Com o prolongamento do dever de usar máscara a durar até 14 de junho, são cada vez mais as pessoas que batalham diariamente para cumprir o que lhes é imposto. “O que é um dever cívico da minha parte para os outros, para mim é uma sentença de morte”. As palavras são de Ana Paula Pedroso, asmática, hipertensa e com fissuras nos pulmões, que fica “com falta de ar” cada vez que coloca a máscara.
Dever cívico
Desde 27 de outubro que é obrigatório o uso de máscara em espaços públicos para contenção da pandemia de covid-19. Mas há exceções para quem apresente um atestado médico de incapacidade multiusos, uma declaração “no caso de se tratar de pessoas com deficiência cognitiva, do desenvolvimento e perturbações psíquicas” ou que ateste que “a condição clínica da pessoa não se coaduna com o uso de máscaras” . São assim vários os portugueses que, por terem comorbilidades associadas, sentem um incómodo extra ao cumprir a legislação. O médico de família e antigo presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) Rui Nogueira afirma, contudo, que esse incómodo não deve ser um impedimento ao uso de máscara e se, alguém com “insuficiência cardíaca, bronquite crónica ou DPOC (doença pulmonar obstrutiva crónica)” tem dificuldades, “aquilo que mais preocupa é a descompensação dessas doenças e não propriamente o uso de máscara”.
A empregada de limpeza de 55 anos trabalha diariamente das seis às nove da manhã e admite ao i, que, na maior parte das vezes, não usa máscara: “Quando vou trabalhar só lá estão os seguranças, como eles estão lá sozinhos e não usam, eu também tiro a minha”.
Ana Paula conta que já pediu ao médico de família que lhe passasse uma declaração que a dispensasse do uso da máscara, mas o profissional recusou, invocando a lei. Rui Nogueira acredita, tal como o médico da cinquentenária, que “não é possível, desejável ou razoável que haja uma justificação”, acrescentando que “seria desastroso se começasse a haver exceções para não usar máscara”.
“Houve uma vez em que eu estava na paragem de autocarro sozinha e apareceu a polícia municipal e pediram-se para pôr a máscara”, conta Ana Paula. “Mas depois eu mostrei-lhes todas as bombas para a falta de ar que trazia comigo e eles não insistiram mais”, prossegue. A mulher afirma que as bombas eram em tempos um recurso “de emergência” mas que atualmente anda “com elas para todo o lado”.
Como ir ao ginásio
Também empregada de limpeza, Magda Baptista sente-se extremamente cansada quando se vê obrigada a colocar máscara enquanto faz esforços físicos. Para alguém que não tenha comorbilidades, também não seria fácil de imaginar “ir ao ginásio e fazer exercício físico de máscara”, compara Ana Paula. É assim que se sente quem sofre de problemas cardíacos ou pulmonares quando tem de fazer uma tarefa que requer esforço físico que pode ser considerado “mundano ou banal” para outras pessoas, como limpezas.
O ex-presidente da APMGF esclarece que a “solução que temos atualmente disponível para os próximos minutos, horas, dias e semanas”_para contenção da pandemia é o uso de máscara, em conjunto com o distanciamento físico. “Daqui a três meses podemos começar a ver o início do efeito da vacinação”, adianta o médico. Até lá, é importante que se cumpram todas as medidas de segurança recomendadas.
Sem acompanhamento
Não tendo sido possível obter uma declaração para não usar máscara, Ana Paula tentou, através do seu centro de saúde, marcar uma consulta de especialidade em pneumonologia. Mas o processo não tem sido fácil. O centro de saúde onde é acompanhada, em Marvila, não lhe atende as chamadas telefónicas e “para conseguir marcar uma consulta é preciso faltar ao trabalho e aparecer lá às sete da manhã”, relata. A empregada de limpeza adianta que chegou a fazer “23 chamadas num só dia” sem conseguir que estabelecer qualquer contacto. No dia a seguir voltou a tentar, perfazendo um total de “mais de 40 chamadas”.
Maria Sousa (nome fictício) lamenta que também a mãe tenha sofrido devido a problemas de gestão no centro de saúde onde é acompanhada. “A minha mãe tem alguns problemas de saúde e teve uma crise no dia antes de ir ser vacinada”, confidencia ao i. “Liguei à linha de Saúde 24, que me aconselhou a dirigir-me ao centro de saúde da minha zona, que fechava às 17h00”. Por já passar das 16h30, Maria viu-se obrigada a passar “alguns sinais vermelhos nas principais ruas de Lisboa”, mas conseguiu chegar ao posto antes da hora do fecho.
À entrada do estabelecimento deparou-se com um segurança que a informou de o centro não fechava às 17h00 mas sim às 16h40. Visto que estavam três médicos de baixa, as portas encerravam vinte minutos mais cedo. “Não compreendi e disse que a linha da Saúde24 me tinha informado de que a hora de fecho era às 17h00”, explica, acrescentado que fez questão de ligar novamente para o mesmo número com o intuito de informar que tinham dados errados. Maria conta que ao fazer a chamada “as senhoras da secretaria estavam a ouvir e disseram que iam ver se ainda estava algum médico disponível” para atender a mãe.
A mãe de Maria acabou por ser atendida mas a filha da utente afirma que a médica lhe pediu “que para a próxima vez fosse mais cedo”.
Máscara provoca falta de ar?
De acordo com os estudos feitos durante este ano de pandemia, usar máscara enquanto se pratica atividades que requerem esforço físico pode, de facto, baixar a oxigenação no sangue, mas não ao ponto de causar prejuízos para a saúde. Mesmo quando se fazem atividades físicas no exterior, como correr ou andar de bicicleta, é importante que se coloque a máscara, devido à libertação de gotículas.
Christopher Ewing, um especialista pulmonar canadiano, afirma que usar máscara pode dificultar a respiração mas não pelas razões que seriam de imaginar: “A maioria da população não está habituada a usar máscara e a sensação de ter algo a cobrir a cara pode deixar algumas pessoas ansiosas ou desconfortáveis”. Ewing explica ainda que apesar de o ato de respirar ser maioritariamente inconsciente, também pode ser influenciado pela mente: “Quando estamos desconfortáveis, ainda que sem dar conta, podemos mudar a maneira como respiramos”. Se usarmos óculos e virmos que ao expirar eles embaciam, por exemplo, podemos compensar esse desconforto ao não expirar totalmente na respiração seguinte.