Comemoram-se nesta segunda-feira 212 anos da tragédia da ponte das Barcas, que vitimou, estima-se, mais de 4 mil almas. Se há vários projetos para futuras pontes sobre o Douro, tendo a mais recente sido anunciada há poucas semanas, é também importante falar daquelas que em tempos permitiram as travessias entre as duas margens, e que não se encontram mais em pé. Para tal, o jornal i conta, nas edições de segunda, terça e quarta-feira, a história das diferentes pontes que marcam, marcaram, e vão marcar a paisagem das cidades do Porto e Vila Nova de Gaia.
O Desastre da Ponte das Barcas Recuando ao início do século XIX, encontra-se um dos momentos mais trágicos e dramáticos da história da cidade do Porto, e do país. Naquele tempo de então, as duas margens do rio Douro eram ligadas pela batizada ponte das Barcas que, como se pode adivinhar pelo nome, consistia numa fila de 20 embarcações, ligadas por um cabo de aço, estendida ao longo do rio. Há exatamente 212 anos, em plena época de invasões napoleónicas, os portuenses viram nesta travessia uma rota de escapatória ao exército gaulês que desbravava pela cidade. A sobrecarga de peso na estrutura, com milhares de pessoas que procuravam refúgio em Vila Nova de Gaia, acabou por fazer ceder a ponte, atirando tanto portugueses como franceses para o Douro, causando, segundo as estimativas, mais de 4 mil mortos.
A tragédia acabou por obrigar à reconstrução da travessia entre as duas margens do rio, que se passou a fazer pela batizada Ponte Pênsil, também intitulada Ponte D. Maria II, que serviu as duas cidades durante quatro décadas, até ser desmontada para dar lugar à Ponte Luiz I, que se mantém até ao presente. É ainda possível, no entanto, encontrar vestígios da ponte Pênsil na ribeira da cidade do Porto, onde estão ainda dois dos seus pilares, bem como as “alminhas” da Ponte, um local de memória às vítimas do desastre da ponte das Barcas, onde cidadãos e transeuntes depositam flores e e velas em homenagem às vítimas.
Nova ponte sobre o Douro O aniversário da tragédia chega de mãos dadas com o recente anúncio da construção de uma nova ponte sobre o Douro, a ligar Vila Nova de Gaia à cidade do Porto. Se em 1809 a travessia era feita através de 20 barcas amarradas com um cabo de aço, o ano de 2026 deverá ver toda uma nova infraestrutura, dedicada unicamente ao Metro, com espaço para cruzar a pé e de bicicleta. O plano está traçado, o concurso está lançado, e a obra vai nascer, localizada entre as pontes da Arrábida e Luiz I. Dedicada especificamente ao Metro, sem espaço para automóveis, esta nova travessia vai ligar o ArrábidaShopping, importante zona comercial do lado de Gaia, ao Campo Alegre, do lado do Porto, zona abrangida por várias faculdades da Universidade do Porto, bem como o Teatro Municipal do Campo Alegre, e outros serviços.
A infraestrutura, que deverá custar cerca de 50 milhões de euros e cujo concurso de ideias internacional está agora lançado, com um prémio de 100 mil euros para a ideia vencedora, deverá começar a ser construída em 2023, esperando-se que esteja finalizada e operacional em 2026.
Sobre esta empreitada, no entanto, paira uma série de questões: acontece que o espaço onde se insere representa um panorama urbanístico e ambiental muito específico, limitado a oeste pela ponte da Arrábida, que dista 500 metros do local onde se pretende instalar a nova travessia, e a este pela ponte Luiz I, icónica construção da cidade do Porto.
São ainda poucos os detalhes que se conhecem sobre a ponte, mas pode-se já assumir que não deverá ter pilares sobre o rio Douro, como aliás acontece com as restantes pontes que ligam Gaia ao Porto, e deverá ter a cota um metro acima da ponte da Arrábida, de forma a não interferir com a obra do engenheiro Edgar Cardoso, inaugurada em 1963.
Assim, e como foi referido durante o evento que lançou o concurso internacional de ideias, esta ponte representa um “desafio” para os projetistas, o que, segundo confessou fonte da Metro do Porto ao i, foi o pano de fundo para a necessidade de lançar um concurso amplo e internacional, já que o projeto deverá ter muito “cuidado” com o espaço onde se vai inserir a ponte, de maneira a não perturbar o ambiente circundante.
Adão da Fonseca, engenheiro responsável pela projeção da Ponte Infante D. Henrique confessou ao i que, devido às suas dimensões e à sua localização, a “construção da nova ponte se torna um difícil desafio, especialmente do lado do Porto”, merecendo todo o cuidado e atenção urbanística.
Já Helder Pacheco, professor universitário e historiador dedicado à cidade do Porto, é um ávido defensor da necessidade que tanto o Porto como Vila Nova de Gaia sentem em construir uma travessia pedonal entre as duas cidades, acusando o uso da ponte Luiz I para tal como uma “barbaridade”. Não se pronuncia muito sobre a nova ponte, preferindo vincar a falta de travessias pedonais que se faz sentir entre as duas margens do rio. Afinal de contas, as populações das duas cidades, bem como os milhões de turistas que as visitam todos os anos, ainda utilizam a mesma infraestrutura que se utilizava no final do século XIX – o tabuleiro inferior da ponte Luiz I – para cruzar, a pé, o rio Douro, não havendo praticamente nenhuma outra opção para atravessar o rio, sem ser num transporte público ou num automóvel.
Até ao ano de 1986, a ponte da Arrábida possuía dois elevadores funcionais em cada margem, que permitiam às populações utilizar esta travessia para cruzar o rio. Não era a solução ideal, confessa Helder Pacheco, mas já ajudava muito as populações ribeirinhas. Nessa época, no entanto, o uso destes elevadores chegou ao fim, estando, até hoje, inutilizados, por razões que o historiador não sabe explicar. Assim sendo, esta nova infraestrutura, apesar de estar localizada longe dos respetivos centros de ambas as cidades, poderá ser um passo em frente nas soluções pedonais para a travessia sobre o rio, garante o historiador.
Pontes que um dia, talvez, virão a ser Se, neste momento, existem seis travessias sobre o Douro, que ligam Gaia ao Porto, o panorama a caminho da Foz do rio nem sempre foi assim, e no futuro relativamente próximo deixará também de ser, caso os projetos em papel avancem finalmente.
Está lançado o concurso internacional de ideias para a travessia entre o ArrábidaShopping, do lado de Vila Nova de Gaia, e o Campo Alegre, no Porto, mas os cidadãos das duas margens podem ter de esperar vários anos até conseguir atravessar o rio sobre uma nova ponte. Apesar do entusiasmo com que se anuncia a projeção desta nova infraestrutura, e da data de conclusão marcada em 2026, não se podem deixar esquecidos tantos outros projetos, mais antigos, para diferentes travessias entre as duas margens, que foram anunciados há anos.
Recorde-se, por exemplo, que também está prevista a construção de uma ponte entre Gaia e o Porto, na zona oriental das cidades. Desde 2018 que existe a ideia, mas o concurso público para a sua construção não foi ainda lançado, “por culpa da tralha burocrática que atrofia a contratualização pública”, afirmava Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, citado pelo jornal Expresso, em dezembro de 2020. O i tentou contactar o autarca, mas tal não foi possível até ao fecho desta edição. O projeto foi até batizado com o nome de D. António Francisco dos Santos, em homenagem ao bispo do Porto, falecido em setembro de 2017, e deverá custar entre 80 a 90 milhões de euros, estando a sua inauguração prevista, inicialmente, para o ano de 2022.
Navegando pelo rio Douro em direção ao oriente, encontra-se também um outro projeto de ponte que ainda não saiu da gaveta, desta vez a ligar Vila Nova de Gaia ao concelho de Gondomar, próximo da foz do rio Sousa. Apesar de já não ser uma ponte relacionada com a cidade do Porto, localiza-se a escassos quilómetros da ponte do Freixo, e é um dos projetos de travessia entre as duas margens do rio que se encontram parados no tempo.
Ao i, Helder Pacheco diz que, dentro das suas batalhas pela construção de uma ponte pedonal entre Gaia e o Porto, no ano 2000, se previa mesmo a construção desta nova ponte, tendo participado numa reunião entre autarcas e figuras das duas cidades que iriam decidir o futuro deste projeto. Naquele então, conta o historiador, a votação para a construção da ponte contou com 18 votos a favor e 2 contra. Tudo parecia encaminhado para se lançar uma nova travessia, a pé, entre as duas margens, que tinha até já o financiamento garantido. Ainda assim, lamentou, começaram a surgir vozes contra a sua construção, devido à proximidade da ponte Luiz I, o que “levou a que se esquecesse outra vez esse projeto, até hoje”.
Artigo atualizado a 29/3/2021 às 22h28: os elevadores da ponte da Arrábida foram desativados no ano de 1986, e não no ano de 2009.