A pandemia pôs em marcha dinâmicas que muito dificilmente serão paradas. Forças que modelarão a economia do presente e do futuro. Há hoje mais Estado na economia e na sociedade do que há um ano. Contra as crenças dos ultraliberais, por todo o lado foi o Estado a dar resposta à maior crise em gerações.
A omnipresença estatal é insustentável e indesejável. Insustentável porque mais Estado só será possível à custa do esfolamento dos cidadãos e das empresas que já são vítimas de um nível de fiscalidade obscena. Indesejável porque é urgente aumentar a autonomia coletiva e liberdade individual, motor da prosperidade das sociedades ocidentais. No pós-pandemia, qualquer Governo em qualquer ponto da Europa terá que reduzir drasticamente os níveis de dependência dos cidadãos e das instituições. Mas isso deixa-nos perante um dilema. Se é verdade que o Estado terá de se retrair em algum momento, não é menos verdade que nunca tantos precisaram de apoios públicos e de uma economia solidária para sobreviver com dignidade.
A resposta está, quanto a mim, no recentramento do papel do Estado na sua função mais perene: promover e garantir o bem-estar aos cidadãos. Essa noção de bem-estar, tão central nas nossas sociedades do pós-guerra, não é uma quimera. Conseguiremos níveis de bem-estar mais elevados para todos com políticas de aprendizagem ao longo da vida, que promovam a requalificação de competências dos trabalhadores. Ficar fora da transição digital não tem de ser uma inevitabilidade para milhões de trabalhadores.
Reduziremos os fluxos de divergência económica com a valorização do trabalho e dos trabalhadores, simultaneamente protegendo-os de abusos do capitalismo selvagem e criando condições de produtividade e de crescimento para que os salários não estagnem durante décadas provocando perda real de qualidade de vida. Alcançaremos níveis de prosperidade condizentes com a aspiração dos cidadãos se formos capazes de encurtar a distância entre o topo e a base da pirâmide social, ao mesmo tempo que matamos a ideia de que o atual sistema económico só funciona para uns, poucos, à custa de outros, muitos.
Nenhuma sociedade, nenhum país, pode ambicionar prosperar sem um sentimento de pertença dos elementos que a compõem. A pandemia agravou as desigualdades que são gasolina para a fogueira dos radicalismos e de outras forças centrífugas.
Qual deve ser a nossa resposta? Não pode ser mais Estado. Mas pode ser mais cidadania. As pessoas não são apenas proprietários, trabalhadores ou consumidores. São acima de tudo cidadãos. Por mais distante que esta ideia nos possa parecer ao dia de hoje, o tempo do apogeu dos individualismos e da glorificação instantânea, é a cidadania que une diferentes pessoas, diferentes histórias e perspetivas, num projeto de vida e de destino a que chamamos comunidade.
A nossa resposta às novas dinâmicas colocadas pela pandemia só pode passar pela visão inclusiva, humanista e localista da Economia Social. “Que diferença fará?” perguntam os céticos. Toda. Esta é a economia onde a noção de preço perde espaço para a ideia de valor, onde o lucro dá primazia ao propósito; onde não há competidores mas parceiros; onde a mão invisível dos mercados fica por baixo da mão visível e próxima dos vizinhos, das instituições e das comunidades.
É a economia da cidadania e da democracia. É expressão do melhor que há em cada um dos agentes da sociedade. E é, por fim, uma economia onde cabem todos: cidadãos, IPSS, Misericórdias, Cooperativas e empresas. Poderes públicos e privados. Livres e sem comando centralizado, procurando um bem maior que a mera soma das partes.
Acredito que a economia social pode ajudar a sarar as feridas da polarização económica que, tanto à direita como à esquerda, tendem a rotular o nosso sistema de mercado como mecanismo de perpetuação de castas, de privilégios e de desigualdade. O sentimento de pertença económica é um conceito chave para ultrapassarmos a crise que nos tocou.
Em boa hora isso foi entendido pela Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia que, pela mão da ministra Ana Mendes Godinho, acaba de lançar a rede das cidades Capitais Europeias da Economia Social. Na companhia de Sintra, Coimbra, Braga e Torres Vedras, Cascais é município fundador dessa rede.
Um dos pontos que estará na nossa agenda será, inevitavelmente, o de garantir uma maior profissionalização da gestão das instituições da economia social. Os modelos de governação ficam muito aquém do extraordinário trabalho que desenvolvem nas nossas comunidades e do impacto económico que têm no PIB – tanto por via do valor acrescentado dos serviços que prestam como na criação de emprego.
Outro ponto, se queremos ser verdadeiramente transformadores, tem de passar pela crescente ligação do setor privado e do setor social. É uma ligação mutuamente benéfica. Os primeiros podem ter recursos financeiros e de mentoria antes inacessíveis; os segundos podem ter um impacto duradouro nas comunidades, colocando o propósito onde antes apenas morava negócio. Todos ganham.
Cascais assume assim o compromisso de criar uma economia mais responsável e mais inclusiva, mais ética e menos desigual. Uma economia que funcione verdadeiramente para todos e que não deixe ninguém à sua sorte. Que este seja apenas o primeiro passo de uma longa reforma social na direção de mais justiça, mais equidade e mais bondade.