África esquecida


No final, prevalece o drama das populações exterminadas pelo novo nome do holocausto em terras de Moçambique.


Há dias, um amigo meu ligado a missões humanitárias naquele país e que adotou um menino moçambicano a quem dedica o afeto de pai, interrogava-se sobre o silêncio de um drama pungente que caiu sobre terras do interior daquela nação soberana.

A violência armada em Cabo Delgado, norte de Moçambique, está a provocar uma crise humanitária com cerca de duas mil mortes e 500 mil pessoas deslocadas, sem habitação nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.

A província onde avança o maior investimento privado de África, para exploração de gás natural, está desde há três anos sob ataque de insurgentes e algumas das incursões passaram a ser reivindicadas pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico desde 2019.

África é motivo para cimeiras regulares e declarações de amizade reiterada nos salões internacionais que, perante o holocausto localizado em Cabo Delgado não permite confirmar estas intenções.

A realidade é outra.

Dia a dia se desvanece a presença do Estado moçambicano na sua impotência para fazer face a dois tipos de problemas.

Em primeiro lugar a teorização e ensino do islamismo desde há anos naquele país, apresentando agora gerações na idade adulta que dela fazem uma tradução e interpretação bélicas.

Para esta compreensão histórica Eric Morier-Genoud propõe olhar para trás para encontrar explicações para este fenómeno. “O Islão tem uma presença muito antiga em Moçambique, particularmente na costa e nas zonas Norte do país. Existiram vários sultões e xeiques antes de Portugal ocupar o território no final do século XIX”, escreve num artigo de 2017 publicado no site de notícias independente The Conversation.

Logo depois e em simultâneo, uma notória guerra pelos bens que o subsolo oferece e a riqueza cuja repartição foge ao controlo das autoridades.

Mocímboa da Praia e Palma, locais onde se iniciou a vaga de violência, estão a apenas 80 quilómetros das reservas de gás que estão a começar a ser exploradas por empresas como a Eni, ExxonMobil e a Anadarko.

Mas em todo este quadro releva o silêncio e inação da CPLP e dos PALOPS enquanto entidade política buscando uma atuação conjunta em problemas comuns.

O quadro geral de instabilidade política e económica das novas realidades nacionais em África, nos territórios onde se fala português, poderia ter nestas organizações um papel relevante, se não por intervenção instrumental no terreno por notória carência de meios, todavia com larguíssimo espaço político para organização de ajuda militar e humanitária, no quadro da nossa integração na União Europeia.

Os apelos que chegam de personalidades da Igreja e de outros setores da sociedade, bem como o drama das vítimas da guerra pelo controlo de vastas zonas ricas em subsolo mineral, constituem interpelação directa em primeiro lugar à política interna e aos líderes daquele país, mas não podem deixar indiferentes os que guardam a tradução prática de uma ideia de história comum e obrigação de solidariedade do nosso país no quadro dos Palops.

A indiferença é talvez a nota mais chocante desta situação que se vive em Moçambique, com instituições internacionais tão concertadas em objetivos de natureza prolongada no tempo como as questões climáticas e depois praticamente inertes e rigidificadas perante uma tragédia que tanto diz aos portugueses, perante a necessidade de ajuda política, económica e militar urgente aquela província.

Mas, no final, prevalece o drama das populações exterminadas pelo novo nome do holocausto em terras de Moçambique.

 

Jurista


África esquecida


No final, prevalece o drama das populações exterminadas pelo novo nome do holocausto em terras de Moçambique.


Há dias, um amigo meu ligado a missões humanitárias naquele país e que adotou um menino moçambicano a quem dedica o afeto de pai, interrogava-se sobre o silêncio de um drama pungente que caiu sobre terras do interior daquela nação soberana.

A violência armada em Cabo Delgado, norte de Moçambique, está a provocar uma crise humanitária com cerca de duas mil mortes e 500 mil pessoas deslocadas, sem habitação nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.

A província onde avança o maior investimento privado de África, para exploração de gás natural, está desde há três anos sob ataque de insurgentes e algumas das incursões passaram a ser reivindicadas pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico desde 2019.

África é motivo para cimeiras regulares e declarações de amizade reiterada nos salões internacionais que, perante o holocausto localizado em Cabo Delgado não permite confirmar estas intenções.

A realidade é outra.

Dia a dia se desvanece a presença do Estado moçambicano na sua impotência para fazer face a dois tipos de problemas.

Em primeiro lugar a teorização e ensino do islamismo desde há anos naquele país, apresentando agora gerações na idade adulta que dela fazem uma tradução e interpretação bélicas.

Para esta compreensão histórica Eric Morier-Genoud propõe olhar para trás para encontrar explicações para este fenómeno. “O Islão tem uma presença muito antiga em Moçambique, particularmente na costa e nas zonas Norte do país. Existiram vários sultões e xeiques antes de Portugal ocupar o território no final do século XIX”, escreve num artigo de 2017 publicado no site de notícias independente The Conversation.

Logo depois e em simultâneo, uma notória guerra pelos bens que o subsolo oferece e a riqueza cuja repartição foge ao controlo das autoridades.

Mocímboa da Praia e Palma, locais onde se iniciou a vaga de violência, estão a apenas 80 quilómetros das reservas de gás que estão a começar a ser exploradas por empresas como a Eni, ExxonMobil e a Anadarko.

Mas em todo este quadro releva o silêncio e inação da CPLP e dos PALOPS enquanto entidade política buscando uma atuação conjunta em problemas comuns.

O quadro geral de instabilidade política e económica das novas realidades nacionais em África, nos territórios onde se fala português, poderia ter nestas organizações um papel relevante, se não por intervenção instrumental no terreno por notória carência de meios, todavia com larguíssimo espaço político para organização de ajuda militar e humanitária, no quadro da nossa integração na União Europeia.

Os apelos que chegam de personalidades da Igreja e de outros setores da sociedade, bem como o drama das vítimas da guerra pelo controlo de vastas zonas ricas em subsolo mineral, constituem interpelação directa em primeiro lugar à política interna e aos líderes daquele país, mas não podem deixar indiferentes os que guardam a tradução prática de uma ideia de história comum e obrigação de solidariedade do nosso país no quadro dos Palops.

A indiferença é talvez a nota mais chocante desta situação que se vive em Moçambique, com instituições internacionais tão concertadas em objetivos de natureza prolongada no tempo como as questões climáticas e depois praticamente inertes e rigidificadas perante uma tragédia que tanto diz aos portugueses, perante a necessidade de ajuda política, económica e militar urgente aquela província.

Mas, no final, prevalece o drama das populações exterminadas pelo novo nome do holocausto em terras de Moçambique.

 

Jurista