Abrir a caixa de pandora


Sabemos que o mundo mudou, a ânsia de voltar a ter as pessoas a circular como antes não nos pode levar a criar um monstro que nos faça arrepender no futuro.


Na última semana, à boleia do Conselho Europeu, regressou em força a discussão sobre a criação de “passaportes” europeus com informação sobre a vacinação COVID. Tenho os maiores receios quanto a isso e temo que seja o início de um caminho muito perigoso.

A História está repleta de casos que se revelaram inicialmente boas ideias, mas que rapidamente se transformaram em situações de exclusão, discriminação e xenofobia. A criação de um documento com este tipo de informação, apesar de parecer uma ideia positiva para dar confiança a setores relevantes como o turismo e segurança para os povos, poderá ser o princípio de um problema humanitário e tensão geopolítica à escala global.

Primeiramente, porque a vacina aparentemente não impede a infeção e depois porque não se sabe se de hoje para amanhã (esperemos que não) a evolução do vírus não leve à ineficácia das vacinas que já existem.

Em segundo lugar, as vacinas não chegarão a todos ao mesmo tempo e da mesma forma, o que significa que haverá muitos milhões de pessoas um pouco por todo o mundo que não terão acesso às vacinas tão cedo. Significará que, mesmo que nunca tenham sido infetadas e se encontrem totalmente saudáveis, poderão vir a ser impedidas de viajar porque não estão vacinadas?

Desenganem-se aqueles que acham que atrás disto não virão as restrições de acesso a estabelecimentos comerciais, ginásios, restaurantes e hotéis e restrições de acesso aos créditos e aos seguros, como já se vê acontecer, por exemplo, nas pessoas que tiveram cancro.

A seguir impedir-se-á a circulação a quem tem a vacina A ou B, porque não está aprovada pela agência B ou C. Impedir-se-á, de seguida, aqueles que têm a apetência genética para serem mais facilmente contagiados por vírus. Mais tarde, impedir-se-á as pessoas de determinada raça ou de determinado género, porque contraíram mais o vírus ou terão a apetência estatística para contrair mais o vírus. Em seguida, os loiros, os dos olhos pretos, os que só têm uma mão e por aí em diante.

Caminhar-se-á a passos largos para uma realidade em tudo idêntica aos filmes de ficção científica. Este caminho que começa aqui a ser trilhado irá acelerar as desigualdades no mundo e ou muito me engano ou não responderá de forma eficaz àquilo que pretende – garantir que o mundo voltará a funcionar como antes. Isso simplesmente não irá acontecer, sem a erradicação do vírus no mundo.

São muitas e intrincadas as questões éticas e morais quando se discute um tema desta dimensão, para não falar das questões constitucionais e legais, na Europa e em Portugal. Os tratados e a Constituição permitem a existência de um mecanismo deste tipo? A criação deste “passaporte” precisará de um esclarecimento muito grande e cabal quanto à sua utilidade e eficácia e um enquadramento muito rigoroso para a sua utilização.

Sabemos que o mundo mudou, a ânsia de voltar a ter as pessoas a circular como antes não nos pode levar a criar um monstro que nos faça arrepender no futuro.

Abrir a caixa de pandora


Sabemos que o mundo mudou, a ânsia de voltar a ter as pessoas a circular como antes não nos pode levar a criar um monstro que nos faça arrepender no futuro.


Na última semana, à boleia do Conselho Europeu, regressou em força a discussão sobre a criação de “passaportes” europeus com informação sobre a vacinação COVID. Tenho os maiores receios quanto a isso e temo que seja o início de um caminho muito perigoso.

A História está repleta de casos que se revelaram inicialmente boas ideias, mas que rapidamente se transformaram em situações de exclusão, discriminação e xenofobia. A criação de um documento com este tipo de informação, apesar de parecer uma ideia positiva para dar confiança a setores relevantes como o turismo e segurança para os povos, poderá ser o princípio de um problema humanitário e tensão geopolítica à escala global.

Primeiramente, porque a vacina aparentemente não impede a infeção e depois porque não se sabe se de hoje para amanhã (esperemos que não) a evolução do vírus não leve à ineficácia das vacinas que já existem.

Em segundo lugar, as vacinas não chegarão a todos ao mesmo tempo e da mesma forma, o que significa que haverá muitos milhões de pessoas um pouco por todo o mundo que não terão acesso às vacinas tão cedo. Significará que, mesmo que nunca tenham sido infetadas e se encontrem totalmente saudáveis, poderão vir a ser impedidas de viajar porque não estão vacinadas?

Desenganem-se aqueles que acham que atrás disto não virão as restrições de acesso a estabelecimentos comerciais, ginásios, restaurantes e hotéis e restrições de acesso aos créditos e aos seguros, como já se vê acontecer, por exemplo, nas pessoas que tiveram cancro.

A seguir impedir-se-á a circulação a quem tem a vacina A ou B, porque não está aprovada pela agência B ou C. Impedir-se-á, de seguida, aqueles que têm a apetência genética para serem mais facilmente contagiados por vírus. Mais tarde, impedir-se-á as pessoas de determinada raça ou de determinado género, porque contraíram mais o vírus ou terão a apetência estatística para contrair mais o vírus. Em seguida, os loiros, os dos olhos pretos, os que só têm uma mão e por aí em diante.

Caminhar-se-á a passos largos para uma realidade em tudo idêntica aos filmes de ficção científica. Este caminho que começa aqui a ser trilhado irá acelerar as desigualdades no mundo e ou muito me engano ou não responderá de forma eficaz àquilo que pretende – garantir que o mundo voltará a funcionar como antes. Isso simplesmente não irá acontecer, sem a erradicação do vírus no mundo.

São muitas e intrincadas as questões éticas e morais quando se discute um tema desta dimensão, para não falar das questões constitucionais e legais, na Europa e em Portugal. Os tratados e a Constituição permitem a existência de um mecanismo deste tipo? A criação deste “passaporte” precisará de um esclarecimento muito grande e cabal quanto à sua utilidade e eficácia e um enquadramento muito rigoroso para a sua utilização.

Sabemos que o mundo mudou, a ânsia de voltar a ter as pessoas a circular como antes não nos pode levar a criar um monstro que nos faça arrepender no futuro.