Imobiliário. Setor resiste mas até quando?

Imobiliário. Setor resiste mas até quando?


A poupança está a sustentar o financiamento ao setor imobiliário, mas o fim das moratórias pode trazer um problema posterior.


O ano não começa bem para as imobiliárias portuguesas: mais de 80% mostraram quebras nas transações e na procura de imóveis no mês de janeiro face ao período homólogo e mais de 70% admitem uma descida nestes indicadores. Os dados fazem parte de um inquérito da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP) que não tem dúvidas do significado destes valores: “Estes números são desanimadores e retratam as consequências do confinamento que entrou em vigor a 15 de janeiro, impedindo as empresas de mediação imobiliária de desenvolver a sua atividade normalmente, por não poderem realizar visitas presenciais”.

Além deste confinamento, o impacto da pandemia já é sentido: 71% dos profissionais garante uma quebra face ao mês anterior. Percentagem que sobe para os 84,8% quando se compara a igual período de 2019.

“Se no ano passado as empresas demonstravam algum otimismo, apesar das circunstâncias, em 2021 a fadiga e as dificuldades que enfrentam é espelhada nos resultados deste barómetro”, refere, em comunicado, Luís Lima, presidente da APEMIP. “Por um lado, a quebra da procura começa a ser notória, por outro as empresas continuam impedidas de fazer visitas e de desenvolver a sua atividade, o que se reflete no seu grau de otimismo para o desemprego do presente ano”, acrescenta o responsável.

 

Resiliência e moratórias

Mas se 2021 começa com o pé esquerdo, o ano anterior mostrou alguma resistência, tendo sido o imobiliário um dos setores que melhor resistiu à pandemia de covid-19. Os dados mais recentes da Imovendo apontam três principais fatores para esta resiliência. O primeiro prende-se com o facto de, apesar das moratórias, os bancos continuam a ter liquidez para continuar a financiar o mercado imobiliário, sendo que 2020 deve acabar com mais de 1200 milhões injetados em crédito à habitação. Este é o valor mais elevado dos últimos 12 anos.

Mas não só. Juntam-se, como justificação, as baixas taxas de juro que são convidativas a investimentos alternativos aos depósitos e ainda o facto de muitas famílias terem antecipado a decisão da mudança de casa.

Mas esta maior liquidez fornecida pelos bancos dos últimos 12 anos acontece numa altura em que o contexto de moratória alargada abrange mais de 500 mil famílias. O que poderá ser um problema para quando esse apoio terminar, em setembro deste ano.

A consultora explica que “não deixa de ser aparentemente surpreendente” o facto de nesta altura se ter continuado a assistir a um movimento “fortemente expansionista na concessão de novos créditos à habitação por parte das instituições financeiras”.

E é aqui que surge uma dúvida: “Como se explica este movimento se os bancos não estão a receber o valor das prestações dos créditos à habitação (devido às moratórias) e se atual conjuntura económica convida a uma maior precaução nos empréstimos?”

A Imovendo defende que a resposta é simples: “Pode ser explicada pelo facto de a pandemia ter assegurado uma liquidez não prevista aos bancos, pois as famílias, apesar de não estarem a pagar os créditos habitação, também não estão a consumir a níveis pré-pandemia, pelo que a sua poupança tem aumentado”, tal como o INE já tinha avançado no relatório de setembro.

“Mas a sustentabilidade do crescimento do crédito à habitação em contraciclo com o desempenho da economia pode igualmente ser explicado pelo facto de as taxas de juro estarem em mínimos históricos (e não existir previsão de inverterem esta tendência), pelo que o custo de emprestar com maior risco é também menor, bem como pelo crédito de cobrança duvidosa (sobretudo no crédito à habitação) se encontrar em valores mínimos históricos, em grande medida, sublinhe-se, devido às moratórias”, explica Manuel Braga, CEO da consultora.

Assim, o fim das moratórias “será apenas o primeiro passo para um círculo vicioso que necessita de ser previsto pois caso não o seja, as consequências para o mercado imobiliário serão extremamente gravosas, uma vez que o expetável aumento do crédito de cobrança duvidosa implicará um aumento das provisões constituídas pelas instituições financeiras, bem como um aumento do stock de imóveis entregues em dação em pagamento detidos pelos bancos”, alerta a consultora.

“Vamos ver um muito maior dinamismo do lado da oferta imobiliária e uma procura imobiliária muito limitada por falta de financiamento, o que se refletirá, pelas normais leis do mercado, numa contração dos preços e na mudança de paradigma do mercado que, até agora, tem estado a ser liderado pelos proprietários, dada a escassez de produto”, diz ainda Manuel Braga.

Assim, a Imovendo deixa um alerta e garante ser importante garantir que o fim deste apoio seja um processo gradual “de modo a não se correr o risco de inundar o mercado com oferta que não será absorvida em tempo útil e que pressionará ainda mais os preços para valores inferiores aos atualmente praticados” e que não terá como colateral a contração do financiamento da economia.

Se isso acontecer, é certo: “A resiliência do setor dificilmente conseguirá continuar a ser assegurada e o porto de abrigo que o imobiliário ainda é, deixá-lo-á de ser”.

 

Malparado

Recorde-se que, recentemente, a Moody’s projeta que o rácio de crédito malparado do sistema bancário português fique acima dos 9% no próximo ano. Este é um valor que fica muito acima dos 5,5% registados no terceiro trimestre do ano passado.

“De acordo com o nosso cenário base, esperamos que o rácio de crédito malparado para os bancos portugueses vá aumentar para acima de 9% em 2022, o que compara com o rácio mais recente de 5,5% no terceiro trimestre de 2020”, disse Pepa Mori, analista da agência de rating, durante a conferência “Tendências de Crédito – Oportunidades de Crescimento de Portugal pós-pandemia”.

Ora, a principal preocupação da agência no que diz respeito à banca nacional “é que a tendência de aumento da qualidade de ativos” registada antes vai “reverter agudamente quando as medidas de apoios aos tomadores de crédito que foram implementadas pelas autoridades terminarem”, como é o caso dos empréstimos com garantia pública e as moratórias.

“Atualmente, os bancos portugueses têm mais de 22% das suas carteiras de crédito debaixo de moratórias de pagamento, uma das mais altas da União Europeia”, alerta a analista, antecipando que “o aumento de crédito malparado só irá ficar totalmente visível depois desta data, se não for aprovada nenhuma extensão adicional pelas autoridades”.