Mais uma ronda de conferências climáticas, mais um aviso de que estamos cada vez mais perto do ponto de não retorno. Desde a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, assinada no Rio de Janeiro há quase trinta anos, que o mundo se compromete em reduzir a emissão dos gases com efeito, sucedendo-se cimeira após cimeira, de Quioto a Paris. Contudo numa altura em que já decorrem as conferências da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, ou UNFCCC, que pretendem preparar a COP26, sediada Glasgow, em novembro, surge o alerta de que um aumento de 1,5 ºC na temperatura do planeta – a primeira linha vermelha dos Acordos de Paris – está mais próximo do que se pensava, segundo a Organização Meteorológica Mundial. “É mais um alerta de que o mundo precisa de acelerar o seu compromisso de cortar emissões de gases com efeito de estufa e alcançar a neutralidade carbónica”, salientou Petteri Taalas, secretário-geral da organização. O problema é como convencer os estados a fazê-lo, após anos de promessas.
No centro do debate na UNFCCC – que decorrerá de 31 de maio até 17 de junho, por zoom, nominalmente sediada em Bona, na Alemanha – estão temas quentes, relacionados com o próprio funcionamento dos Acordos de Paris, sobretudo no que toca ao funcionamento do seu artigo 6, que regula os mercados de carbono, e que está encravado desde a COP25, de 2019, em Madrid – as conferências de 2020 foram canceladas devido à pandemia. Ou seja, a possibilidade de que nações ricas, sem recursos naturais – como grandes extensões de florestas – que possam servir como escoadouros de carbono, para compensar as suas emissões de gases com efeito de estufa, possam investir em financiar projetos para preservar habitats noutros países. Neste momento, tanto as nações que financiam os projetos como aqueles que os recebem podem contabilizá-los na sua pegada carbónica, duplicando a sua suposta ação climática – entre os países mais visados está o Brasil, devido a projetos na floresta Amazónica, o “pulmão do planeta”.
Contudo, continua a haver grandes dúvidas quanto ao que estas conferências contribuem concretamente no combate às alterações climáticas, como é espectável que acordos como o de Paris – baseados em promessas voluntárias, sem mecanismos punitivos para quem entre em incumprimento – alguma vez funcionem.
“Estamos sempre a ser encorajados a pensar que a próxima cimeira climática, conferência ou protesto como o mais importante de todos, aquele que vai fazer o avanço crucial”, queixou-se Marc Hudson, investigador da Universidade de Manchester, co-fundador do Climate Emergency Manchester, num artigo no The Conversation. “Alguns argumentariam que tentar que 197 países concordem em alguma coisa é uma demanda de tolos”, continuou. “O contra-argumento é que se um acordo for conseguido fora do processo da ONU, entre os maiores emissores – a UE, EUA e China – seria visto como ilegítimo”.
A verdade é que se viram alguns avanços positivos, mas que talvez tenham tido menos que ver com negociações internacionais e mais com dinâmicas políticas nacionais – nos EUA, mesmo sem COP nenhuma pelo meio, o Presidente Joe Biden, após vencer as eleições contra Donald Trump, que abandona os Acordos de Paris, não só voltou atrás nessa decisão como prometeu que cortaria nas emissões de gases com efeito de estufa entre 50 a 52% até 2030, duplicando o anterior compromisso americano
Se havia dúvidas quanto à eficácia das negociações, na UNFCCC estas ficaram ainda mais complicadas, devido ao próprio formato de conferência virtual. “Não é ideal de todo”, admitiu Marianne Karlsen, que encabeça um dos comités técnicos da conferência, à France Press. Afinal, trata-se de milhares de representantes de mais de 180 países, que normalmente resolvem os assuntos à porta fechada, em reuniões privadas, mais até do que em público. “Nós queríamos poder ter todas as interações de quando nos reunimos em pessoa, mas não há outra opção”, salientou Karlsen.
Acrescentando que “a ausência de uma COP deixou uma imensa quantidade de trabalho por fazer, se quisermos ter resultados em Glasgow”.
Se os delegados forem bem sucedidos, pode ser o fim do modelo de COP como o conhecemos – e talvez isso nem seja mau, argumentou Leslie Hook, correspondente do Financial Times para o ambiente. “Um alien que olhasse do espaço para uma COP poderia ficar confuso com a visão de 20 mil humanos a encher um um centro de conferências gigante, alguns enfiados em salas de negociações, outros a dar discursos em salões cavernosos, outros a protestar e uma mão cheia a cantar e a dançar”, escreveu Hook, falando de “um grande jamboree”. E notava que o número de delegados, nos últimos anos, insuflou de 4 mil para um pico de 30 mil em 2015, em Paris – todos transportados de avião, em eventos que podem custar mais de 100 milhões aos países anfitriões.