Há dias que nos reconciliam com a vida e com o mais bonito dos desportos que se praticam sobre a Terra. Segunda-feira foi um deles. Espanha e Croácia, França e Suíça deram-nos tudo aquilo que desejamos ver quando predispomos de uma hora e meia da nossa existência (no caso do França-Suíça ultrapassou as duas horas) para assistir ao jogo de 11 homens contra outros 11 pela superioridade num rectângulo de 90 por 120 metros e que os ingleses baptizaram de “association”.
El Gordo, chamam os espanhóis ao bolo do prémio da lotaria do Natal. Bem sei que ainda falta muito tempo para o Natal (mas vão ver que passa num instante) só que esta última segunda-feira foi gorda, mas gorda, gorda como D. Redonda, a personagem de Virgínia de Castro e Almeida. Para quem teve a oportunidade de ver os dois jogos, mesmo pela televisão – como foi o meu caso, já agora – inveja, certamente, quem teve a sorte de ver ao vivo ambos os encontros. Estes oitavos-de-final, ainda com Portugal, trouxeram-me para Espanha e mantiveram-me longe de Sampetersburgo e de Copenhaga e os quartos-de-final empurram-me para Munique. Também nesta vida de espécie de caixeiro viajante, que nos obriga a saltar de cidade para cidade, andamos entre a vida e a morte, à maneira da peça de Arthur Miller, mortes metafóricas, claro está, como foi o caso da da França, talvez a maior favorita deste torneio, que caiu com estrondo desde o alto da Torre Eiffel com os seus 324,15 metros actuais, porque é Verão e os 30 graus que se fazem sentir em Paris mandam obedecer à lei da dilatação dos corpos e a fazem crescer, para aí, mais 14 ou 15 centímetros do que a sua altura oficial.
Paris mergulhou em lágrimas. E a Suíça, com uma saúde mental de ferro, para a qual contribuiu, e muito, aquele rapaz mal-amado pelos adeptos do Benfica, Haris Seferovic (dois excelentes golos de cabeça e um falhanço escandaloso com a baliza francesa ao Deus-dará), suportou o embate tremendo de falhar um penalti, por Ricardo Rodríguez, aos 55 minutos, que daria, na altura, o 2-0, e sofrendo, num ápice, dois golos subitâneos – Benzema (57 e 59m). Convenhamos que é arrasador seja para quem fôr. E, para quem estava de fora, com todos os dados contabilísticos na cabeça, sugestionado pelas estatísticas e pelo simples senso, a ideia generalizada podia resumir-se a uma frase popularucha: já foram! E quando Pogba fez aquela obra de arte do terceiro golo, um pontapé arrepiante, em curva, fazendo a bola entrar no ângulo perfeito, muito ao género do que marcou na final do Mundial da Rússia, ninguém mais acreditou na pobre Suíça. “O tanas!”, diria a Zipriti, outra das personagens de Dona Redonda. Acreditavam os suíços, e de que maneira. “Hop Suisse!” e vamos a isto. À obra de arte de Pogba (75m), seguiu-se mais uma cabeçada valente de Seferovic (81m) e, de repente grogue como um pugilista que tivesse levado um directo nos queixos, a França estonteou-se. De tal forma que abriu um corredor enorme na verticalidade do campo aproveitado por Mario Gravanovic para surgir na entrada da grande-área gaulesa e levar tudo para prolongamento e, depois, para penaltis. Mbapé, o quinto francês a marcar, transformou-se no carrasco da França ao falhar o único dos dez. Em 1982, no Mundial de Espanha, depois de a França ter sido eliminada nos penaltis pela Alemanha, o L’Équipe fez uma primeira página assassina para o jogador que falhou o penalti decisivo, Maxime Bossis, publicando uma foto do jogador devastado, encolhido de cócoras sobre a relva. O título era “J’accuse!”. Nem Zola teria sido tão cruel. Depois do campeão da Europa, o campeão do Mundo saiu do Euro. Mas saiu num jogo que fica para a memória, enquanto Portugal saiu noutro que é para não lembrar.