A zona oeste é sinónimo de campo, de agricultura e de uma imensa diversidade de produtos, a maior região produtora de hortícolas do país. Que atravessa agora uma realidade diferente daquela que viveu o ano passado, durante o primeiro confinamento.
Terra de agricultores que vivem da venda do que produzem, Torres Vedras sentiu o impacto da pandemia de forma distinta nos dois confinamentos. “Antes, as pessoas iam às lojas pequenas da aldeia comprar, mas agora, neste confinamento, já ninguém se preocupa com isso”, afirma ao jornal i Carlos Inácio. É produtor há mais de 17 anos e vende no mercado de abastecimento de Torres Vedras. Enquanto falava, arrumava as alfaces, as nabiças e os espinafres no palote para as voltar a colocar na carrinha depois de mais um dia de venda. Consciente que as coisas mudaram com a pandemia, queixa-se que muitos dos seus clientes eram pessoas mais velhas, com negócios locais, como mercearias e pequenos restaurantes, e deixaram de fazer as suas compras habituais. Carlos lamenta que muitos dos seus clientes “nunca mais voltaram” e confessa que a quebra nas vendas não só o afetou financeiramente como psicologicamente.
No mesmo mercado, mas numa outra banca, está João Dias Nunes, também produtor de alfaces, nabiças e espinafres. Há mais de 30 anos que cultiva e vende nos mercados a “grosso” em Torres Vedras e na Malveira. Tal como Carlos, sentiu diferença do primeiro confinamento para o segundo, principalmente no mercado da Malveira: “Aqui [Torres Vedras] não houve uma quebra exagerada, mas na Malveira nem vendemos metade do que vendíamos. Vendíamos muito para clientes que distribuíam para restaurantes, escolas e lares, para essas coisas, mas agora está tudo fechado e as pessoas não compram. Isto complicou-se um bocado”.
Manuela, mulher de João, partilha da mesma preocupação e acredita até que as coisas nunca mais voltarão ao que eram, apesar de arriscar dizer que “as pessoas perderam o medo”.
O mercado de abastecimento em Torres Vedras não é exclusivamente um ponto de venda para produtores. Grande parte dos vendedores deste mercado compra produtos a fornecedores para depois revender.
É o caso de Maria Gabriela Rodrigues e seu marido, que compram citrinos no Algarve para depois comercializarem em Torres Vedras. Para estes vendedores, os gastos acabam por ser superiores e com a quebra da compra por parte dos clientes a atividade não se torna rentável. Maria Graziela tem a mesma opinião que os seus colegas: o primeiro confinamento em março do ano passado foi bastante mais rentável. Confessa até que, num período inicial, “quase nem demos pela pandemia”. O mesmo não aconteceu neste confinamento. No período de um ano, agravou-se o desemprego no país e os relatos de pessoas que perderam o seu rendimento continuam a aumentar.
O medo da primeira vez
Para Maria Graziela, o aumento das vendas no primeiro trimestre de 2020 deveu-se em grande parte ao medo que as pessoas tinham em que os produtos acabassem. Agora, que já não existe esse receio e o novo confinamento fez aumentar de novo o desemprego, a vendedora acredita que “as pessoas gastaram o dinheiro todo o ano passado e agora não têm trabalho e não compram.”
Quando a 11 de março de 2020 foi decretada a pandemia do novo coronavírus pela Organização Mundial de Saúde, em todo o mundo assistimos a uma corrida desenfreada a bens de consumo. O desconhecimento do que estava a acontecer provocou na Humanidade o pressentimento de que os bens de primeira necessidade poderiam escassear. Esta falsa premissa fez disparar as vendas da maior parte dos produtores e vendedores da zona.
O mercado municipal de Torres Vedras – mais conhecido pelos torreenses como a “praça” – é o principal ponto de venda de agricultores da cidade. Todas as sextas-feiras e sábados, o mercado abre portas para vender produtos locais e regionais. Também aqui os comerciantes sentiram uma diferença entre o primeiro confinamento e o atual. Paula Santos, produtora de hortícolas e flores, fala em impactos diferentes nos dois confinamentos. No primeiro, a venda das flores caiu a pique. Paula explica que “os cemitérios fecharam e as pessoas passaram a consumir menos e aí estragou-se muitas flores. Lembro-me que as flores secas começaram a dar em maio e a produção ficou toda lá porque não consegui escoar nada, estava tudo fechado”. Por outro lado, vendeu mais produtos hortícolas e notou uma maior afluência de gente jovem no mercado. “Aqui a praça manteve-se sempre aberta e até teve um impacto engraçado: os nossos clientes são aquelas pessoas mais idosas, mas com o confinamento as pessoas mais velhas ficaram fechadas em casa e quem passou a vir ao mercado foram as pessoas novas, e são essas que nós queremos que venham cá”.
Clientes mais jovens
A produtora e florista recorda que muitos dos novos clientes a questionavam acerca do preço dos produtos por reconhecerem que eram muito baratos, “as pessoas não estavam habituadas a encontrar estes produtos e quando os encontravam tinham preços muito elevados”. Paula afirma ainda que “passámos a ver jovens que normalmente não comiam em casa e com o confinamento foram forçados a preparar refeições e ganhar outros hábitos, passaram a ter uma alimentação mais saudável”. Ainda assim, essa afluência ‘foi sol de pouca dura’, atualmente a florista lamenta que “depois do primeiro confinamento essas pessoas já não voltaram”.
Emília, também vendedora no mercado municipal, tem uma pequena produção há mais de 30 anos e este é o seu único ponto de venda. Além da produção de hortícolas, tem outros trabalhos. É proprietária de uma mercearia numa aldeia na Lourinhã e às vezes também faz serviços de limpeza, porque o “campo dá pouco”. Tal como os outros colegas de profissão, experienciou os efeitos negativos da pandemia. No primeiro confinamento, sentiu que houve alturas que as coisas “mexeram mais bocadinho” do que agora, e acredita que, “como as pessoas não queriam sair tanto para a rua e para tão longe, foi um bocadinho melhor”.
Ao ouvir a conversa, Maria Santos, outra produtora e comerciante no mercado municipal de Torres Vedras, reforça: “Sem dúvida que o primeiro confinamento foi muito melhor”.
O contraste de vendas entre o ano passado e este ano foi notado pela maioria dos comerciantes. O cultivo de produtos hortícolas não diminuiu, mas a procura decididamente sim. Sendo esta uma das principais atividades da região, o embate foi maior.
Produzir para exportar A horticultura é uma das atividades centrais da região Oeste. Existem cerca de 70 produtos agrícolas plantados nesta região. A batata, a couve, a cebola, a cenoura, o tomate, a alface, o feijão-verde, o pepino, a abóbora e o alho são os principais produtos cultivados nesta zona. Segundo a Associação Interprofissional de Horticultura do Oeste (AIHO), as culturas ao ar livre e de Inverno produzem cerca de 100 mil toneladas de couves – 70% é para exportação. Já o alho francês permite abastecer o mercado interno e só sobram 30% para exportação%.
Durante a primavera, a cultura predominante é a batata e a abóbora e mais de metade desta última é também exportada. O tomate ocupa 500 hectares na região e produzem-se cerca de 100 mil toneladas por ano, sendo que metade é exportado para Espanha. Estima-se que mais de metade da produção nacional de hortícolas é produzida na região Oeste.
Apesar dos números, a já de si difícil vida do campo é agora ainda mais agravada pela falta de clientes. Ainda que tenha sido um setor que nunca parou de trabalhar e de produzir, depende muitas vezes de outros serviços para escoar os seus produtos. Mais do que nunca, é essencial motivar a consumo dos produtos regionais é o que clamam os produtores e comerciantes locais.
*Texto editado por S.P.P.