“Divórcio grisalho”. Quando o casamento acaba depois dos 50 anos

“Divórcio grisalho”. Quando o casamento acaba depois dos 50 anos


Entre 2011 e 2019, ocorreram mais divórcios entre casais com idades compreendidas entre os 50 e os 75 ou mais anos. O psicólogo Fernando Mesquita explica que, “nesta fase de transição, as pessoas questionam se são felizes”.


A separação de casais entre os 50 e os 75 ou mais anos aumentou, em Portugal, entre 2011 e 2019. Em inglês, a rutura nestas idades é designada pela expressão grey divorce, que pode ser traduzida por divórcio grisalho.

O termo que diz respeito à tendência demográfica de uma taxa crescente de divórcio entre os casais mais velhos em casamentos de longa duração surgiu em 2004, quando a American Association of Retired Persons, que se dedica ao estudo de pessoas com 50 ou mais anos, levou a cabo o estudo “The Divorce Experience: A Study of Divorce at Midlife and Beyond”.

À época, concluiu-se que 66% das inquiridas tinham iniciado o divórcio, contra 41% dos homens. 73% dos participantes divorciaram-se entre os 40 e os 49 anos, 22% entre os 50 e os 59 e 4% com 60 anos ou mais.

Desde a década de 90 do século XX, a taxa de divórcios entre adultos com 50 ou mais anos – igualmente apelidada de silver splitter (separação prateada) ou diamond divorcees (divorciados diamante) – tem vindo a aumentar nos EUA. De acordo com dados do ano passado, do Pew Research Center – think thank especializado em questões sociais, opinião pública e tendências demográficas – tem triplicado nos idosos com 65 ou mais anos.

“É uma fase de transição para muitos casais. Durante um determinado período, estiveram focados a cuidar dos filhos e da própria relação com os mesmos, e esqueceram-se de olhar para eles enquanto casal”, começa por explicar o psicólogo clínico e terapeuta sexual Fernando Mesquita.

Na ótica do profissional, com 20 anos de experiência, estas pessoas “ficam com ‘o ninho vazio’, espaço para refletir, e tal leva a que algumas tomem a decisão de se afastar”. O_terapeuta acrescenta que “é por volta desta idade que as pessoas fazem um balanço da sua vida e daquilo que esperam que seja os próximos anos”.

“Questionam se a relação esta sólida e se são felizes. Isto leva a que haja um atrito entre os membros do casal, acabando por ser uma fase de incertezas para algumas pessoas”, diz o autor das obras SOS Manipuladores, Aprender a A.M.A.R. e Deuses Caídos. Enquanto há quem relativize a situação, também existe o reverso da medalha, pois “as pessoas viram-se mais para si mesmas, há mais introspeção”.

 

Divórcios mais prevalentes entre os 50 e os 54 anos

Em Portugal, o divórcio grisalho também tem vindo a aumentar. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), são os homens com idades compreendidas entre os 50 e os 54 anos que mais se separam – 3018 em 2011 e 3037 em 2019, mas também o número é mais elevado nesta faixa etária para o género feminino – 2365 em 2011 e 2758 em 2019.

De acordo com o artigo “Grey Divorce: Its Reasons & Its Implications”, de 2019, da revista Forbes, a infidelidade é um dos principais motivos na origem deste fenómeno. “É complicado generalizar, mas ouvimos falar muito da crise dos 50, principalmente, nos homens, pois, nos casais heterossexuais, nessa fase as parceiras queixam-se muito da falta de fidelidade dos maridos”, salienta o psicólogo.

“Olhamos para nós e vemos que ainda temos anos de vida e percebemos que, se calhar, não queremos estar na mesma relação, podemos querer ter novas experiências”, explica, rematando que os homens “podem procurar parceiras mais jovens para negar a própria idade cronológica, sendo que, em muitas pessoas, esta pode não corresponder à idade psicológica”.

1698 homens entre os 55 e os 59 anos divorciaram-se em 2011 e 2165 em 2019, tendo sido este valor de 1210 e 1657, respetivamente, para as mulheres.

 

O impacto da reforma e da doença

“Com a reforma, têm mais tempo para estar juntos. Muitas das vezes, ouvimos falar na crise dos sete anos de casamento, mas penso que esta altura pode ser mais complicada”, refere Fernando Mesquita. E destaca que “com o avançar da idade podem surgir problemas de saúde e os papéis de amantes passam a ser de cuidadores e cuidados”, situação que provoca o esmorecimento do desejo sexual.

De acordo com os dados do INE, em 2011, 783 mulheres com idades compreendidas entre os 60 e os 64 anos divorciaram-se, subindo este número para 1048 no género masculino. Em 2019, estes valores ascendiam a 849 e 1223, respetivamente.

Já na faixa em que se encontra a idade da reforma no país, ou seja, os 66 anos e sete meses – que se encontram entre os 65 e os 69 anos –, 336 mulheres separaram-se, em 2011, opondo-se a 516 homens. Volvidos oito anos, estes números ascenderam a 448 e 698, respetivamente.

Enquanto “há casais que, nesta altura, têm mais capacidade financeira e não querem o divórcio, mantendo a relação oficialmente, mas vivendo cada um na sua casa”, o sexólogo também salienta que esta quebra de laços, por vezes, é revertida. “Vão-se encontrando como se voltassem a namorar”, refere.

“Não é raro ouvir dizer, nas consultas, que permanecem na relação por causa dos filhos. Depois, podem acabar por questionar esta crença e ver que, afinal, a relação não estava tão má quanto poderiam pensar”, sublinha, lembrando, a título de exemplo, que “quando um dos parceiros diz que quer procurar ajuda, tentam que a rotina, que se foi instalando ao longo dos anos, seja modificada”.

Também importa destacar que, a partir da reforma, “as pessoas têm oportunidade para crescerem enquanto casal” e, “a partir dos 75 anos, encara-se a relação com mais companheirismo e menos erotismo”.

A influência do fim do percurso pelo mundo laboral nos relacionamentos amorosos é espelhada pela “síndrome do marido reformado” – definição criada pelo médico Nobuo Kurokawa, no Japão. Depois de dedicar vários anos à sua carreira, o marido pode não interagir regularmente com a família e, quando está mais tempo em casa, apercebe-se de que a companheira é uma “estranha” para ele.

A seu lado, a mulher sente que deve corresponder às expectativas do esposo e satisfazer todas as suas necessidades, deparando com o stress das imposições societais. Este fenómeno ocorreu com particular incidência em 2006, quando se verificou que, em dez anos, os divórcios haviam aumentado 26,5% naquele país, onde existe uma obsessão com o trabalho.

As separações entre casais que se encontravam juntos há 20 ou mais anos atingiu os 42.000 em 2004, duplicando relativamente a 1985. Os divórcios entre os casais que haviam dado o nó há mais de 30 anos quadruplicou no mesmo período. Volvidos dois anos, a BBC publicou um artigo intitulado “Retired Husband Syndrome”, narrando a história de Takako Terakawa, que passava os dias a cuidar do gato e dos 400 ursos de peluche, recorrendo aos mesmos como “substitutos” do esposo.

 

Uma questão de género?

Em todas as faixas etárias, a partir dos 50 anos, os homens separam-se mais do que as mulheres. Para Fernando Mesquita, “em termos culturais, ainda continua a ser melhor encarado se esta situação acontecer com um homem e, deste modo, ele tem menos dificuldade em manifestar este comportamento”, declara, adicionando que “nas mulheres, ainda existe repressão neste sentido”.

Contudo, o psicólogo frisa que, se há uns anos, “o casamento era encarado como algo para a vida, agora é visto como uma fase de crescimento pessoal, conjugal e de felicidade”. E nota que “antigamente, as pessoas não se sentiam amadas nem desejadas e sujeitavam-se ao matrimónio”. Hoje, cada vez mais, “tanto homens como mulheres são independentes” e as dificuldades financeiras que podiam obrigá-los a manterem-se juntos acabam por ser menos notórias.