“A pandemia está a afetar a saúde mental”
Abigail Huertas, psiquiatra do Hospital Gregorio Marañón, Madrid
Nos últimos dias começámos a ter sinais preocupantes dos efeitos da pandemia no equilíbrio psíquico dos portugueses. Ou de alguns portugueses.
Um deputado da nação, certamente farto de confinamento mediático, avançou para uma proposta radical: deite-se abaixo o Padrão dos Descobrimentos, símbolo do passado colonial, resultado das viagens marítimas dos portugueses nos séculos xv e xvi.
Para ele, aliás, o 25 de Abril teve uma falha: não houve mortos – no sentido metafórico, evidentemente.
Um grupo de personalidades de várias áreas decidiu escrever uma carta aberta apelando à comunicação social, concretamente às televisões, para terminarem com “o apontar incessante de culpados, os libelos acusatórios contra responsáveis do Governo e da DGS”, acrescentando mesmo que “não podemos admitir o estilo acusatório com que vários jornalistas se insurgem contra governantes, cientistas e até o infatigável pessoal de saúde por, alegadamente, não terem sabido prever o imprevisível”.
Portanto, os signatários da carta “não admitem o estilo acusatório contra governantes”. Ponto final!
A situação de pandemia, portanto, devia incluir, para além das medidas restritivas já conhecidas e que, na generalidade, são compreensíveis, talvez um guia de conduta jornalística, uma espécie de livro de estilo para situações de pandemia que, logo no primeiro parágrafo, deveria incluir a proibição de inquirir de forma acusatória os membros do Governo.
Respeitinho, portanto.
Uma petição para expulsar de Portugal o dirigente da SOS Racismo, Mamadou Ba, com o argumento de ter proferido “declarações caluniosas contra o militar mais condecorado da história portuguesa”, já foi assinada por cerca de 30 mil pessoas.
Independentemente de considerar que Mamadou Ba é um racista antirracista, tendo em conta que é um cidadão português, não vejo a lógica de exigir a sua expulsão. Para onde?
Argumentam uns que como tem dupla nacionalidade, senegalesa e portuguesa, lhe deve ser retirada a portuguesa porque ele “não se sente bem em Portugal, bem com a nossa cultura e valores”.
Aceitar este argumento é, certamente, abrir a caixa de Pandora e, ao mesmo tempo, escancarar as portas do racismo e da xenofobia.
Estamos, de facto, a ficar mentalmente afetados pelo confinamento. Fechados há demasiado tempo entre quatro paredes, é o nosso cérebro que parece confinar-se.
Samuel Beckett, o genial autor de À Espera de Godot, escreveu: “Todos nós nascemos loucos. Alguns permanecem”.
Jornalista