Chamaram-lhe, para começar, o Jogo dos Campeões. “Não se podia exigir mais e melhor para o fecho do Campeonato de Lisboa do que um Benfica-Sporting, valorizado pela posição com que os dois grandes do futebol nacional se fixaram na tabela da classificação ao atingir-se o termo do campeonato”, sublinhava um cronista. “É uma rivalidade que não cansa, que dá bem a medida do valor dos leões e encarnados no nosso desporto. Uma multidão galvanizada pelo aspeto sempre emotivo que estes jogos sempre despertam rodeou todo o campo. De princípio, apenas só o rumor da gente que se acomoda, que fala do jogo, que estabelece prognósticos… e algumas apostas. Depois aquela massa de gente comprime-se e ouvem-se os primeiros aplausos quando um jogador põe o pé no terreno. O encontro era decisivo. Por isso não admira o fator de muito antes das 15h se encontrar o campo do Benfica cheio de ponta a ponta”.
O ambiente no Sporting não era bom.
Cândido de Oliveira nunca escondeu o seu benfiquismo. Nem quando deixou o Benfica para fundar a equipa de futebol do Casa Pia.
As últimas vitórias sofridas dos leões tinham deixado alguns dos seus dirigentes à beira de uma crise de nervos.
Havia pelos corredores do Lumiar uma surda lamentação por não se estar a repetir o passeio tranquilo do campeonato da época anterior.
Como sempre acontece nos momentos de inquietação e descrédito, os murmúrios tornam-se audíveis, as insinuações ganham foros de autenticidade, os boatos têm pasto para o seu crescimento devastador.
O sussurro tantas vezes repetido chega aos ouvidos de Cândido de Oliveira: há um dirigente que o acusa de estar a deixar fugir o campeonato para o Benfica; o jogo do Campo Grande está decidido à partida – o treinador do Sporting dará todas as possibilidades de vitória ao clube do seu coração em detrimento do clube para o qual trabalha.
A acusação é torpe.
Cândido de Oliveira sente-se traído, abandonado.
Refugia-se nos jogadores: incentiva-os, dinamiza-os, dá-lhes confiança, transmite-lhes ganas de vitória.
O triunfo de Cândido 22.a jornada. Dia 25 de abril de 1948. Estádio do Campo Grande. O Sporting alinha: Azevedo; Moreira, Cardoso e Juvenal; Canário e Veríssimo; Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano. O Benfica tem Contreiras; Félix Antunes e Jacinto; Joaquim Fernandes, Francisco Moreira e Francisco Ferreira; Rogério Pipi, Corona, Espírito Santo, Arsénio e Julinho. Equipa de respeito.
Do outro lado, os Cinco Violinos estão prontos para o combate. Até final do campeonato, até final da época, estarão, todos eles, à disposição do seu treinador.
O jogo foi rijamente disputado. Palmo a palmo.
Mas o Sporting foi sempre mais forte.
E Peyroteo foi tremendo!
Aos 35 minutos faz 0-1; aos 41, 0-2.
O leão sente que o comando do campeonato está ao seu alcance. Que pode atingir não apenas a vitória como superar a diferença de golos sofrida em casa na primeira volta, quando se vira derrotado por 1-3.
Peyroteo outra e outra vez: 0-3 aos 58 minutos; 0-4, aos 69. Espírito Santo ainda reduz aos 75 minutos. De nada serve ao Benfica. A vitória do Sporting é retumbante: 4-1.
O leão está na frente do campeonato nacional, por um golo – chamaram-lhe, então, o Campeonato do Pirolito. Por causa da garrafa que dava uma bolinha de vidro. Uma bolinha bastara para fazer a diferença a favor do Sporting.
No final do encontro, Cândido de Oliveira demite-se. Não admite a desconfiança a que foi sujeito. Voltará atrás na decisão uns dias mais tarde, perante o pedido de desculpas do dirigente ingrato que pusera em causa a sua dignidade. O final de época seria em crescendo até ao título.