A politiquice a brincar com o fogo


Por estes dias é claramente cada vez mais difícil encontrar esperança, num caminho de credibilidade, para a classe política perante a opinião pública. Não há como negar.


Não se coloca a questão de, à data, ainda existirem cidadãos, no desempenho de cargos públicos – ou como são automaticamente classificados, os “políticos” – que sejam de uma idoneidade irrepreensível. Claro que há. Há “bons” e “maus” em qualquer setor de atividade e, no seio político, também há dos dois lados.

Mas, mesmo conhecedores de que também há portugueses honestos e competentes no desempenho de cargos públicos, há muita má imagem que vem à tona e descredibiliza tudo e todos os outros. Parece, e uma rápida pesquisa permite o constatar, que vivemos tempos tenebrosos e cada vez maior turbulência na imagem dos que estão políticos.

É impossível omitir que ontem, em canal televisivo aberto, assistimos a uma entrevista a um ex-Primeiro-ministro português que esteve acusado, desde 2017, na designada “Operação Marquês”, de 31 crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal.

É impossível, para Portugal e para a sua opinião pública, ficar inerte perante o veredito final da fase de instrução, do Juiz Ivo Rosa, que ao longo de quase 4 horas anunciou que José Sócrates irá a julgamento por crimes de lavagem de dinheiro e falsificação de documentos. Sim, aparentemente, e que fique “à justiça o que é da justiça”, o ex-Primeiro-ministro não vai a julgamento por qualquer crime de corrupção de que foi outrora acusado pelo Ministério Público. Porém, a imagem e a desconfiança já ficaram.

Haja o que houver, é legítimo pensar que: Portugal vive com o primeiro caso da sua história democrática de um ex-Chefe de Estado acusado, e em processo de julgamento, e, ainda, fundamental, os portugueses viverão sempre com essa sombra de suspeita sobre todo e qualquer agente político. Não creio que exista muita discórdia nestes dois pontos.

A política brinca com o fogo. Não foi só ontem. São inúmeros os casos menos éticos, os casos que lançam suspeição sobre a classe política e, sobretudo, sobre a estabilidade democrática de todo um país. Mas não só os casos deste ou daquele “político”, dos abusos de autoridade e displicência até num suposto simples processo de vacinação, como assistimos durante este tempo de pandemia em várias regiões.

A política brinca também com a ausência de estratégia política e com a comunicação de “areia para os olhos” dos eleitores. Enganam. Não cumprem. Falham reiteradamente.

Literalmente, a brincar com o fogo, temos o caso mais recente que veio a público agora relativamente ao SIRESP. O Presidente da Altice Portugal, operadora que é a fornecedora da operação, manutenção, gestão e alojamento dos sites do SIRESP, o sistema de comunicações que ficou “mediático” após os incêndios de 2017, veio dizer publicamente que o Governo tem menos de 2 meses para negociar e trabalhar o contracto deste sistema. Pior, disse o Presidente da Altice Portugal, Alexandre Fonseca, que, cito, “não houve qualquer tipo de contacto sobre a continuidade do contracto, pelo que parece que a rede de emergência vai terminar no dia 30 de junho”. Falamos do sistema que, segundo os profissionais, é fundamental para as autoridades de segurança e proteção civil em qualquer Teatro de Operações.

A memória é curta. Este é mais um caso que o comprova. Mas, convém, recordar que após o caso de Pedrógão Grande, em 2017, quando foram públicas as falhas neste sistema, o SIRESP passou a ter uma rede dotada com mais 451 antenas satélite e ainda 18 unidades de redundância elétrica. Posteriormente, em dezembro de 2019, o Estado veio nacionalizar este sistema, com a compra dos operadores privados (Altice e Motorola) no SIRESP, ficando então com os 100% de serviço após esta transferência. Diziam os governantes, então, que esta nacionalização serviria para melhorar a gestão de futuro visto que o sistema de comunicações iria estar na posse do Estado português.

Recordar ainda que mais nada quase se fez. Recordar ainda, também, que a 15 de outubro passado, como é tradição lusa, criou-se um Grupo de Trabalho para estudar melhorias, de forma ministerial partilhada, sobre o futuro modelo do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP). À data de hoje, continuamos sem conclusões de nada deste grupo. Parece, e talvez apenas isso, que serviu para “ganhar tempo”.

Posterior a este Grupo de Trabalho ser criado, em novembro de 2020, a tutela responsável admitiu publicamente prolongar o contracto de concessão da rede de emergência SIRESP com os operadores. Veio agora a Altice, 6 meses depois, afirmar que não houve avanço nenhum nessa matéria.

O que fica, e mais uma vez descredibiliza “a política” perante os portugueses, é que a Altice legitimamente não quer alimentar um SIRESP que o Governo enjeitou e, lê-se de norte a sul, temos Autarcas e Bombeiros a exigir uma célere negociação contractual para este equipamento por parte do Estado.

Estamos a 15 de abril de 2021, o Governo de António Costa tem até 30 de junho para tratar do SIRESP. O Estado teve anos para corrigir as anomalias e melhorar o que entendesse, porém, a imagem que fica é que isto parece não dar votos.

É a classe política, neste caso o Governo, a “brincar com o fogo” de duas formas: Perante a falta de memória de 2017 e das consequências que a má comunicação também causou e, claro, perante a credibilidade que se quer demonstrar perante o povo português numa matéria estratégica para as autoridades de segurança e de proteção civil.

Vivemos tempos de gradual desconfinamento, face à pandemia da COVID-19, mas, caso após caso (e o SIRESP é apenas “mais um”) podemos começar a temer, realisticamente, em ver cada vez mais portugueses “desconfinarem” na vontade de acreditar na política, na causa pública e nos políticos.

 

 


A politiquice a brincar com o fogo


Por estes dias é claramente cada vez mais difícil encontrar esperança, num caminho de credibilidade, para a classe política perante a opinião pública. Não há como negar.


Não se coloca a questão de, à data, ainda existirem cidadãos, no desempenho de cargos públicos – ou como são automaticamente classificados, os “políticos” – que sejam de uma idoneidade irrepreensível. Claro que há. Há “bons” e “maus” em qualquer setor de atividade e, no seio político, também há dos dois lados.

Mas, mesmo conhecedores de que também há portugueses honestos e competentes no desempenho de cargos públicos, há muita má imagem que vem à tona e descredibiliza tudo e todos os outros. Parece, e uma rápida pesquisa permite o constatar, que vivemos tempos tenebrosos e cada vez maior turbulência na imagem dos que estão políticos.

É impossível omitir que ontem, em canal televisivo aberto, assistimos a uma entrevista a um ex-Primeiro-ministro português que esteve acusado, desde 2017, na designada “Operação Marquês”, de 31 crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal.

É impossível, para Portugal e para a sua opinião pública, ficar inerte perante o veredito final da fase de instrução, do Juiz Ivo Rosa, que ao longo de quase 4 horas anunciou que José Sócrates irá a julgamento por crimes de lavagem de dinheiro e falsificação de documentos. Sim, aparentemente, e que fique “à justiça o que é da justiça”, o ex-Primeiro-ministro não vai a julgamento por qualquer crime de corrupção de que foi outrora acusado pelo Ministério Público. Porém, a imagem e a desconfiança já ficaram.

Haja o que houver, é legítimo pensar que: Portugal vive com o primeiro caso da sua história democrática de um ex-Chefe de Estado acusado, e em processo de julgamento, e, ainda, fundamental, os portugueses viverão sempre com essa sombra de suspeita sobre todo e qualquer agente político. Não creio que exista muita discórdia nestes dois pontos.

A política brinca com o fogo. Não foi só ontem. São inúmeros os casos menos éticos, os casos que lançam suspeição sobre a classe política e, sobretudo, sobre a estabilidade democrática de todo um país. Mas não só os casos deste ou daquele “político”, dos abusos de autoridade e displicência até num suposto simples processo de vacinação, como assistimos durante este tempo de pandemia em várias regiões.

A política brinca também com a ausência de estratégia política e com a comunicação de “areia para os olhos” dos eleitores. Enganam. Não cumprem. Falham reiteradamente.

Literalmente, a brincar com o fogo, temos o caso mais recente que veio a público agora relativamente ao SIRESP. O Presidente da Altice Portugal, operadora que é a fornecedora da operação, manutenção, gestão e alojamento dos sites do SIRESP, o sistema de comunicações que ficou “mediático” após os incêndios de 2017, veio dizer publicamente que o Governo tem menos de 2 meses para negociar e trabalhar o contracto deste sistema. Pior, disse o Presidente da Altice Portugal, Alexandre Fonseca, que, cito, “não houve qualquer tipo de contacto sobre a continuidade do contracto, pelo que parece que a rede de emergência vai terminar no dia 30 de junho”. Falamos do sistema que, segundo os profissionais, é fundamental para as autoridades de segurança e proteção civil em qualquer Teatro de Operações.

A memória é curta. Este é mais um caso que o comprova. Mas, convém, recordar que após o caso de Pedrógão Grande, em 2017, quando foram públicas as falhas neste sistema, o SIRESP passou a ter uma rede dotada com mais 451 antenas satélite e ainda 18 unidades de redundância elétrica. Posteriormente, em dezembro de 2019, o Estado veio nacionalizar este sistema, com a compra dos operadores privados (Altice e Motorola) no SIRESP, ficando então com os 100% de serviço após esta transferência. Diziam os governantes, então, que esta nacionalização serviria para melhorar a gestão de futuro visto que o sistema de comunicações iria estar na posse do Estado português.

Recordar ainda que mais nada quase se fez. Recordar ainda, também, que a 15 de outubro passado, como é tradição lusa, criou-se um Grupo de Trabalho para estudar melhorias, de forma ministerial partilhada, sobre o futuro modelo do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP). À data de hoje, continuamos sem conclusões de nada deste grupo. Parece, e talvez apenas isso, que serviu para “ganhar tempo”.

Posterior a este Grupo de Trabalho ser criado, em novembro de 2020, a tutela responsável admitiu publicamente prolongar o contracto de concessão da rede de emergência SIRESP com os operadores. Veio agora a Altice, 6 meses depois, afirmar que não houve avanço nenhum nessa matéria.

O que fica, e mais uma vez descredibiliza “a política” perante os portugueses, é que a Altice legitimamente não quer alimentar um SIRESP que o Governo enjeitou e, lê-se de norte a sul, temos Autarcas e Bombeiros a exigir uma célere negociação contractual para este equipamento por parte do Estado.

Estamos a 15 de abril de 2021, o Governo de António Costa tem até 30 de junho para tratar do SIRESP. O Estado teve anos para corrigir as anomalias e melhorar o que entendesse, porém, a imagem que fica é que isto parece não dar votos.

É a classe política, neste caso o Governo, a “brincar com o fogo” de duas formas: Perante a falta de memória de 2017 e das consequências que a má comunicação também causou e, claro, perante a credibilidade que se quer demonstrar perante o povo português numa matéria estratégica para as autoridades de segurança e de proteção civil.

Vivemos tempos de gradual desconfinamento, face à pandemia da COVID-19, mas, caso após caso (e o SIRESP é apenas “mais um”) podemos começar a temer, realisticamente, em ver cada vez mais portugueses “desconfinarem” na vontade de acreditar na política, na causa pública e nos políticos.