Biden e Putin definem regras para a softwar


Quatro anos de violência conjugal, seguidos de um quase abandono deixaram a Europa à beira de uma crise de nervos. Biden passou por cá menos de uma semana, em terapia.


A primeira visita presidencial de Biden ao estrangeiro teria de ser à Europa, abandonada por Trump e em contraponto à surreal primeira visita deste à Arábia Saudita. A coreografia foi a possível: 3 dias de G7, com os anexos anglo-saxónicos e a Coreia do Sul, menos de um dia de NATO, ainda menos para a União Europeia, com Biden ladeado por dois presidentes de algo que o cidadão americano não sabe o que é, seguidos de uma tarde com Putin.

O encontro com Putin devolveu-nos à tradição genebrina da guerra fria. Putin, vingador da honra perdida da URSS, agradeceu o cuidado do regresso a um cenário de diálogo de igual para igual entre super-potências (nucleares que é o que sobra à Federação Russa). Na conferência de imprensa no final do G7 Biden já tinha piscado o olho: “maybe some strategic doctrine to be worked out with Putin”. Num quadro de conflitos congelados em benefício de Moscovo (Moldávia, Geórgia, Ucrânia), de desrespeito e abandono de várias convenções internacionais de controlo de armas e de efectivos militares, de laissez faire em matéria de ciber-ataques, há necessidade de um modus vivendi entre EUA e Rússia.

Biden anunciou, com candura, ter fornecido a Putin uma lista de 16 alvos proibidos em matéria de infra-estruturas dos EUA. Estes alvos não deverão ser objecto de ciber-ataques sob pena de represálias. E ilustrou o sinalagma evocando o recente ataque ao oleoduto Colonial que paralisou o sueste dos EUA: o que aconteceria à Rússia se os seus oleodutos e gasodutos fossem objecto de ciber-ataques? Moscovo continua a negar que os ciber-ataques tenham origem no seu território. Infelizmente o código fonte empregue em tais ataques inclui sempre um mecanismo inibidor contra alvos que utilizem formatação de teclados de computador em língua russa. Compreende-se o cuidado de Moscovo com a imputação dos ciber-ataques: à luz do Direito Internacional um Estado é responsável pelos actos praticados no seu território. Se provada a imputação de um ciber-ataque com consequências semelhantes às de um ataque armado (destruição ou paralisação de de infra-estruturas fundamentais) tal permite o recurso à legítima defesa e ao uso da força contra o atacante. Fruto das tropelias russas no Leste da Europa e dos ataques informáticos contra a Estónia, a NATO já reconheceu há vários anos a aplicação da cláusula de legítima defesa colectiva contra ciber-ataques.

Este é o principal resultado público do encontro em Genebra: a softwar passa a ter alguns alvos proibidos nos EUA. É muito menos do que o quadro regulatório da guerra fria mas é um triunfo para Putin, em ano de eleições legislativas.

Nos bastidores continuam as negociações para um dos clássicos das relações entre super-potências: a troca de espiões, de preferência clandestinos. Quer Washington quer Moscovo têm julgado e condenado cidadãos estrangeiros acusados de espionagem. A troca que está a ser negociada implica o reconhecimento da justeza das decisões dos tribunais que condenaram os espiões. Reconhecer como boas as decisões do sistema judicial russo poderá incentivar o crescimento da indústria das falsas acusações de espionagem, uma forma de chantagem tradicional. Uma troca modesta de verdadeiros espiões será um gesto de boa vontade para com o espião russo melhor sucedido.

Putin também viu reconhecida a importância da Rússia em conflitos regionais, desde logo nas guerras civis síria e líbia.

Nada mau para duas horas e meia de reunião.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990