1. É bem verdade que o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. O plano de vacinação contra o vírus chinês e as suas variantes é um bom exemplo. A confusão só não é total porque há escassez de vacinas, o que sempre minimiza as trapalhadas e permite ao vice-almirante Gouveia e Melo vir à superfície respirar e voltar a emergir, em melhores condições. Um sinal dos tempos contraditórios que vivemos foi a circunstância de o Presidente da República ter levado a primeira toma da vacina covid sem uma mera foto, ao contrário do estardalhaço feito quando recebeu a da gripe. Esperemos que na segunda dose haja registo, nem que seja por pedagogia. Outro exemplo é o que se passa no Parlamento com os que querem, os que não querem, os que já foram vacinados ou os que não foram mas deveriam ter sido. É, em pequena escala, um paradigma da confusão nacional. Ferro Rodrigues é um poço de contradições e mostra profunda falta de sentido de Estado, mais uma vez. No meio disto há milhares de prioritários a ficarem para trás, mas temos a satisfação de ver que, pelo menos aparentemente, desde que os militares intervieram se vão afinando os critérios. Por isso já valeu a pena entregar-lhes a liderança do processo. Os números estão a descer a pique, por força do confinamento que se vai respeitando, tornando óbvio que escolas e transportes eram grandes locais de transmissão. O mau tempo tem ajudado e era bom que perdurasse mais um pouco. O desconfinamento e a primavera são períodos críticos a exigirem grande profilaxia. Finalmente chegou cá a ideia de que é preciso testar, testar, testar… levou um ano. Perdeu-se tempo e vidas.
2. Estuda-se a emissão de uma espécie de passaporte ‘covid-free’ válido internacionalmente. A matéria é complexa. Há que ver quem emite e quem certifica. Mas não haja dúvida de que Portugal teria interesse no assunto porque é um país de turismo. Não se percebe a razão de estarmos tão retraídos a respeito do assunto, logo agora que temos a liderança europeia, podendo condicionar.
3. O Presidente da República esteve presente no funeral de Marcelino da Mata, o oficial português mais condecorado. Fez bem. Há heróis de todos os campos, de todas as cores, de todos os credos, de todas as guerras, sejam justas ou não, pertencendo a vencedores ou vencidos. Marcelino da Mata foi herói e vilão de dois processos históricos. Muitas vezes se viu os terroristas e independentistas de um tempo serem depois proclamados fundadores de nações e como tal venerados. Em Portugal, Marcelino da Mata deve ser lembrado como um combatente, mesmo que de uma guerra injusta e inglória que levou a excessos de uma violência desnecessária que ele próprio, lamentavelmente, protagonizou.
4. A justiça portuguesa chega a ser patética. Veja-se: agora que o monstro arquitetónico chamado Hospital CUF Tejo está concluído e a entrar ao serviço, Manuel Salgado, ex-vereador da Câmara de Lisboa e elemento decisivo na aprovação do projeto, foi constituído arguido, juntamente com mais uns quantos cidadãos ligados à autorização e construção, um dos quais o arquiteto responsável. Salgado, entretanto, saiu da câmara para a Lisboa Ocidental SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana, mas demitiu-se destas funções, com a concordância de Fernando Medina. Há muitas coisas que não batem certo nesta história. É o caso do volume da obra mas, sobretudo, a sua localização, visto que noutro sítio podia não ser um mamarracho. Logo que se soube do projeto e no início dos trabalhos, este atentado urbanístico foi denunciado. No entanto, esperou-se que estivesse concluído para constituir arguidos. Estão a tomar-nos por mentecaptos, porque é certo que o edifício não vai ser demolido ou reduzido. Há tempos sucedeu exatamente o mesmo com o prédio da Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, onde está sediada a PLMJ e serviços da Via Verde. E pensar que, às vezes, a Polícia Municipal aparece por causa de uma varanda que está a ser fechada…
5. Rui Rio quer adiar as autárquicas, mas o PS não. Rio apresenta argumentos válidos, mas controversos. Um deles é que, ao atirar as eleições de setembro/outubro para novembro/dezembro, o plano de vacinação estará mais adiantado. Faz sentido. Mas, por outro lado, novembro e dezembro são mais frios e perigosos para a covid e não se sabe o tempo de efeito da vacina. Rio pode estar a utilizar este pretexto por não ter ainda candidatos para os grandes centros. Lisboa, nada até ver. Coimbra, nada até ver. Porto, nada até ver. Em Oeiras, Isaltino não quer ir pelo PSD. Enfim, um rol de dificuldades que poderiam ser resolvidas com mais tempo, para tentar ultrapassar a inevitabilidade de Rio ter de apoiar Isaltino e, sobretudo, Rui Moreira, que agora não suporta.
6. PSD e PS avançaram entretanto com uma lei para tramar administrativamente os candidatos independentes. Ao criar uma enorme burocracia aos não partidários (ou trânsfugas), pretende-se afastá-los, em benefício dos partidos legalizados. Por definição, os partidos podem apresentar candidatos com muito pouca papelada. A estratégia de estrangulamento tem sido desenvolvida no PSD por vários quadros. Um é Hugo Carneiro, um recurso de Rui Rio para operações especiais que fazem sangue político e laboral. Carneiro executa-as sem rebuço ao ponto de, na recente restruturação do PSD, ter cortado vencimentos a gente que não era aumentada há dez anos, enquanto mantinha uns amigalhaços-fantasma na lista de pagamentos do Parlamento. Claro que o trabalho foi encomendado à Deloitte, para lhe dar um ar tecnocrático. Com este zeloso e dedicado comportamento, este político pode ir longe, sobretudo quando se sabe que é quadro do Banco de Portugal. Certas fontes temem que possa chegar a administrador, fazendo essencialmente carreira política, e não técnica. Há perfis de bastidores que vão longe. Curiosamente, ou talvez não, Carneiro chegou a ser um entusiasta de Rui Moreira. Coisas da política e dos casacos que ela obriga alguns a vestir.
7. O partido que mais pode beneficiar deste combate contra os independentes é capaz de ser a Iniciativa Liberal, uma força moderada, abrangente, com expressão e representatividade no Porto. Na Invicta residem alguns dos seus dirigentes e fundadores, como Mayan Gonçalves, e pontifica Rui Moreira. Lá está uma aliança que pode passar de improvável a bem possível…
Escreve à quarta-feira