Quem Cabrita tem, problemas mantém


Eduardo Cabrita é um caso cheio de casos que tem mais de arruaceiro político do que de polícia.


1. A relação política entre António Costa e Eduardo Cabrita é tão longa quanto incompreensível. Costa teve-o como secretário de Estado quando era ministro. Foi depois buscá-lo, já enquanto chefe do Governo, para ministro-adjunto. Nomeou-o um dia para a Administração Interna. Enfiou-o lá a martelo, ao ser obrigado a chutar a traumatizada Urbano de Sousa. Cabrita tem tudo o que um ministro da Administração Interna não deve ter. Onde é preciso calma, ferve em pouca água. Onde é preciso ponderação, ignora a lei. Onde é preciso estudo, decide sem análise. Tem mais de arruaceiro político do que propriamente de polícia. A criatura é um caso cheio de casos. São compras estranhas, negócios determinados por adjuntos arrivistas do partido, roubos de pistolas, assassinatos de emigrantes no aeroporto, um chefe da polícia a ir falar com Marcelo sem lhe dar cavaco. Há polícias a mais onde não fazem falta e não há onde a população está indefesa. As polícias municipais são ricas e rebocam carros. Já as forças do Cabrita andam em carros e jipes a cair de podre. Tudo isto sem que se sinta que Cabrita, ao menos, tem realmente respeito pelos seus subordinados ou que estes o apreciem. Funciona com base numa rudeza política boçal, que os média amplificam alegremente dada a sua personalidade caricata. A infinita paciência e a cobertura que Costa dá a Cabrita é estranha. De forma inédita, Costa chegou a ter no Governo a mulher de Cabrita, a inenarrável e também truculenta Ana Paulo Vitorino. Foi possivelmente a ministra que mais chefes de gabinete, adjuntos e secretárias despachou no tempo da democracia. Costa até ignorou as desautorizações óbvias que Marcelo já fez ao ministro. Um dia mais tarde haveremos de perceber as causas de certas ligações, que vão para além da lógica política. As amizades de Costa não são muitas, como se sabe. Mas há algumas muito intrigantes, como a de Lacerda Machado, objetivamente um lobista. A saga Cabrita tem tudo para durar. Se não fosse numa área tão sensível, a criatura deveria ser mantida. Até ajudava Ricardo Araújo Pereira a não se cansar à procura de figuras caricatas, embora existam no governo vários outros cromos como a parelha Matos Fernandes/Galamba. Marques Mendes tem razão quando diz que há muita gente a esconder-se atrás de Cabrita. Palavras sábias quando se vê o desgoverno em que andamos.

2. A cimeira europeia do Porto trouxe-nos o momento Pinóquio de António Costa da semana. Foi quando apresentou o encerramento da GALP em Matosinhos como um exemplo português de luta pela diminuição de emissões. Falso! O encerramento foi decidido em 2005, com previsão de ocorrer em 2010. Tudo com base num relatório feito por Murteira Nabo. Estamos, portanto, numa lógica de empresa a adaptar-se, agora, a condições de mercado e não propriamente perante uma iniciativa governamental de política climática. Não havia necessidade de manipular dados perante os seus pares europeus, Dr. Costa.

3. Há uma coisa sobre a qual Rui Rio fala bem: a justiça. É o único que não anda com a treta “à justiça o que é da justiça”. A sua linguagem é clara. A justiça é feita de leis. As leis são feitas por políticos. Os políticos fazem o que querem do ordenamento. O ordenamento é confuso e há que o simplificar. Rio tem a lógica da razão simples. Os exemplos que aponta são demolidores. A justiça não muda através de pactos mais ou menos corporativos, como o que foi estabelecido há anos e não deu em nada. A única via é um poder político forte, competente e determinado a mexer profundamente em tudo o que seja necessário, começando nas polícias e acabando no Tribunal Administrativo. O melhor ministro da Justiça seria provavelmente alguém formado noutra área, menos teorética e mais assente na realidade dos cidadãos. Esperemos que Rio não se esqueça disso, se um dia chegar a primeiro-ministro. Para conversa fiada e atos falhados já basta assim e não faltam vedetas. A última em cartaz na área social-democrata chama-se Poiares Maduro. Como governante foi uma nulidade que deixou rasto. O problema é que a criatura está a ser projetada para voltar no futuro. Ele é televisões, ele é crónicas de jornal, ele é palpites de bola. Uma espécie de António Vitorino dos pobres! Não há festa, nem festança…

4. A sentença condenatória dos polícias criminosos do SEF é correta. Só não foi maior porque aparentemente a intenção não era matar. Era só torturar. Uma bestialidade pelos vistos não inédita naquelas bandas. Resta ver o que resulta dos inevitáveis recursos, esperando que o tempo não amoleça a sentença. Há, entretanto, alguém que merece louvor pela coragem de denunciar: o médico legista. Era, por sinal, um brasileiro naturalizado, entretanto dispensado do Instituto de Medicina Legal.

5. No momento de enviar esta crónica, faltava o jogo Sporting-Boavista que poderia dar o título de campeão aos leões. Se não foi ontem, ainda vai acontecer! Esperemos que sem demasiados excessos nos festejos. Tudo enquadrado por uma atuação policial eficaz e controlada (o que é difícil). Há que dar os parabéns à atual direção e ao treinador Ruben Amorim, que está ao nível dos melhores. Mas seria injusto não recordar alguns dos que, corajosamente, pegaram no clube depois do terror “brunista”. Artur Torres Pereira, Sousa Cintra, Luís Marques e Henrique Monteiro foram alguns, entre outros. São os pais fundadores de um renascimento sportinguista.

6. Santana Lopes vai à luta na Figueira da Foz como independente. A isso o leva uma reflexão e sobretudo a emoção, que é coisa que ele sempre transportou para a política. Depois disto, é praticamente impossível pensar num seu regresso ao PPD/PSD, desde logo porque vai concorrer contra um candidato oficial do partido. É mau para os dois lados. A história está cheia de divorciados que voltam casar-se entre si e conseguem recuperar a felicidade.

7. À data de ontem, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ainda não tinha colocado no portal o relatório e contas referente a 2020, apesar de elas já terem sido comunicadas ao governo. É mais uma coisa estranha naquela organização enorme e que, além de apoiar os desvalidos da vida, funciona como centro de acolhimento para tachistas da situação. Recentemente, a revista Sábado trouxe um extenso trabalho sobre a promiscuidade familiar na SCML. É impressionante! Chamava-se a “A grande santa família”. Mostrava uma teia gigantesca. Ainda assim pecava por defeito. Há lá de tudo, manos e ex-maridos de ilustres dirigentes do PS e figuras que mantêm relacionamentos com quem manda na instituição. É verdade que a SCML nunca foi verdadeiramente isenta de pecado. Mas, agora, fica-se com a sensação de que não há limites. Há matéria de sobra para levar ao parlamento, para que depois não digam que foram todos apanhados de surpresa, como sucedeu com os migrantes de Odemira, que parecem ter caído do céu.

Escreve à quarta-feira