Talvez devido à idade, ao meu temperamento, à minha formação académica e, enfim, a alguma preguiça, sempre reagi, como pude, a tudo que implicasse um demasiado envolvimento com as novas tecnologias informáticas e ao seu uso nos serviços públicos e privados.
Reconheço que gostava do contacto pessoal com os funcionários e das pequenas conversas travadas com eles.
Tal hábito fez-me, porém, perder, ao logo da vida, imenso tempo. Isto, mesmo que eu o não considerasse como tal, pois sempre me suscitaram interesse as conversas que ouvia nas filas de atendimento ou nas cadeiras em que aguardava, mais ou menos pacientemente, a minha vez para tratar do assunto que me tinha levado a recorrer a alguma repartição ou balcão de atendimento.
Não, não há rede social capaz de transmitir melhor os verdadeiros sentimentos e pensamentos das pessoas que se socorrem dos serviços do que a troca de impressões ao vivo e no lugar onde o atendimento é feito, empatado ou, mesmo, negado.
O que se escreve, queiramos ou não, é já o resultado de uma reflexão, mesmo que mínima, e propõe-se, quase sempre, atingir um qualquer resultado exterior predefinido e, não apenas, o desabafo instantâneo e desanimado de quem viu frustrada a sua pretensão.
O comentário pessoal e oral do momento é, quase sempre, muito mais espontâneo e revelador do que as pessoas verdadeiramente pensam, sentem e sofrem.
Dito isto, tenho de reconhecer que a introdução dos métodos e das plataformas digitais para contacto e agendamentos de atos administrativos ou negociais, por mais enfadonho que seja, por vezes, o preenchimento dos seus enigmáticos campos, facilita muito a nossa vida e, creio que, também, a dos funcionários que devem atender e responder às nossas solicitações.
Com a pandemia e o incremento, a proliferação e o aperfeiçoamento destas tecnologias, a relação dos cidadãos com os serviços mudou radicalmente.
A forma como fui contactado para a toma das duas doses da vacina contra o COVID e o rigor dos horários em que elas se processaram deram-me uma primeira ideia do que pode, no futuro, ser a relação cómoda e eficaz entre os prestadores de serviços e os cidadãos que a eles têm direito e deles carecem.
Importa, neste passo, referir-me a esse direito e enfatizar mesmo a sua existência constitucional, até para contrariar a moda neoliberal de nos apresentar os serviços públicos como uma mera regalia que pode, ou não, ser assegurada, de acordo com a orientação política, económica e financeira da maioria parlamentar circunstancial e do governo em funções que dela deriva.
Retornando, porém, à questão de digitalização dos serviços e, sobretudo, à forma mais eficaz como através dela se agendam atos e diligências necessárias ao desenrolar dos contactos com a administração pública ou bancária e seguradora, por exemplo, há que reconhecer que, mesmo perdendo o calor humano da convivência com um sem número de cidadãos, se torna mais cómoda, para todos, a utilização atual de instalações, quase sempre exíguas e, agora, por via das circunstâncias, as mais das vezes, vazias e arejadas.
Tive, recentemente, a estranha sensação de ser atendido numa repartição finanças onde reinava o mais sepulcral silêncio, o que permitia aos funcionários atender mais concentrados e eficientemente, por isso, as poucas pessoas que, para aquela hora, haviam sido convocadas, depois de terem agendado, por via informática, o seu atendimento.
Não sei como vai acontecer no futuro.
Julgo, porém, que virá a ser difícil para todos regressar aos convívios mais ou menos barulhentos e compactos de outros tempos, no seio das instalações incómodas onde se executam todo o tipo de atos necessários à normal vida cívica dos cidadãos e à economia.
Creio, mesmo, que seria bom que a experiência resultante destes tempos de pandemia pudesse ser aproveitada para tornar, doravante – para funcionários e cidadãos -, o serviço mais amigável e, também, mais eficiente.
Não proponho que nos mantenhamos, como agora, todos isolados e ligados apenas por sistemas informáticos, mas que as regras do agendamento racional e eficaz do atendimento possam continuar a ser norma, parece-me, de futuro, indispensável.
Os cidadãos poderão expressar diretamente aos funcionários os seus pontos de vista, as suas reclamações e estes estarão mais atentos a elas e serão, porventura, capazes de as ouvir e compreender melhor, encontrando, seguramente, soluções a que, reconheço, a irritação das anteriores confusões e o ruído dos pequenos comícios que eram ensaiados nas instalações onde decorriam tais atos não predispunham.
Importante é não esquecer os que, pela idade, formação, iliteracia informática e debilidade económica, que os impede de possuir computadores ou telemóveis de última geração, não são, agora, capazes de se acercar dos serviços.
Como aqui já referi, para esses é cada vez mais necessário, a nível das freguesias, criar uma espécie de curador dos cidadãos, que os oriente e concretize os seus contactos e agendamentos: enfim, que continue a ser-lhes permitido exercer os seus direitos, os direitos a que têm direito.
Com tanto desempregado jovem e superiormente escolarizado, não me parece difícil encontrar gente habilitada para isso.