Incongruências


Temos muitas coisas ilógicas a acontecer e podem não ser só por acaso.


1. Numa daquelas miragens coletivas em que somos pródigos (pelo lado da exuberância positiva ou do desfazer) achamos que a vacinação está a correr lindamente em Portugal. É olhar pelo periscópio do almirante Gouveia, focando apenas um único alvo. Vendo em modo grande angular, não é assim. O processo só agora está mesmo a avançar, mas privilegiando grupos específicos e do Estado, em detrimento da sociedade civil banal. No fim de semana passado, foi feita uma fantástica operação junto de 180 mil pessoas ligadas ao ensino, ou seja, quase todos funcionários públicos. Logisticamente não era uma coisa muito complicada e consistiu num elitismo de classe. A própria verdade oficial proclamou sempre que as escolas não são especialmente perigosas. Bem mais expostos estão os trabalhadores das caixas dos supermercados, que nunca pararam. Há ainda muitas outras incongruências no processo. Gente de mais de 75 anos aguarda ser chamada, mas muitos, ao redor dos 60, já foram despachados da primeira toma. É natural que haja discrepâncias. Mas devem ser retificadas. É necessário dar informação válida sobre sistemáticas alterações de critérios. Quem já teve o vírus chinês esteve remetido para o fim da vacinação. A semana passada voltou a estar incluído no plano normal. Porquê? As visitas e saídas dos lares de idosos tinham um critério genérico, na sexta. No domingo, foi revisto, dando autonomia de decisão a cada unidade. Pode fazer sentido, mas é preciso fiscalização para não se transformar certos lares em prisões perpétuas sem visitas. A propaganda à volta do processo de vacinação é gigantesca. Faz com que pareça mais rápido do que é, confundido, por exemplo, primeiras e segundas tomas. Felizmente, verifica-se um quadro geral de melhoria, no país europeu que menos investiu contra a doença. Resta ver como correm os dias decisivos em que entrámos. Cada um de nós tem de fazer a sua parte.

2. Está em curso uma tentativa liderada por Ana Gomes de levar o Tribunal Constitucional a ilegalizar o Chega por ser fascista. O Chega pode ser muita coisa má, mas seguramente que não é fascista do ponto de vista formal. Pode ser de extrema-direita, populista, nacionalista e adepto de soluções desumanas como as que se praticam na Rússia e na China correntemente. Ana Gomes vive do barulho. É ‘‘prima-esquerda’’ de André Ventura. E dão jeito um ao outro. Não admira que tenham tido votações semelhantes nas presidenciais.

3. No momento de enviar esta crónica, decorria um encontro entre o Ministério da Administração Interna e a Altice para negociar o contrato referente ao SIRESP, que é a rede de emergência do Estado para comunicações em caso de catástrofe. Foi ela que falhou nos grandes incêndios que mataram dezenas de pessoas. Foi preciso o presidente da Altice em Portugal vir a público queixar-se para que o ministro Cabrita abrisse a negociação, quando faltam poucos dias para chegarem os grandes calores. O SIRESP foi nacionalizado há um ano e meio e desde aí nada se sabe da sua gestão. O ministro Cabrita plantou no Diário de Notícias de ontem, uma informação a dizer que a negociação do contrato era só por seis meses. A empresa reagiu a dizer que não aceitava. Foi mais um imbróglio servido à moda do Cabrita. Estranhamente, o general que mandava no SIRESP demitiu-se, alegando razões pessoais. Tudo isto cheira a incompetência, negócio de tapetes marroquinos e, sobretudo, a profundo desrespeito pelos portugueses e pela memória dos que perderam a vida nos incêndios ocorridos já com este Governo. Marcelo prometeu estar atento. Chegou a condicionar a sua recandidatura a medidas para que Pedrógão não se repita. Está no segundo mandato. Aguarda-se uma palavra sobre tudo isto.

4. Salvo eventual fanfarronice do Ministério Público, descobriu-se um caso grave de corrupção no Algarve. Envolve alegadamente oito pessoas, entre as quais a presidente da Câmara de Vila Real de Santo António (que já se demitiu) e o deputado e advogado socialista António Gameiro. Este não se demitiu do Parlamento, mas desistiu de concorrer à Câmara de Ourém. O enredo gira à volta da venda direta de um terreno. E logo por um preço inferior à sua avaliação em cerca de um milhão e meio de euros, tendo-se ficado pelos cinco milhões. Em 2016, neste espaço, tinha-se citado António Gameiro a propósito do caso de uma cliente que lhe reclamava o produto da venda de uma casa. A senhora morava na Austrália. Gameiro tratou da transação, mas não lhe mandou o dinheiro, até que um tribunal o obrigou e condenou a pagar juros. Já depois disso, foi eleito presidente da federação socialista de Santarém, foi reeleito deputado e assinou um termo de responsabilidade ética com o partido. Gameiro é também sócio de uma empresa de caça no Uruguai onde se deslocam alguns abastados atiradores.

5. Se juntarmos ao caso do terreno no Algarve, a circunstância de nove deputados estarem a ser investigados por supostas falcatruas na morada, valendo mais um “milharzito” de euros por mês, tivemos uma semana cheia de ética republicana.

6. Reapareceu-nos Vítor Gaspar. Um pesadelo em forma de gente. Sabíamos a criatura instalada em Nova Iorque, na sede do FMI, a produzir os seus modelos económicos, em jeito de Legos e faturando cerca de 30 mil dólares/mês. Inopinadamente, Gaspar saiu do casulo e veio propor a única coisa que sabe fazer: aumentar impostos por causa da pandemia. Não foi especificamente cá para o burgo, mas uma coisa planetária. Temos uma Suzana Peralta à escala mundial. Nunca há de perceber que aumentar a carga fiscal é fundamentalmente engordar organismos estatais, enquanto as empresas procuram gerar negócios, as pessoas normais trabalham e muitas vezes redistribuem dinheiro aos familiares carenciados. Coisas concretas que certos oráculos desconhecem. Em vez de aumentar a fiscalidade, combata-se a grande evasão.

7. Outra visão apocalíptica foi a notícia de que o Novo Banco comprar o EUROBIC, onde pontifica o inenarrável Teixeira dos Santos, ministro das finanças de Sócrates. A história da banca e dos banqueiros portugueses é um filme de terror em sessão contínua. E ainda não chegámos à saga Montepio, tanto da parte bancária como da mutualista. Esta última tem um número de apoio ao associado. Há dias, alguém ligou para saber como faria para ter apoio para um teste covid que anunciavam. Facultaram outro número para obter pormenores. Ninguém atendia. O mutualismo está assim. Um grupo (normalmente amigos do raríssimo Vieira da Silva e de Tomás Correia) senta-se à mesa do banquete. Outros pagam a conta. É preciso mudar as coisas com eleições transparentes e participadas, o que não tem acontecido.

8. Sondagem recente indica que Carlos Moedas vai ser engolido por Medina. Foi feita ainda antes do autarca lisboeta ter estrategicamente descolado de Sócrates. Moedas vai ter vida difícil. Medina também a teria, se alguém apurasse o que se passa em Lisboa com projetos como as novas torres do Restelo, os prédios de luxo-social da avenida da República, o projeto CUF Tejo, a obra gigantesca do quarteirão da Portugália e a revolução em Campo de Ourique com uma mega construção no quarteirão do ingleses.

 

Escreve à quarta-feira