A perceção democrática no mundo


O calcanhar de Aquiles do desempenho da democracia portuguesa reside, essencialmente, na ausência de interesse pela política, na falta de respeito pela classe política e prioridades.


O “Democracy Index 2020” é um estudo realizado pela revista The Economist que analisa, quantifica e, consequentemente, qualifica o estado da democracia em 165 estados, avaliando cinco categorias: o processo eleitoral e pluralismo, o funcionamento do governo, a participação política, a cultura política e as liberdades civis. Baseado na pontuação que cada estado obtém em cada uma destas categorias, cada país é então classificado com um dos quatro tipos de regime: democracia plena, democracia imperfeita, regime híbrido ou regime autoritário. Portugal obteve uma pontuação geral de 7.90 em 10, o que determinou a classificação de democracia imperfeita. A par com a França, caímos para esta categoria, depois de em 2019 termos alcançado o estatuto de democracia plena.

Por democracias plenas – são 23 países no total, a ter esta classificação – entende-se que são todos os países que respeitam as liberdades políticas mais elementares, bem como as liberdades civis, evidenciando uma tendência favorável ao florescimento da democracia, apoiada por uma cultura política saudável. Nestas democracias, o funcionamento do governo é satisfatório, os órgãos de comunicação social são independentes e diversos, o sistema judicial é autónomo e as decisões judiciais são cumpridas. Já as democracias imperfeitas – o número aumenta para 52 países com estas caraterísticas – apresentam fraquezas ao nível da governação, revelam uma cultura política pouco desenvolvida e os níveis de participação política são baixos. Segundo este relatório, Portugal apresenta alguns destes sintomas que o caraterizam como democracia imperfeita. Neste grupo podemos encontrar países como Itália, Malta, Chipre, Bélgica, Grécia e Turquia.

Relativamente a cada uma das categorias, Portugal obteve 9.58 pontos no processo eleitoral e pluralismo, 7.5 no funcionamento do governo, 7.5 na cultura política, 8.82 nas liberdades civis e 6.11 na participação política. Verificados os parâmetros que determinam esta descida, confirma-se que a fraca participação política é a responsável maior por esta despromoção. Bastava termos a classificação mínima dos restantes parâmetros, que foi de 7.5, para ascendermos ao patamar das democracias plenas, ultrapassando países como a Áustria e a Espanha.

O calcanhar de Aquiles do desempenho da democracia portuguesa reside, essencialmente, na ausência de interesse pela política, na falta de respeito pela classe política e nas prioridades que cada cidadão impõe na sua gestão quotidiana. Uma democracia que sofra de apatia e de abstenção está doente e o seu destino será definhar lentamente, tal e qual uma doença terminal que não tem cura. Senão, atentemos nas taxas de abstenção nos variados atos eleitorais: em 2006, a taxa de abstenção nas eleições do Presidente da República cifrou-se nos 38,5%, sendo que nos três atos eleitorais seguintes foi aumentando, tendo atingido os 53,5% nas eleições de 2011 e os 51,3 em 2016 (não considero a taxa de abstenção das últimas eleições, 60,8%, pelo carater excecional em que se desenrolaram). Nas eleições legislativas observamos o mesmo agravamento, partindo de uma taxe de abstenção de 35,6% em 2005, para terminarmos com 51,4% de abstenção nas eleições para o Parlamento, em 2019; nas eleições autárquicas, que se entendem ser de proximidade e com maior vínculo com os cidadãos, registou-se uma taxa de abstenção nacional que rondou os 45%; e para finalizar este quadro negro, elenque-se a taxa de abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu, que traduz a ausência de quase 70% dos portugueses (Pordata).

Já conhecemos os argumentos esgrimidos pelos opinion makers, que remetem toda e qualquer responsabilidade para a classe política e que esta provoca, direta e proporcionalmente, o desinteresse e o afastamento dos eleitores no dia em que se decide o essencial do futuro das políticas públicas para o curto e médio prazo. Uma atribuição de responsabilidade que deveria ser partilhada entre eleitos e eleitores, já que os primeiros derivam dos segundos.

Há muito que a democracia de assembleia, tal como a conhecemos dos relatos históricos de Atenas, já não está entre nós. Evoluiu para a democracia representativa que tão bem conhecemos da fundação dos Estados Unidos da América e se espalhou por vários estados, como o modelo mais consistente e aperfeiçoado de democracia. Hoje, essa democracia mesclou-se com novos contrapoderes, que emanaram da sociedade, à medida em que o espaço público vai sendo aberto e acessível a todos os cidadãos. O sufrágio deixou de ser o instrumento, por excelência, para eleger os representantes políticos, sendo que os eleitos estão sob uma nova mira – a da legitimidade flutuante. Para esta nova forma de democracia monitorial concorrem todos os atores do espaço público, credenciados ou não: bloguers, grupos de opinião, colunistas, empresas de sondagens…

A morte da democracia parece ter um fim anunciado, mas no seu funeral estarão os cidadãos a fazer as despedidas e a lamentar as visitas que não fizeram quando a velha e imperfeita democracia ainda se encontrava moribunda e a respirar.

 

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