Ensinar e aprender à distância  – o que aprendemos com a covid-19

Ensinar e aprender à distância – o que aprendemos com a covid-19


A transição para um ensino totalmente à distância não deverá fazer parte dos projetos de futuro de um ensino superior de qualidade, formador, democrático e inclusivo.


A pandemia de covid-19 colocou à prova todo o sistema de ensino-aprendizagem e lançou desafios inéditos, em forma, conteúdo e escala, às instituições de ensino superior (IES). Da conjugação entre o desejável e o possível surgiu um novo conceito de “sala de aula” que, gradualmente, todos fomos acolhendo. No caso das aulas teóricas, de natureza expositiva, a transição para o online ocorreu de forma pacífica; no que toca às aulas práticas, muitas foram as alternativas exploradas, mais ou menos dinâmicas, mais ou menos interativas, mas a conclusão foi praticamente unânime: esta tipologia de aulas funciona melhor presencialmente. Por fim, verificou-se que os maiores contributos para a manutenção da qualidade do ensino foram, em primeiro lugar, o forte investimento na produção de materiais de apoio às aulas e complementares ao estudo, e, em segundo, a flexibilização da aprendizagem, com aulas gravadas e sessões de dúvidas mais frequentes e participadas.

Quanto à avaliação remota, as questões levantadas foram outras. É consensual que o vasto leque de plataformas à disposição abre a porta para tipologias de avaliação menos convencionais. Quando aliada a uma responsabilização do aluno, esta possibilidade é vista com bons olhos, tratando-se de um excelente mecanismo para fomentar a avaliação contínua e, por consequência, uma aprendizagem mais consolidada, uma melhor distribuição da carga de trabalho ao longo do semestre e uma obtenção mais rápida de feedback por parte do corpo docente. Contudo, e uma vez que houve aspetos operacionais que não estavam totalmente dominados, o potencial destas avaliações não se cumpriu em pleno. Além disso, estes constrangimentos técnicos acabaram por colocar uma pressão adicional sobre os estudantes, inexistente em avaliações presenciais, que acabou por condicionar a sua performance.

Além das oportunidades que surgiram no campo pedagógico, houve também uma aproximação enorme da universidade à comunidade. Muitas foram as iniciativas de combate à pandemia em que o Técnico se envolveu – da realização de análises à covid-19 até à produção de viseiras e kits de zaragatoas, passando pela elaboração de mapas de risco e de modelos de simulação da propagação da pandemia. O envolvimento dos alunos nestes esforços foi fundamental, ajudando à confirmação de que a academia continua a ser uma peça-chave para dar respostas aos desafios do seu tempo e uma alavanca estratégica para o desenvolvimento e progresso da sociedade. Nisi utile est quod facimus stulta est gloria (1) – se não for útil aquilo que fazemos, a glória é vã.

Mas tal como foi motor para a inovação pedagógica e para o reforço do diálogo entre a universidade e o país, a experiência recente também expôs muitas das debilidades do sistema. Tornou-se evidente a falta de recursos existentes nas IES, seja do ponto de vista humano, material ou infraestrutural. Desde a falta de equipamento para transmissão e gravação de aulas até à escassez e debilidade de muitos espaços, muitas foram as fragilidades encontradas, revelando uma falta de meios que denuncia um atraso para as nossas congéneres europeias e internacionais. Os dilemas éticos e a fraude académica também estiveram na ordem do dia e implicam uma reflexão profunda sobre fatores culturais e societais, não existindo soluções fáceis ou evidentes neste campo. Adicionalmente, a restrição das interações sociais e do convívio entre pares comprometeu, em grande medida, a vivência do ambiente fértil e fervilhante da universidade, limitando a experiência do 2.o semestre. Finalmente, e não obstante tudo o que foi elencado, o maior perigo desta experiência é o condicionamento da ideia de escola como espaço democrático e potenciador de uma sociedade mais igualitária, uma vez que a qualidade do ensino e da aprendizagem ficam, em grande medida, dependentes das condições que cada um tem em casa. Desta forma, um regime puramente online pode comprometer o direito constitucional a uma educação que “contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais (…) para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva” (2). No momento que enfrentámos, foi o caminho possível – e com os meios que tivemos, o desafio foi ultrapassado –, mas a transição para um ensino totalmente à distância não deverá fazer parte dos projetos de futuro de um ensino superior de qualidade, formador, democrático e inclusivo.

O esforço colocado na adaptação para o ensino à distância foi colossal e não foi em vão. As lições aprendidas neste período criaram a expetativa de uma reforma estrutural nas IES – a sua evolução dependerá, em grande medida, da nossa capacidade de adaptação. É necessário integrar as novas metodologias pedagógicas assimiladas por força das circunstâncias, consolidando a via do digital e incorporando o e-learning como ferramenta complementar à formação dos alunos. Há que repensar os métodos de avaliação utilizados e a organização dos espaços físicos, apostar na literacia digital e promover a aprendizagem autónoma e a responsabilidade do estudante. Este deve ser o novo normal.

A incerteza destes tempos torna difícil, se não mesmo impossível, prever os desafios que o futuro nos reserva. E para os enfrentar, a sociedade contará com a academia e com os seus formados – nós, os alunos do séc. xxi.

(1) Fábulas III, 17, 12 (Fedro).
(2) Constituição da República Portuguesa (n.º 2 do artigo 73.º)

 

Aluna do Instituto Superior Técnico,
Vice-presidente do Conselho Pedagógico