1. Apesar de uma descida óbvia, a popularidade de António Costa, do Governo e do PS mantêm níveis assinaláveis, ao fim de seis anos de um poder cada vez mais assente na total ocupação do aparelho de Estado e privado. Isto num país onde as duas coisas já são indissociáveis, como se vê em muitas áreas, começando nas consultoras, escritórios de advogados e empresas de construção. Não temos, praticamente, negócios privados de envergadura, sem o Estado. Nem há, em muitos casos, como o da saúde, Estado sem o recurso sistemático a privados, por mais que o Bloco, o PCP e uma área do PS proclamem o contrário e façam boicotes.
No meio disto, é impressionante a tolerância que existe nos média, nos comentadores e nos cidadãos em geral relativamente ao poder. Evidentemente que se pode sempre dizer que a primeira coisa que favorece o Governo é a falta de uma oposição forte e credível. É verdade, mas não chega. De facto, não é preciso mandar fazer estudos aos politólogos, aos sociólogos e às empresas de sondagens para constatar que a governação PS/Costa, com os apoios permanentes ou alternados do Bloco e do PCP, tem gozado de um enorme beneplácito da sociedade.
O que aconteceria a um Governo de Passos, de Rio, de Rangel, de Montenegro ou até do mediático Paulo Portas se acontecessem algumas coisas como as que a seguir se citam, sem preocupações exaustivas e muito menos cronológicas?
Imaginem que se mandavam dados de manifestantes para embaixadas estrangeiras nomeadamente de ditaduras; imaginem que Portugal se abstinha na crítica ao governo húngaro de direita por proibir a temática da homossexualidade a menores de 18 anos; imaginem que em tempo de grave pandemia os comboios andavam à pinha e se multiplicavam as greves castigadoras do povo sem carro; imaginem que faltavam vacinas contra a covid; imaginem que a pandemia custava 17 mil vidas durante um governo de direita; imaginem que, apesar disso, se tinha deixado fazer festejos de futebol com centenas de milhares de pessoas na rua; imaginem que não se sabia ainda como vão ser inoculadas as crianças e que tinham faltado camas e ventiladores, em dado momento; imaginem que se reagia tardíssimo às novas variantes vindas de Inglaterra e da Índia, deixando-as galgar terreno sem profilaxia; imaginem que as doenças oncológicas se tivessem multiplicado por falta de diagnósticos precoces; imaginem que a polícia de estrangeiros espancava até à morte alguém que vinha à procura de trabalho; imaginem que se descobriam as condições em que vivem imigrantes do terceiro mundo explorados em empreendimentos de agricultura intensiva que consomem a nossa água e desertificam gravemente o país; imaginem o que seria uma TAP parada e a custar 5 mil milhões de euros aos contribuintes nacionais e europeus; imaginem que o carro de um ministro atropelava um trabalhador numa autoestrada mal sinalizada (pela Brisa) vindo em excesso de velocidade; imaginem que o ministro que seguia no carro descartava responsabilidades e não ia ninguém representar o governo ao funeral; imaginem que uma deputada e ex-governante (mulher desse tal ministro) ia presidir a um regulador com uma remuneração de 16 mil euros/mês; imaginem que o governo não publicasse a lei de execução orçamental, permitindo que cada ministro gastasse sem regras; imaginem que o ministro de Estado e das Finanças saía de um dia para outro para governador do Banco de Portugal; imaginem que o primeiro-ministro nomeava amigos para negociar em nome do governo; imaginem que esse primeiro-ministro fazia saber que não tinha uma conta bancária que chegasse a 33 mil euros e, por isso, não declarava rendimentos, mas tinha mudado várias vezes de casa; imaginem que o país tivesse o pior crescimento da Europa da União; imaginem que Portugal fosse criticado por Ângela Merkel e fosse posto na lista vermelha de viagens pela Inglaterra e pela Alemanha; imaginem que houvesse subsídios da Segurança Social não pagos um ano e meio depois de terem sido pedidos; imaginem que o litro de gasolina andasse a bater os dois euros (400 escudos); imaginem que se inventava uma raspadinha para os adictos do jogo pagarem a manutenção do património cultural; imaginem que o secretário de Estado da comunicação social era dono de uma empresa da área concorrente da RTP e que a certa altura a passava a pataco a um primo; imaginem que se aprovava uma lei que impõe o politicamente correto nas redes sociais? Será que vivíamos nesta mansidão, se tudo isso fosse da responsabilidade de um governo de centro-direita? Realmente mais vale cair em graça…
2. Rui Rio fixou finalmente um contundente e desafiante objetivo autárquico para se manter na liderança do PSD. Trata-se de arregaçar as mangas e…fazer melhor do que nas últimas eleições, que foram simplesmente as piores de sempre e até levaram à saída de Passos Coelho. É como se Pinto da Costa impusesse como desafio para o F. C. do Porto ficar à frente do Moreirense na primeira liga.
3. Joe Berardo foi ontem detido por suspeita de burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Quem diria? E que rapidez com que a justiça atuou desta vez! Nem parece Portugal! Viva o juiz Carlos Alexandre que dirige um caso começado há sete anos! A detenção ocorreu na sequência de uma operação financeira na qual a Caixa Geral ficou lesada em mil milhões de euros, que os contribuintes já pagaram. O advogado de Berardo também foi detido por envolvimento no caso.
4. No futebol, há que relativizar o resultado de Portugal que caiu frente à Bélgica, a melhor seleção do ranking mundial e pela diferença mínima. Antes, Portugal esteve mal com a Alemanha, mas bateu a Hungria e empatou com a França, campeã do mundo e vice-campeã europeia, a qual foi também eliminada pela insuspeita Suíça nos oitavos de final. O mesmo sucedeu à Croácia, vice-campeã do mundo. À hora de mandar esta crónica jogavam a Alemanha e a Inglaterra, sendo inevitável a saída de uma dessas grandes seleções. Afinal estivemos menos mal do que muitos treinadores/comentadores de TV fizeram crer, exibindo grande hostilidade a Fernando Santos.
5. Numa televisão, há muita vida para além do ecrã. O que vemos na pantalha é produto do trabalho de milhares de pessoas e de muitas famílias profissionais, todas elas essenciais. Cidalisa Guerra foi, ao longo de muitos anos, uma peça da engrenagem da complexa informação da RTP, sem, no entanto, aparecer aos espetadores. Fazia a pesquisa para grandes programas como o “Maria Elisa”. Num tempo de pandemia, escreveu Memórias de uma mulher de televisão, um livro com alma. Conta numa escrita escorreita episódios profissionais e algumas situações pessoais de momentos por vezes muito difíceis. Junta ainda algumas crónicas que escreveu neste jornal.
Escreve à quarta-feira