SMN. Subida volta a estar hoje em cima da mesa com patrões de costas voltadas

SMN. Subida volta a estar hoje em cima da mesa com patrões de costas voltadas


Governo apontou para um aumento de 23,75 euros, mas poderá subir 30 euros. Empresários apontam pandemia como motivo para não haver alterações.


O aumento do salário mínimo para entrar em vigor no próximo ano volta a estar hoje em cima da mesa. O tema vai ser discutido entre o Governo e os parceiros sociais, mas está longe de gerar consenso. O Executivo avançou, na proposta de Orçamento do Estado para 2021, para um aumento de 23,75 euros, mas a ministra do Trabalho já mostrou disponibilidade para ir mais longe e tudo indica que pretende arredondar para 30 euros. Para isso, está disponível para ajudar as empresas nessa diferença, o que poderá passar por apoios à tesouraria ou por eventuais medidas de caráter fiscal.

No entanto, a opinião junto dos empresários têm sido unânime: a atual crise provocada pela pandemia dificulta a existência de qualquer subida. Ainda este fim de semana, o presidente da Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP) defendeu que este não é o momento certo para mexer no salário mínimo ou poderá estar no horizonte um agravamento do desemprego.

Também para o patrão dos patrões não há dúvidas: tem de existir “razoabilidade e bom senso” no tema da subida do salário mínimo. De acordo com o presidente da CIP, a prioridade deve ir ao encontro da “manutenção dos postos de trabalho”, com a economia a cair.

O mesmo argumento é usado pelo presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, que já veio considerar que seria “um erro” mexer nos atuais valores. “Na CCP temos o setor automóvel, o software, um conjunto de setores para os quais isto não é decisivo, os próprios transportes de passageiros e mercadorias, etc. Mas tudo o que sejam serviços ao consumidor, empresas de mão-de-obra intensiva que prestam serviços às empresas, como limpezas e segurança, nesses setores, isto tem um grande impacto. Num universo de PME, as mais frágeis são as que têm mais hipóteses de estourar”, disse João Vieira Lopes.

A opinião vai ao encontro da do presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), que defende que “não é razoável” aumentar o salário mínimo no início do próximo ano, como pretende o Governo, argumentando que qualquer aumento de custos para as empresas do setor do turismo irá atirá-las para o “precipício”. Francisco Calheiros admite, no entanto, que poderá ser feita uma revisão a meio do ano, consoante a evolução da economia.

Este foi um dos temas que estiveram em cima da mesa há cerca de 15 dias, quando as confederações da indústria, comércio, turismo e agricultura estiveram reunidas com António Costa para reafirmar a sua oposição ao aumento previsto do salário mínimo, sem antes ter passado pela discussão entre os parceiros sociais. As associações apontaram ainda o dedo ao modo como tem funcionado a Concertação Social apontando o dedo às “frequentes alterações” de calendário das reuniões e aos “prazos mínimos” concedidos para análise de documentos relevantes.

Em causa estão alguns dos recentes pacotes legislativos apresentados pelo Governo – como a moratória da caducidade dos contratos, o teletrabalho e o regime de layoff simplificado – que, para os patrões, não foram suficientemente debatidos em sede de concertação.

Estes argumentos não convencem os sindicatos. A UGT, que defende um aumento de 35 euros (ou seja, de valor idêntico ao de 2020), referiu que à questão do aumento do salário mínimo, “os empregadores responderam com um rotundo não”. Já a CGTP tem defendido que o salário mínimo atinja o patamar dos 850 num curto espaço de tempo, objetivo reiterado ontem por Isabel Camarinha, que salientou a necessidade de aumentar o poder de compra dos trabalhadores.

Meta Apesar de ainda não ser conhecido o valor do aumento do salário mínimo nacional (SMN) para 2021, António Costa mantém a meta de atingir os 750 euros até ao final da legislatura. Para já, o primeiro-ministro comprometeu-se, esta quarta-feira, com um “aumento significativo” para 2021 e garante que ele representa um “sinal de confiança em quem trabalha”. No entanto, os empresários apontam a pandemia como justificação para não haver aumentos para o próximo ano.

Os analistas contactados pelo i admitem que, para 2021, a subida será ligeira. “O Governo de António Costa pretende atingir os 750 euros no final da legislatura. O aumento do salário mínimo em Portugal parece, então, ser uma realidade, mas o aumento para o próximo ano poderá ser ligeiro”, diz Henrique Tomé. O analista da XTB lembra que “anteriormente, o Governo já tinha manifestado a intenção de aumentar em cerca de 25 euros no próximo ano, mas indo contra as perspetivas dos partidos da coligação. E esse valor acaba por se tornar o mais realista neste momento”.

E chama a atenção para o facto de 2020 “ter sido um ano atípico e preenchido com incertezas e surpresas a nível económico, não apenas no contexto nacional, mas também a nível internacional. “O Governo acabou por ter de alterar o seu plano orçamental devido às consequências que a pandemia provocada pela covid-19 acabou por criar na economia portuguesa e que fizeram com que o Estado tivesse sido muito mais interventivo na economia neste ano, de forma a conseguir dar apoio às empresas e famílias portuguesas”. Ainda assim, lembra que “esses esforços feitos pelo Governo de António Costa poderão ter consequências noutros aspetos e em promessas que foram feitas ao longo do seu mandato, e as prioridades iniciais poderão ter mudado devido à pandemia, que continua a ensombrar a economia do país”.

Também Nuno Caetano lembra que o SMN tem vindo a aumentar nos últimos anos; no entanto, considera que “continua insuficiente para as necessidades reais dos portugueses”, acrescentando que os “750 euros prometidos agora por António Costa continuam a ser insuficientes”. E vai mais longe: “Cerca de 25% dos trabalhadores em Portugal auferem o salário mínimo de 635 euros, e é inadmissível que, entre TSU e impostos sobre o consumo, 25% do seu rendimento fique nos cofres do Estado”, refere ao i o analista da Infinox.

De acordo com o responsável, seria desejável “o Governo rever as políticas fiscais tanto para os cidadãos como para as empresas, para que os empresários e os trabalhadores se sintam motivados a arriscar e a produzir, pondo o motor da economia a trabalhar bem oleado, promovendo assim o crescimento económico de Portugal. O Estado deve ser sempre um facilitador, e não um obstáculo ao desenvolvimento económico”. E lembra que há países, como a Eslovénia, que já tem um salário mínimo superior em 200 euros ao nacional, ou a vizinha Espanha, com mais 370 euros que em Portugal. Esta situação, segundo o analista, “faz com que os habitantes desses países tenham um poder de compra substancialmente superior aos portugueses. Basta analisar a evolução do poder de compra dos cidadãos destes países nos últimos 20 anos e perceber o que eles fizeram e o que não foi feito em Portugal”. Feitas as contas, segundo Nuno Caetano, “há sete países na Europa com um salário mínimo superior a 1500 euros, o dobro do prometido agora por Costa”.