O princípio da intervenção mínima do direito penal tem uma vida difícil às mãos da agenda mediática, do populismo e da generalizada ignorância quanto à adequação entre os meios repressivos de que o Estado deve lançar mão e a respectiva eficácia. Se os critérios constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito não comovem o legislador que despreocupadamente vai semeando tipos penais avulsos, seja no Código Penal, seja no contínuo Big Bang da legislação penal extravagante, talvez uma análise custo-benefício do recurso ao direito penal permitisse escolher soluções mais adequadas à tutela jurídica de determinados bens.
A tutela penal do ambiente é, em todos os ordenamentos jurídicos, um campo de eleição para o direito penal simbólico, com tipos penais cuja concretização é difícil ou mesmo impossível, requerendo a mediação de (inexistentes) normas secundárias de natureza técnica que permitam a apreciação da ilicitude e da culpa. A recolha da prova e a primeira qualificação dos factos exigem conhecimentos jurídico-penais e domínio das normas técnico-científicas que raramente estão reunidos nas mesmas equipas policiais ou mesmo inspectivas.
Não obstante a difícil vida ao nível nacional do direito penal do ambiente, o apelo “político” do direito penal simbólico faz cair as fronteiras e encontra defensores da inclusão no limitado catálogo de crimes do direito penal internacional. O marketing penalístico é lesto e cunhou um “crime de ecocídio” que alguns pretendem incluir, por via de revisão, no Estatuto de Roma que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI). A intertextualidade do nome é forte, a pedir meças ao crime de genocídio, cunhado por Rafael Lemkin, uma das bases da jurisdição do Tribunal de Nuremberga, vertida em 1948 para a Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio.
O “ecocídio” tem linhagem política comprovada, o que pode contribuir ao mesmo tempo para o sucesso da divulgação e para a dificuldade na construção do tipo penal. Em 1972 Olof Palme qualificou como ecocídio o uso pelos EUA do “agente laranja” no Vietname. Percebe-se a força retórica do nome mas, quer em 1972, quer na actualidade a conduta em causa traduz-se na violação de diversas convenções internacionais que regulam a forma de fazer a guerra, o ius in bello, vulgo direito internacional humanitário.
Se a constituição do TPI representou um progresso na tutela penal internacional convém lembrar a dura realidade da efectividade da sua jurisdição: EUA, Rússia e China, potenciais prevaricadores, não se vincularam ao Estatuto de Roma e é altamente improvável que o venham a fazer nos anos vindouros.
Também por esta razão é bom poder continuar a contar com a codificação dos costumes da guerra feita pelas convenções de Genebra, às quais a maioria dos Estados se vinculou e todos devem respeitar pela via consuetudinária.
Para arrefecer os ânimos dos apóstolos do direito penal simbólico, neste caso à escala internacional, convirá recordar que o tipo penal do crime de genocídio exige “a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Fora do caso histórico consensual o preenchimento do tipo é palco para discussão.
A construção do tipo penal do “ecocídio” levantará idênticas dificuldades, quer nos elementos subjectivos, quer nos elementos objectivos. Atente-se na estreita ligação entre a actividade económica em tempo de paz e a produção, por entidades privadas, muitas vezes detidas por capitais estrangeiros, de danos ambientais.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990