Ser do Chega por omissão


Portugal foi, é e continuará a ser um país de emigrantes. Não quereríamos que nenhum português estivesse sujeito às condições em que são acolhidos os trabalhadores agrícolas em Portugal.


É uma evidência que há um país quase invisível e uma multidão de invisíveis, sem voz, mediatismo ou relevância para constarem dos cardápios de prioridades dos decisores, dos centralismos ou de outros poderes da sociedade portuguesa. Hoje são os trabalhadores agrícolas da Costa Vicentina, mas poderiam ser os de outras latitudes arregimentados em condições similares para fazerem o que não queremos fazer, acantonados em espaços insalubres pela densidade e pelas vivências e configurados numa convergência de ganâncias que transforma a realidade, ainda assim, em algo mais proveitoso do que as oportunidades existentes nos locais de proveniência.

Hoje são estes os fustigados, em nome da saúde pública, e os que são penalizados pelas medidas, mas poderia ser o Interior que teima em não ser valorizado como oportunidade, além da sina de fardo; quem está em situação de pobreza estrutural, com especial preocupação para a infantil, em que se perpetuam as vivências ou quem não tem nem oportunidades nem apoios do Estado para superar a letargia da indigência da sobrevivência desprovida de perspetivas.

A pandemia destapou a realidade visível há muito para quem está no terreno, imersos numa tensão entre as comunidades residentes e os vindouros para as jornas, na esperança de um futuro melhor, em linha com as sortes dos portugueses em França, na Alemanha ou noutras longitudes além Atlântico.

A pandemia e as medidas de mitigação adotadas reforçam o estigma, evidenciam a usura e adensam a tensão, radicada na diferença, nos desequilíbrios e na rutura de hábitos e dinâmicas locais emergente há vários anos perante a indiferença dos decisores centrais e dos media. Quantas vezes os poderes locais não alertaram sobre a insuficiência de recursos para acorrer à grandeza da empreitada da integração condigna e ao reforço da coesão social.

Portugal foi, é e continuará a ser um país de emigrantes. Não quereríamos que nenhum português emigrado estivesse sujeito às condições em que são acolhidos os trabalhadores agrícolas em Portugal, porque o que está em causa é o básico da dignidade humana.

A geometria variável do sobressalto nacional convive bem com as realidades que persistem nas órbitas marginais das negociações orçamentais focadas nos nichos eleitorais dos vários partidos (são ditames da sobrevivência política), no aconchego do acervo eleitoral da Função Pública (são muitos votos) ou no afago a agendas fraturantes (são muitos anos à espera de agradar a minorias). Cada vez que se afagam umbigos, se alimentam interesses parcelares ou se olha pelo espelho retrovisor para querelas de revisões da história à luz dos olhos de hoje, há alguém que fica para atrás. Quando se congeminam as opções políticas e orçamentais, o país dos invisíveis não está à mesa da negociação, não conta, não releva para as propostas e as contrapropostas. Só têm acesso à atenção e à ação se gerarem sobressalto geral, por excesso, gravidade ou intensidade, com honras de cobertura pela imprensa. Foi assim com os incêndios, descobriu-se que havia um país desertificado de gente, pejado de eucaliptos e de terras por amanhar. É assim com tantas realidades que ganham relevância quando são um fartar de vilanagem, uma incompetência gritante ou um oportunismo acima da média da tolerância nacional, em linha com os alegados brandos costumes.

De vez em quando, o País sobressalta-se, comove-se e descobre realidades que desconhecia ou ignorava. De quando em vez, surpreende-se, não por falta de aviso, mas porque a ocasião, que também faz o ladrão, não deixou alternativas de desenvolvimento local para superar a falta de coesão territorial. O problema é que a alternativa que pretendem disponibilizar à agricultura intensiva, às estufas da Costa Vicentina ou às investidas dos PAN’s e afins contra o Mundo Rural é o que tiveram durante o tempo da ditadura e parte da vivência democrática: pouca ou quase nenhuma atenção, pouco ou quase nenhum investimento, diminutas oportunidades e perspetivas de valorização das pessoas e dos territórios.

Bem vistas as coisas, é este tipo de omissões que alimenta os desequilíbrios, as injustiças e medra um ambiente favorável aos populismos, aos oportunismos e, noutras paragens, a fenómenos de adesão ao terrorismo ou aos radicalismos. São as omissões geradoras da miséria, da falta de perspetivas e de mínimos de respeito pela dignidade humana que geram oportunismos e oportunistas.

Há anos que Odemira, o maior concelho do país em área, acolheu um contingente multicultural de trabalhadores agrícolas, muitos deles temporários e precários, sem que houvesse a adequada atenção do país à situação, geradora de tensões, distorções e oportunismos.

A solução não é estigmatizar, radicalizar as respostas ou ter espasmos de circunstância para que despois de superada a emergência tudo fique igual, como acontece em tantas situações, depois de desligados os holofotes mediáticos. A solução é ter presentes estas realidades e outras que estão fora das preocupações dos corredores do poder, das negociações orçamentais, das opções de financiamentos comunitários e das agendas dos media. Fazê-lo com equilíbrio, sentido de coesão social e territorial, de forma consequente e sem mutações em função dos governos ou das circunstâncias, é um imperativo de humanismo, de desenvolvimento e de coesão das comunidades. Não fazê-lo poderá significar, pelo que se gera de circunstâncias para quem recebemos do exterior, ser do Chega por omissão. Quem decide precisa de conhecer o país e agir em conformidade, sem gerar margens para aproveitamentos populistas e oportunistas. Aos Democratas exige-se mais.

NOTAS FINAIS

NÃO HÁ MACHADO QUE CORTE // A turba de tabeliões da Esquerda que se levantou contra a participação do Sérgio Sousa Pinto numa conferência com perspetivas diferentes, à Direita, é a mesma que a cada semana gera uma oportunidade de aproveitamento político para esse espectro. Pouco aproveitados. Quem está verdadeiramente a normalizar e muito é o Presidente da República que alguns deles elegeram. Vejam o que se passa nos Açores e na Madeira.

O ALGODÃO NÃO ENGANA // Quando se está no Governo, a tentação é desvalorizar as eleições autárquicas. De algumas opções do PS para as autarquias da área metropolitana de Lisboa lideradas pelo PCP, perpassa a ideia insuficiente aposta para ganhar, preservando a manutenção das dinâmicas de poder comunista e a negociação do Orçamento de Estado. Perder mais autarquias significaria, entre outras coisas, a impossibilidade de colocar e rodar quadros.

 

Escreve à segunda-feira