Falar mal da justiça, sobretudo quando não se tem ideias para solucionar os problemas do país


Ante a incapacidade de lidar com os reais problemas do país, os políticos sem ideias e, sobretudo, os políticos sem ideais viram os seus discursos para a Justiça e para os seus defeitos.


Não é novidade, mas, mais uma vez, ante a incapacidade de lidar com os reais problemas do país –  por exemplo, o déficit educativo dos portugueses e a influência que ele tem na modernização da economia, a má distribuição da riqueza e a consequente desigualdade e  crescente empobrecimento de muitos estratos populacionais, a má gestão administrativa e a crescente dependência da máquina do Estado da iniciativa privada e dos interesses por ela veiculados e impostos às finanças públicas – os políticos sem ideias e, sobretudo, os políticos sem ideais viraram os seus discursos para a Justiça e para os seus defeitos.

É fácil e rende sempre.

Claro que os problemas da Justiça existem, são muitos e evidentes.

Se olharmos, todavia, para as estatísticas da CEPEJ, a comissão europeia do Conselho da Europa que regularmente analisa e avalia a eficiência da justiça dos países europeus a partir das estatísticas reais e não das meras impressões mediáticas, veremos que a Justiça portuguesa nem sequer está muito mal colocada em relação à Justiças de outros países da Europa ocidental.

Existem, contudo, problemas graves e inegáveis de velocidade na Justiça Administrativa, existem problemas no processamento da Justiça Cível, existem problemas de efetividade na Justiça de Menores e Família, mas, por acaso, na Justiça Penal – sempre a mais visível e polémica – a Justiça portuguesa tem, na generalidade, um bom desempenho relativo.

Sobram, claro, como maus exemplos, os bloqueios gerados pelos megaprocessos que, em regra, dizem respeito a figuras mediáticas e que, por isso, concitam uma maior atenção e a crítica dos cidadãos.

Por causa de tais processos, muito se fala, portanto, da Justiça.

Falam políticos, alguns que nunca aceitaram bem decisões judiciais que lhes foram desfavoráveis; falam opinadores sempre iluminados que, da Justiça, verdadeiramente nada sabem; falam jornalistas que fazem, ainda agora, sobre ela, grandes confusões; falam os cidadãos que os ouvem a todos e que têm uma prima que lhes disse que, um dia, a Justiça a maltratou; falam os taxistas que sabem falar de tudo;  falam advogados e magistrados, sempre ciosos dos seus pergaminhos; falam, até, académicos que nunca propuseram uma ação e jamais entraram num tribunal.

Falamos todos, enfim.

Falamos todos, mas, de útil, pouco dizemos: lamentamo-nos mais, isso sim.

Alguns querem, inclusive, comparar o incomparável, arvorando como padrão desejável a mítica Justiça do Estado Novo, que era rápida e eficiente, sem dúvida, pelo menos no despacho dos processos dos pequenos, tanto mais que, por razões várias e mecanismos mais ou menos institucionais, os grandes quase nunca se submetiam a ela.

Recorde-se, a esse propósito, que, nessa altura, para julgar por qualquer crime alguém vinculado à máquina do Estado era necessária uma autorização do Governo; era a muito eficaz «garantia administrativa».

Mas, deixemos de lado esses comentários patéticos.

Na verdade, há problemas de fundo com a Justiça portuguesa da Democracia, que deviam ser urgente e seriamente analisados para se poderem encontrar, depois, as soluções mais eficazes para os debelar.

Os principais e mais identificados problemas estão relacionados com os complexos e formalistas códigos de processo que os tribunais têm, impreterivelmente, de respeitar e que, em muitos casos, justificam os atrasos e, sobretudo, a dificuldade de se chegar a uma decisão de fundo sobre a questão principal que se quer julgar.

Tais códigos são, todavia, o reflexo de uma cultura antiga de desconfiança no poder dos juízes.

Recordo, a propósito, o espanto de um juiz alemão, que convidei, faz anos, para participar numa avaliação da justiça portuguesa, quando se deparou com a lista de nulidades absolutas contempladas em determinado código de processo português.

Referiu, então, o dito juiz que, com tal lista de nulidades irremediáveis, jamais um processo, social ou politicamente importante, conseguiria chegar ao fim no seu país.

Na Alemanha, disse ele, competia ao juiz avaliar em concreto, e em função da gravidade da falta, em que medida a irregularidade processual invocada atingia ou não os direitos e interesses da parte supostamente afetada por ela.

Respondeu-lhe um experimentado procurador espanhol que, em países com a nossa cultura, tal seria impossível, pois os nossos códigos de processo regulam, sobretudo, a desconfiança no poder – no caso, no juiz – o que, como sabemos, para o bem e para o mal, não acontece na Alemanha.

Tal desconfiança é, contudo, uma realidade cultural nossa, com que temos de viver e da qual, como se depreende das críticas e comentários de tão ilustres e ilustrados especialistas, não nos iremos libertar tão cedo.

Tais comentários, mesmo quando meramente impressivos, são sempre socialmente impressionantes e, por isso, muito contribuem, também, para o avolumar da referida desconfiança.

A cultura da desconfiança sobre os poderes do Estado e, no que respeita à Justiça, sobre os poderes dos juízes, impede, com efeito, que se possam agilizar os códigos de processo, tornando as decisões mais rápidas e, sobretudo, mais centradas nas questões de fundo que originaram as causas levadas ao tribunal.

Há, por conseguinte e antes do mais, uma questão cultural – e política – que enforma e deforma os mecanismos processuais portugueses e os impede de facilitar e proporcionar aos cidadãos uma Justiça mais rápida e efetiva.

Tal questão – a generalizada desconfiança no poder – tem reflexos posteriores na conceção e organização das magistraturas, na formação dos magistrados, no relacionamento que se estabelece entre eles e a advocacia e, como se comprova pelo teor dos corrosivos comentários que sobre a Justiça são feitos, na relação entre esta e os restantes poderes que coexistem na sociedade portuguesa.

Sobre eles, falaremos noutra ocasião.


Falar mal da justiça, sobretudo quando não se tem ideias para solucionar os problemas do país


Ante a incapacidade de lidar com os reais problemas do país, os políticos sem ideias e, sobretudo, os políticos sem ideais viram os seus discursos para a Justiça e para os seus defeitos.


Não é novidade, mas, mais uma vez, ante a incapacidade de lidar com os reais problemas do país –  por exemplo, o déficit educativo dos portugueses e a influência que ele tem na modernização da economia, a má distribuição da riqueza e a consequente desigualdade e  crescente empobrecimento de muitos estratos populacionais, a má gestão administrativa e a crescente dependência da máquina do Estado da iniciativa privada e dos interesses por ela veiculados e impostos às finanças públicas – os políticos sem ideias e, sobretudo, os políticos sem ideais viraram os seus discursos para a Justiça e para os seus defeitos.

É fácil e rende sempre.

Claro que os problemas da Justiça existem, são muitos e evidentes.

Se olharmos, todavia, para as estatísticas da CEPEJ, a comissão europeia do Conselho da Europa que regularmente analisa e avalia a eficiência da justiça dos países europeus a partir das estatísticas reais e não das meras impressões mediáticas, veremos que a Justiça portuguesa nem sequer está muito mal colocada em relação à Justiças de outros países da Europa ocidental.

Existem, contudo, problemas graves e inegáveis de velocidade na Justiça Administrativa, existem problemas no processamento da Justiça Cível, existem problemas de efetividade na Justiça de Menores e Família, mas, por acaso, na Justiça Penal – sempre a mais visível e polémica – a Justiça portuguesa tem, na generalidade, um bom desempenho relativo.

Sobram, claro, como maus exemplos, os bloqueios gerados pelos megaprocessos que, em regra, dizem respeito a figuras mediáticas e que, por isso, concitam uma maior atenção e a crítica dos cidadãos.

Por causa de tais processos, muito se fala, portanto, da Justiça.

Falam políticos, alguns que nunca aceitaram bem decisões judiciais que lhes foram desfavoráveis; falam opinadores sempre iluminados que, da Justiça, verdadeiramente nada sabem; falam jornalistas que fazem, ainda agora, sobre ela, grandes confusões; falam os cidadãos que os ouvem a todos e que têm uma prima que lhes disse que, um dia, a Justiça a maltratou; falam os taxistas que sabem falar de tudo;  falam advogados e magistrados, sempre ciosos dos seus pergaminhos; falam, até, académicos que nunca propuseram uma ação e jamais entraram num tribunal.

Falamos todos, enfim.

Falamos todos, mas, de útil, pouco dizemos: lamentamo-nos mais, isso sim.

Alguns querem, inclusive, comparar o incomparável, arvorando como padrão desejável a mítica Justiça do Estado Novo, que era rápida e eficiente, sem dúvida, pelo menos no despacho dos processos dos pequenos, tanto mais que, por razões várias e mecanismos mais ou menos institucionais, os grandes quase nunca se submetiam a ela.

Recorde-se, a esse propósito, que, nessa altura, para julgar por qualquer crime alguém vinculado à máquina do Estado era necessária uma autorização do Governo; era a muito eficaz «garantia administrativa».

Mas, deixemos de lado esses comentários patéticos.

Na verdade, há problemas de fundo com a Justiça portuguesa da Democracia, que deviam ser urgente e seriamente analisados para se poderem encontrar, depois, as soluções mais eficazes para os debelar.

Os principais e mais identificados problemas estão relacionados com os complexos e formalistas códigos de processo que os tribunais têm, impreterivelmente, de respeitar e que, em muitos casos, justificam os atrasos e, sobretudo, a dificuldade de se chegar a uma decisão de fundo sobre a questão principal que se quer julgar.

Tais códigos são, todavia, o reflexo de uma cultura antiga de desconfiança no poder dos juízes.

Recordo, a propósito, o espanto de um juiz alemão, que convidei, faz anos, para participar numa avaliação da justiça portuguesa, quando se deparou com a lista de nulidades absolutas contempladas em determinado código de processo português.

Referiu, então, o dito juiz que, com tal lista de nulidades irremediáveis, jamais um processo, social ou politicamente importante, conseguiria chegar ao fim no seu país.

Na Alemanha, disse ele, competia ao juiz avaliar em concreto, e em função da gravidade da falta, em que medida a irregularidade processual invocada atingia ou não os direitos e interesses da parte supostamente afetada por ela.

Respondeu-lhe um experimentado procurador espanhol que, em países com a nossa cultura, tal seria impossível, pois os nossos códigos de processo regulam, sobretudo, a desconfiança no poder – no caso, no juiz – o que, como sabemos, para o bem e para o mal, não acontece na Alemanha.

Tal desconfiança é, contudo, uma realidade cultural nossa, com que temos de viver e da qual, como se depreende das críticas e comentários de tão ilustres e ilustrados especialistas, não nos iremos libertar tão cedo.

Tais comentários, mesmo quando meramente impressivos, são sempre socialmente impressionantes e, por isso, muito contribuem, também, para o avolumar da referida desconfiança.

A cultura da desconfiança sobre os poderes do Estado e, no que respeita à Justiça, sobre os poderes dos juízes, impede, com efeito, que se possam agilizar os códigos de processo, tornando as decisões mais rápidas e, sobretudo, mais centradas nas questões de fundo que originaram as causas levadas ao tribunal.

Há, por conseguinte e antes do mais, uma questão cultural – e política – que enforma e deforma os mecanismos processuais portugueses e os impede de facilitar e proporcionar aos cidadãos uma Justiça mais rápida e efetiva.

Tal questão – a generalizada desconfiança no poder – tem reflexos posteriores na conceção e organização das magistraturas, na formação dos magistrados, no relacionamento que se estabelece entre eles e a advocacia e, como se comprova pelo teor dos corrosivos comentários que sobre a Justiça são feitos, na relação entre esta e os restantes poderes que coexistem na sociedade portuguesa.

Sobre eles, falaremos noutra ocasião.