As eleições legislativas de 2019 demonstraram a apetência dos eleitores pelas novidades partidárias, sentando na Assembleia da República deputados de 3 novos partidos políticos e quadruplicando o número de deputados do partido que em 2015 obteve pela vez primeira uma cadeira em São Bento. O sistema partidário português fragmentou-se, depois de muitos anos de um trio que alternava à mesa governamental, com o PCP posto de fora e o Bloco, de mais recente criação, igualmente excluído. Os 4 partidos com assento parlamentar passaram a 5, depois a 6 em 2015 e são agora 9 (incluindo na conta a deputada eleita pelo Livre e que passou a não inscrita e descontando os Verdes).
A possibilidade de multiplicação dos partidos poderá continuar a partir das candidaturas autárquicas. A Constituição fundou uma democracia assente em partidos políticos e concedeu-lhes o exclusivo das candidaturas parlamentares. Os constituintes quiseram criar condições favoráveis à existência de partidos políticos concorrenciais, um elemento banido pelo Estado Novo, e afastar a possibilidade de atomização dos mandatos representativos (os deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos). Os partidos políticos medraram e mais rapidamente medraram os directórios partidários por via do poder de formação das listas partidárias fechadas (sem possibilidade de o eleitor alterar a ordem pela qual são propostos os candidatos), nunca tendo sido criados círculos uninominais.
Já nas autarquias locais a Constituição, logo no texto originário, quebrou o monopólio partidário e permitiu, para as freguesias, a apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores. Em 1997 a Constituição alargou esta possibilidade aos municípios.
Ao dia de hoje as câmaras municipais não partidárias, crismadas como “independentes”, são 17: Águeda, Anadia, Vizela, Estremoz, Borba, Redondo, Aguiar da Beira, Peniche, Oeiras, Portalegre, Vila do Conde, Porto, Vila Nova de Cerveira, São João da Pesqueira, Calheta, São Vicente e Ribeira Brava. Nesta lista há verdadeiros grupos de cidadãos eleitores “apartidários”, há trânsfugas dos principais partidos e há “independentes” que pela via autárquica já constituíram partidos políticos (é o caso do Juntos Pelo Povo, o 4.º maior partido em número de eleitores na Madeira).
O que aconteceria se os 17 municípios “independentes” federassem num partido político os diversos grupos de cidadãos eleitores? O Partido (Nacional) Municipal (PNM) seria um sério candidato a ocupar o 3.º lugar do pódio, logo atrás do PS e do PSD. A federação dos 17 magníficos não é fácil, dadas as diferenças programáticas, a natureza localista das agendas e a impossibilidade de acordo quanto à determinação de quem seria “o presidente da junta” (nacional).
Não obstante, PS e PSD decidiram dar uma ajuda à constituição de um PNM, tornando extraordinariamente difícil a apresentação de candidaturas de grupos de cidadãos eleitores nas próximas eleições autárquicas. Passou a ser muito mais fácil constituir um partido político do que as listas de cidadãos eleitores, passando estas a não ter direito às subvenções financeiras estatais concedidas aos partidos e à possibilidade de recuperação do IVA que incide sobre as despesas de campanha. A natureza ferozmente discriminatória da lei aprovada pelo novo Bloco Central escapou ao Presidente da República que a promulgou a coberto da estiagem de 2020.
Já este ano a Provedora de Justiça, atenta como sempre, suscitou a fiscalização sucessiva da inconstitucionalidade desta lei iníqua. A lei não fixa ao Tribunal Constitucional prazo para apreciar o pedido mas quer o PS quer o PSD anunciaram a vontade de corrigir o torto.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990