terra treme ou há barulhos, os ratos, tal como as ratazanas, desaparecem. Há ratos e ratazanas em praticamente todo o lado. A longa “convivência” que nós, humanos, temos com eles, leva-nos a constatar que são os primeiros a abandonar os locais de perigo, designadamente navios a irem a pique. Coisas de animais que têm a ver com o instinto básico de sobrevivência. Felizmente que não somos assim. São poucos entre nós os que desaparecem ao primeiro embate, os que deixam alguém para trás, os que fazem de conta que não se lembram, os que dizem que não sabiam ou os que se viram contra o ex-dominante. Bendita espécie que pratica tão altos valores, a quem foi dada inteligência e consciência moral dos seus atos. É essa elevação e coerência que tem sido bonita de apreciar quando se vê que praticamente ninguém do núcleo duro de José Sócrates, de Ricardo Salgado, de Zeinal Bava, de Granadeiro e, agora, de Luís Filipe Vieira lhes virou as costas ou sequer se afastou. Lá estão firmes e hirtos às centenas, ao lado deles. É lindo! E até comovente! Boa gente! Nada a ver com ratazanas ou ratos.
2. Hoje é dia de Debate da Nação no parlamento. É um marco importante em cada ano, do ponto de vista ideológico e do entendimento de cada partido quanto ao diagnóstico da sociedade portuguesa e medidas preconizadas. O estado da nação é fácil de ver: não está nada bem! Está num fanico! O governo está moribundo, mas não pode dar parte de fraco agora. As oposições de direita pedirão uma remodelação e as de esquerda vão lembrar que há promessas para cumprir ainda referentes ao Orçamento deste ano, criando tensão quanto ao do ano que vem. O verdadeiro foco deve ser a pandemia, o seu combate, os seus custos económicos e o esbulho resultante de níveis de corrupção inimagináveis na nossa sociedade. Esses são os dois maiores problemas nacionais. A eles estão associados uma insaciável máquina em que o Estado sustenta públicos e privados. Na sessão será muito falada a bazuca mágica. Possivelmente ninguém dirá que as suas verbas serão em geral devolvidas ao estrangeiro. Isto porque as empresas com capacidade de execução e boa parte da mão de obra serão estrangeiras. Pouco vai haver para os portugueses que dinamizam pequenas e médias empresas. Com o sobrante compram-se uns meios informáticos que muito ajudarão os burocratas e os homens do fisco a não lidar com pessoas e a sacar receita.
3. As listas para as autárquicas de 26 de setembro têm de ser entregues até dia 2 de agosto. Há muitos silêncios, muitas expectativas e haverá certamente muitas promessas que vão ficar por cumprir. Faltam 15 dias para que se entre decisivamente no tempo de campanha e no de acertos de contas, que muitas vezes chegam aos tribunais, nomeadamente nos maiores partidos.
4. Para o PCP as autárquicas deste ano são absolutamente decisivas, depois de ter recuado bastante nas anteriores. Ora, isso exige uma mobilização e propaganda enorme à CDU. A Festa do Avante! é um elemento decisivo nessa estratégia e acontece normalmente no princípio de setembro. Para evitar problemas é bom que a DGS, o governo e o PCP estabeleçam já o quadro de regras mínimas e máximas de segurança, para depois não andarmos a correr atrás do prejuízo. Apesar dos protestos, no ano passado as coisas correram bem dada a capacidade de organização dos comunistas. Desta vez, é natural que haja menos polémica, pois até a Iniciativa Liberal já promove festejos políticos com vinhos e petiscos.
5. Independentemente de razões formais, há greves que são sabotagem ao país. É o caso das da Groundforce. É verdade que há atrasos salariais e um braço de ferro entre a TAP e a companhia de handling (cuja gestão é a principal responsável do descalabro). Mas, no essencial, aqueles funcionários receberam sempre e não tiveram grandes cortes. Agora que se assistia a um relançamento das viagens e da economia, decidem boicotar a recuperação. É falta de compaixão pelos trabalhadores de muitos setores que dependem da aviação. O mesmo se aplica aos funcionários dos transportes públicos que, nesta altura, e depois de terem andado a receber do erário público, aproveitam a pequena retoma para paralisarem. Há que encarar sem contemplações a necessidade de proceder a requisições civis.
6. A candidatura de Nuno Melo à liderança do CDS é altamente provável. Melo reapareceu por cá, marcou terreno na oposição a Chicão e aguarda o pós-autárquicas para decidir em definitivo. Melo não tem nesta altura outra hipótese, a não ser avançar, se quiser manter-se na ribalta política, mesmo que depois recue e faça um acordo que lhe dê visibilidade. Já não tão bom como o que lhe permitiu manter-se em Bruxelas como o eurodeputado lusitano menos produtivo e mais barulhento. Para essa recondução já todos deram no CDS.
7. O tribunal da Guarda decidiu não levar por diante um processo contra o eurodeputado e ex-presidente da câmara da Guarda, Álvaro Amaro, o seu sucessor na edilidade e mais duas funcionárias. O caso arrastou-se três anos e foi resultante de denúncia anónima sem substância, como agora ficou claro. “Não-casos” como este causam dano psicológico, social e político. Afastam gente honesta da vida pública. É preciso realmente grande resiliência para enfrentar certas situações quando se tem funções públicas.
8. Inaugurado há mais de um mês por Fernando Medina, o novo jardim da Praça de Espanha, em Lisboa, continua um estaleiro de obras não frequentável. Em menos de um ano, Medina deitou fora boa parte do capital político que tinha acumulado. Ele é processos judiciais por causa de urbanizações autorizadas pelo seu amigo Manuel Salgado; ele é adjudicações diretas de pacotinhos dados aos vacinados; ele é obras sociais discutíveis; ele é o fornecimento de informações sobre manifestantes a embaixadas estrangeiras; ele é o laxismo para festejos clubísticos com milhares de pessoas em tempo de pandemia. E, no entanto, Medina é ainda o favorito na corrida municipal. Carlos Moedas tem vindo a recuperar imagem, mas é curto. O seu plano para Lisboa é complexo. Comporta uma certa dose de demagogia como a assistência médica aos mais velhos. Os lisboetas precisam de meia dúzia de coisas simples que lhes facilitem a vida, mais do que promessas impraticáveis.
9. Paulo Rangel é das poucas referências brilhantes da nossa política. Não vai ser um vídeo colocado, cobardemente, e anos depois de um momento de fragilidade, numa rede social que o vai impedir de cumprir o seu destino. Pelo contrário. E quantos podem atirar pedras? Quem nunca?
Escreve à quarta-feira