Na estalagem em que estavam instalados, em Carcavelos, com vista para a baía do Tejo, os jogadores do Braga sentiam-se suficientemente otimistas para gozar o sol e a descontração do final da tarde.
Sim-Sim, que era defesa-direito e um dos nomes mais fortes desse Sporting de Braga de 1965/66, a ponto de tomar o comando da equipa, ficava ao paleio com um jornalista, sem pruridos nem desconfianças: “Esta Taça de Portugal é muito desejada pelos bracarenses, sejam eles atletas do clube ou simplesmente adeptos. Se ganharmos, o São João em Braga vai ser mais cedo e incomparavelmente mais animado do que nos anos anteriores”. Não faltava assim tanto. Estávamos num sábado, no dia 21 de maio de 1966. No dia seguinte, no amplo Vale do Jamor, o lugar feliz onde se encerra, ou encerravam, as épocas do futebol em Portugal, iria encher-se de bandeiras vermelhas do Braga e verde e brancas do Vitória de Setúbal.
A festa da Taça não se parece com nenhuma outra. Pode ter perdido a patina com o tempo, mas é sempre um momento que ninguém quer perder. Canário tinha o futebol no sangue. Era filho de Canário, o Canário do Sporting, que jogou no tempo dos Violinos. Também ele estava pleno de confiança e de vontade: “Vai ser a primeira final a sério que disputo. Já disputei três finais de nacionais de juniores, mas isso não é nada comparado com o que estamos a viver. Um momento fantástico das nossas vidas”.
Tarefa complicada. Foi cheio de escolhos, o caminho dos bracarenses até à final do Jamor: 5-2 à Oliveirense, da II Divisão; 3-2 ao Atlético, também na segunda; 3-0 e 3-2 ao Lusitânia dos Açores, dos regionais; 4-1 e 1-3 nos quartos-de-final com o Benfica; 1-1 e 1-1 com o Sporting nas meias-finais, resolvendo-se o assunto com um jogo de desempate que os bracarenses venceram por 1-0. Absolutamente histórico! Nunca o Braga estivera no Jamor engalanado, Presidente da República, Almirante Américo Rodrigues Thomaz de seu nome, e tudo.
Havia um sapo gigantesco para engolir nessa tarde de todas as tardes para os bracarenses: o Sporting do Minho acabaria em 10.º lugar no Campeonato Nacional, nada que desprestigiasse o nome do clube, mas na visita a casa do quinto, o Vitória de Setúbal, saíra do Bonfim com uma escovadela das antigas, nada menos de 1-8. Ao logo do estágio em Carcavelos, os de Braga fugiam ao assunto. Mas a verdade é que ele continuava presente incomodando com o ruído de uma varejeira.
Miguel Angel Perrichon Segóvia, que todos conheciam simplesmente por Perrichon, nascido em Córdoba, Argentina, o grande goleador do Braga nessa edição da Taça e que viera no início do ano do Boavista, sentia-se nas nuvens: “Espero sinceramente reverter o resultado de Setúbal. Foi um deslize. Tanto assim que, em Braga, ganhámos por 3-2. Sabemos que eles têm um equipa fortíssima, mas estamos todos focados no jogo de amanhã. O que passou, passou”.
Entretanto, a direção do clube, prometera um prémio chorudo pela vitória na final: 5 contos para cada jogador.
Do lado contrário, quem assumiu o discurso foi Jaime Graça, o capitão de equipa que, um mês mais tarde, tendo assinado entretanto pelo Benfica, faria figura de craque indiscutível no Campeonato do Mundo de Inglaterra: “Se há algo que não fazemos, podem ter a certeza, é desprezar o valor dos bracarenses. Sou absolutamente sincero ao dizer que a vitória por 8-1 que lhes aplicámos no Bonfim não fará parte deste jogo. Já nós a esquecemos e eles também. E não se esqueçam vocês de que eles, até aqui chegarem, eliminaram o Benfica e o Sporting. E isso tem um valor tremendo”.
Equilíbrio. O trajeto do Setúbal até ao Estádio nacional fora ligeiramente mais fácil: Famalicão, da II Divisão (3-0); União de Lamas, da II Divisão (3-0); isento dos oitavos-de-final; Marítimo, dos regionais madeirenses (3-0; 3-1); e Beira-Mar (I Divisão (3-0; 3-0).
Não havia forma de não considerar o Vitória como favorito – fora o último vencedor da competição (bateu o Benfica por 3-1, na final) e, curiosamente, venceria a prova seguinte (vitória sobre a Académica (3-2). Mais ainda, se quiserem – cumpriu um percurso de quatro finais consecutivas da Taça (1964-65, 1965-66, 1966-67 e 1967-68) e já tinha estado como presente derrotado em 1953-54 e 1961-62. De pouco serviu tal favoritismo. Aos 77 minutos, Perrichon, que lá para o norte tratavam com sotaque por Perrichão, isolou-se e bateu o guarda-redes Mourinho Félix. 1-0 definitivo.
Em redor do estádio, o barulho ensurdecia à custa de zés-pereiras e ferrinhos vindos do Minho. 35 mil espetadores pagantes tinham fornecido algo como 425 contos de receita.
Rui Sim-Sim, que assumia igualmente o cargo de secretário-técnico do Braga, despedia-se: “Acho que cumpri a minha obrigação profissional para com o Braga, ganhámos algo que não acreditávamos ao princípio, construímos uma equipa forte e unida. Agora já tenho o pé no estribo para regressar à Venezuela”. Foi preciso que decorressem 50 anos para que o Braga voltasse a ganhar a Taça (2016). Agora esperamos para ver como vai ser… Já no domingo.