23 de outubro de 1974: o FC Porto jogava pela primeira vez em Itália a contar para as Taças da UEFA, neste caso, precisamente a Taça UEFA. Alertados para o ambiente terrível do Estádio de San Paolo, em Nápoles, os portistas adotaram uma estratégia conservadora para poderem decidir a eliminatória na segunda mão, nas Antas, mas mesmo assim sofreram a bom sofrer, tendo a derrota tangencial ficado muito a dever ao guarda-redes Tibi, que fez uma exibição digna de todos os elogios.
Terceiros classificados da Série A na época anterior, atrás da campeã Lazio e da vice-campeã Juventus, os napolitanos tinham uma equipa equilibrada na qual se destacavam o internacional Burgnich, o ponta-direita brasileiro Mané, os avançados-centro Clerici e Ferradini e os reforços Giorgio Braglia, chegado do Génova, que jogava nos dois extremos, e Andrea Orlandini, um médio defensivo contratado à Fiorentina.
Ainda na fase de aquecimento, os portistas viram-se rodeados por uma confusão tremenda por via de umas centenas largas de adeptos napolitanos que forçaram os portões do recinto na tentativa de verem o desafio sem pagar. Ora, isso obrigou à intervenção dos carabinieri, que jogaram mão de granadas de gás lacrimogéneo e puseram em fuga muitos dos atrevidos.
Aymoré Moreira, o brasileiro que treinava o FC Porto, fechou-se nas suas tamanquinhas. Pouco afoito, deixou os movimentos de ataque entregues a Cubillas, Lemos e António Oliveira, reforçando a retaguarda com Simões, Murça, Vieira Nunes, Rodolfo e Rolando, sendo Adelino Teixeira uma espécie de faz-tudo, procurando simultaneamente ajudar o ataque e a defesa.
Fervente O Nápoles lançou-se sobre o seu adversário desde o primeiro minuto do encontro. Os jogadores pareciam fumegar como o Vesúvio, ali tão perto, e pressionavam em todos os metros quadrados de relva, não permitindo aos portugueses respirarem em condições. Aqui e ali, Oliveira e Cubillas iam tentando guardar a bola, arrefecer o ambiente, mas este era demasiado fervente, demasiado escaldante, e só seria possível gelá-lo com um golo que deixasse marcas indeléveis nos homens de azul-celeste.
Apesar de irem criando oportunidades com certa regularidade, Tibi mostrou-se à altura dos acontecimentos. Gabriel, por seu lado, era incansável no lado direito e, de cada vez que conseguia, esgueirava-se tentando ferir a ala esquerda adversária. Durante todo o primeiro tempo, a pressão napolitana apertava a defesa do FC Porto como um torno. Por mais de uma vez surgiu a sensação de que esta iria ceder e cair em derrocada. Mas não. Coragem a rodos, poder físico, atenção constante. O intervalo chegou com 0-0 no marcador e Aymoré mostrava-se contente com o que tinha visto até aí.
Sentindo algum desânimo por parte dos italianos, o técnico brasileiro resolveu arriscar um pouco. Foi fatal. Com o cinismo próprio das equipas que se sustentam em táticas estudadas ao milímetro, o Nápoles marcou por Orlandini logo aos 11 minutos do segundo tempo. O vulcão de San Paolo estremeceu com a alegria do golo. Com a vantagem na mão, havia mais segurança e menos exigência em termos ofensivos. Matreiro, outro treinador brasileiro, Luís Vinício, este sentado no banco napolitano, decidiu resguardar-se e oferecer ao opositor mais espaço de forma a poder explorar os contra-ataques.
Seninho e Abel entraram para os lugares de Rodolfo e de Oliveira. Mas a teia estava montada e preparada para tudo. O 1-0 não se moveu. Ficava o assunto para resolver nas Antas. Mas o dia 6 de outubro não trouxe alegria aos adeptos que demandaram o velho e nobre estádio. Fechado junto à sua baliza, o Nápoles defendeu-se com unhas e dentes. Nem um remate de Abel à barra fez estremecer o conjunto. E à beirinha do fim, aos 86 minutos, Clerici fez o golo que repetia o resultado da primeira mão. O adeus foi doloroso. Itália tinha sido madrasta.