A estratégia da lentidão


O Governo não só não procedeu a qualquer reforço dos recursos ou especialização das autoridades policiais, como nem sequer aprovou qualquer proposta de novo enquadramento legal relativo ao combate à corrupção.


Foi no dia 5 de Dezembro de 2019 que o Governo anunciou a criação de um grupo de trabalho para a definição de “uma estratégia nacional, global e integrada de combate à corrupção”. O referido grupo de trabalho levou cerca de dez meses para produzir um documento de 78 páginas, denominado Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, o qual foi colocado à discussão pública pela ministra da Justiça em 3 de Setembro passado. Já nessa altura toda a gente estranhou que não fosse apresentado qualquer anteprojecto de diploma legal a consagrar as alterações legislativas que teriam que ser efectuadas, designadamente no âmbito do Código de Processo Penal.

Apesar disso a consulta pública decorreu desde 7 de Setembro a 20 de Outubro de 2020, tendo recolhido cerca de quarenta contribuições. No entanto, só em 18 de Março passado é que o Governo anunciou que tinha aprovado a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, sem no entanto disponibilizar publicamente qual o texto que foi aprovado.

Ao que se julga, terá sido apenas aprovada pelo Conselho de Ministros uma nova versão do mesmo documento, continuando sem se ter qualquer conhecimento de anteprojectos legislativos, que são absolutamente essenciais numa matéria destas, que se prende com direitos fundamentais. Aliás hoje ainda nem sequer está sequer disponibilizada publicamente a nova versão do referido documento, que terá sido aprovada em Conselho de Ministros. Do mesmo apenas se conhecem algumas revelações feitas pela ministra da Justiça em entrevistas a jornais, as quais não são seguramente a melhor forma de divulgar uma estratégia contra a corrupção aprovada pelo Conselho de Ministros.

O país passou assim dezasseis meses a discutir apenas vaguidades sobre uma estratégia contra a corrupção, nada se tendo produzido de relevante no plano legislativo. Nestes dezasseis meses, no entanto, o país continuou a ser profundamente atingido pela corrupção. No índice da Transparency International de 2019, relativo à percepção da corrupção, Portugal obteve 62 pontos, caindo dois pontos em relação ao ano anterior, abaixo da média da União Europeia, que foi de 66. E no mesmo índice de 2020 Portugal caiu ainda mais um ponto, atingindo agora 61 pontos, o valor mais baixo de sempre, cada vez mais distante da média da União Europeia, que se mantém em 66 pontos.

Precisamente por esse motivo, neste período a União Europeia  manifestou uma séria preocupação com o estado da corrupção em Portugal. No Relatório da Comissão sobre o Estado de Direito na União Europeia 2020, refere-se que “grande parte das investigações relacionadas com corrupção termina sem que seja deduzida acusação. No que respeita à aplicação de sanções por crimes de corrupção, em 2017 apenas 10% dos arguidos condenados por corrupção foram condenados a penas de prisão efetivas e 83% tiveram penas suspensas. Em 2018, 12,3% dos arguidos foram condenados a pena de prisão efetiva e 73,6% tiveram penas suspensas”.

Por esse motivo, em audição sobre esse relatório realizada no passado dia 2 de Fevereiro nas Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e dos Assuntos Europeus da Assembleia da República, o Comissário Europeu para a Justiça, Didier Reynders, instou as autoridades portuguesas a fazerem mais pelo combate à corrupção, salientando que não seria suficiente a criação de um enquadramento legal, sendo necessário dar recursos e especializar as autoridades policiais para esse combate.

Sucede, porém, que, apesar deste aviso muito claro, efectuado há quase dois meses pelo Comissário Europeu para a Justiça ao Parlamento nacional, o Governo não só não procedeu a qualquer reforço dos recursos ou especialização das autoridades policiais, como nem sequer aprovou qualquer proposta de novo enquadramento legal relativo ao combate à corrupção, limitando-se a aprovar um simples documento estratégico apresentado publicamente há cerca de seis meses. Em Portugal, pelos vistos, o combate à corrupção tem que andar a passo de caracol.

 

A estratégia da lentidão


O Governo não só não procedeu a qualquer reforço dos recursos ou especialização das autoridades policiais, como nem sequer aprovou qualquer proposta de novo enquadramento legal relativo ao combate à corrupção.


Foi no dia 5 de Dezembro de 2019 que o Governo anunciou a criação de um grupo de trabalho para a definição de “uma estratégia nacional, global e integrada de combate à corrupção”. O referido grupo de trabalho levou cerca de dez meses para produzir um documento de 78 páginas, denominado Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, o qual foi colocado à discussão pública pela ministra da Justiça em 3 de Setembro passado. Já nessa altura toda a gente estranhou que não fosse apresentado qualquer anteprojecto de diploma legal a consagrar as alterações legislativas que teriam que ser efectuadas, designadamente no âmbito do Código de Processo Penal.

Apesar disso a consulta pública decorreu desde 7 de Setembro a 20 de Outubro de 2020, tendo recolhido cerca de quarenta contribuições. No entanto, só em 18 de Março passado é que o Governo anunciou que tinha aprovado a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, sem no entanto disponibilizar publicamente qual o texto que foi aprovado.

Ao que se julga, terá sido apenas aprovada pelo Conselho de Ministros uma nova versão do mesmo documento, continuando sem se ter qualquer conhecimento de anteprojectos legislativos, que são absolutamente essenciais numa matéria destas, que se prende com direitos fundamentais. Aliás hoje ainda nem sequer está sequer disponibilizada publicamente a nova versão do referido documento, que terá sido aprovada em Conselho de Ministros. Do mesmo apenas se conhecem algumas revelações feitas pela ministra da Justiça em entrevistas a jornais, as quais não são seguramente a melhor forma de divulgar uma estratégia contra a corrupção aprovada pelo Conselho de Ministros.

O país passou assim dezasseis meses a discutir apenas vaguidades sobre uma estratégia contra a corrupção, nada se tendo produzido de relevante no plano legislativo. Nestes dezasseis meses, no entanto, o país continuou a ser profundamente atingido pela corrupção. No índice da Transparency International de 2019, relativo à percepção da corrupção, Portugal obteve 62 pontos, caindo dois pontos em relação ao ano anterior, abaixo da média da União Europeia, que foi de 66. E no mesmo índice de 2020 Portugal caiu ainda mais um ponto, atingindo agora 61 pontos, o valor mais baixo de sempre, cada vez mais distante da média da União Europeia, que se mantém em 66 pontos.

Precisamente por esse motivo, neste período a União Europeia  manifestou uma séria preocupação com o estado da corrupção em Portugal. No Relatório da Comissão sobre o Estado de Direito na União Europeia 2020, refere-se que “grande parte das investigações relacionadas com corrupção termina sem que seja deduzida acusação. No que respeita à aplicação de sanções por crimes de corrupção, em 2017 apenas 10% dos arguidos condenados por corrupção foram condenados a penas de prisão efetivas e 83% tiveram penas suspensas. Em 2018, 12,3% dos arguidos foram condenados a pena de prisão efetiva e 73,6% tiveram penas suspensas”.

Por esse motivo, em audição sobre esse relatório realizada no passado dia 2 de Fevereiro nas Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e dos Assuntos Europeus da Assembleia da República, o Comissário Europeu para a Justiça, Didier Reynders, instou as autoridades portuguesas a fazerem mais pelo combate à corrupção, salientando que não seria suficiente a criação de um enquadramento legal, sendo necessário dar recursos e especializar as autoridades policiais para esse combate.

Sucede, porém, que, apesar deste aviso muito claro, efectuado há quase dois meses pelo Comissário Europeu para a Justiça ao Parlamento nacional, o Governo não só não procedeu a qualquer reforço dos recursos ou especialização das autoridades policiais, como nem sequer aprovou qualquer proposta de novo enquadramento legal relativo ao combate à corrupção, limitando-se a aprovar um simples documento estratégico apresentado publicamente há cerca de seis meses. Em Portugal, pelos vistos, o combate à corrupção tem que andar a passo de caracol.