Wong Kar-Wai.  Um mês para sermos felizes juntos

Wong Kar-Wai. Um mês para sermos felizes juntos


Inicia-se hoje no Nimas, em Lisboa, o ciclo com que a Medeia Filmes regressa a Wong Kar Wai. Cinco filmes em novas versões 4k para comemorar os 20 anos de In The Mood For Love.


“Todo o processo foi muito doloroso”, contou um dia Wong Kar Wai sobre a produção de In The Mood For Love – Disponível para Amar, retrato da história de amor que nasce entre dois vizinhos que descobrem que os seus parceiros ausentes os estão a trair e que foi interrompida devido à crise que se atravessava em Hong Kong na viragem do milénio. Época fundadora como aquela em que Wong Kar Wai, nascido em Xangai, se mudou com a família para a ainda colónia britânica. Tinha 5 anos. Eram os primeiros anos da década de 1960. Aquela à qual regressou nesse filme em que, de uma forma a que nos havia já habituado, o cineasta explora o acaso e a solidão com a vida em Hong King como pano de fundo. “Interessa-me muito esse período. Havia pessoas a mudarem-se da China para Hong Kong, sem contacto nenhum com a comunidade local. Falavam a sua língua, tinham a sua própria comida, os seus cinemas. Havia cinemas para estas pessoas. Tinham os seus próprios rituais. É daqui que venho, como criança”.

O filme que deu o prémio de Melhor Ator em Cannes a Tony Chiu Wai Leung, cujo nome ganhara já dimensão internacional em Happy Together – Felizes Juntos (1997), estreado no mesmo certame, completou este ano duas décadas da sua estreia. Para assinalar o momento, Wong Kar Wai anunciou o lançamento de novas versões restauradas em 4k de sete dos seus mais queridos filmes. Nem todos rodados em Hong Kong, mas lá iremos. A partir desta quinta-feira, no Nimas, em Lisboa, a Medeia Filmes regressa aos cinco mais marcantes. O ciclo O Mundo de Wong Kar Wai, que se inicia com In the Mood For Love (2000) justamente. Percorramos então esses cinco filmes com que, com uma estreia por semana até ao final do mês de dezembro, se revisita a obra do mais amplamente aclamado cineasta chinês vivo. Que na verdade desde Chungking Express (1994), o mais recuado no tempo dos filmes a que este ciclo regressa, nos vem contando sempre a mesma história – se fosse um exercício de contar histórias aquele a que se propõe Wong Kar Wai no cinema). As personagens mudam, o mood, esse tão característico de Wong Kar Wai, é sempre o mesmo. Basta pensar-se no que será o seu próximo projeto, em fase de pré-produção sob o título Blossoms, que acompanha três personagens na Xangai do final da Revolução Cultural chinesa até às suas vidas na América da década de 1990 e que o próprio descreveu já como “uma sequela espiritual” de In The Mood For Love.

Chungking Express (1994) Depois de um arranque com o filme que acabou de comemorar 20 anos, recua-se no tempo até 1994, o ano da estreia de Chungking Express, obra seminal e aquela com que Wong Kar Wai se estabeleceu internacionalmente. Rodado em apenas seis semanas — seis semanas durante as quais Wong Kar Wai ia escrevendo o que filmaria em cada dia — pela noite e os neones de Hong Kong, Chungking Express equilibra-se entre as histórias de dois encontros: o de um polícia que coleciona datas de ananás com o prazo de validade a terminar no mês de maio com uma misteriosa mulher de gabardina e óculos escuros à noite e o de um outro polícia, agente, com a empregada de um snack-bar. Chungking Express contava já com Christopher Doyle na direção de fotografia — colaboração que marca também ela a obra de Wong Kar Wai. O sucesso com que foi recebido surpreendeu o próprio cineasta, que via este como um projeto menor — tanto que as restrições orçamentais (e de tempo) o obrigaram a deixar uma terceira história com que o filme era para ter contado de fora.

Fallen Angels – Anjos Caídos (1995) A história que pelas contingências de produção ficou por contar em Chungking Express, filmou-a Wong Kar Wai num filme seguinte. Fallen Angels – Anjos Caídos. Um filme inteiro que teria dado o capítulo final do filme anterior. De novo com um cenário noturno, a partir da figura de um assassino à procura de largar essa sua ocupação. Pelas ruas de Hong Kong, cruzar-se-á com algumas das suas personagens — da cidade — que se juntam à sua parceira de crime e à prostituta com quem tem um encontro.

Happy Together – Felizes Juntos (1997) Para Happy Together, o primeiro dos seus filmes presente na competição pela Palma de Ouro em Cannes, onde foi distinguido com o prémio de Melhor Realizador, Wong Kar Wai viajou até à Argentina — como o casal dos personagens de Hong Kong interpretados por Leslie Cheung e Tony Leung Chiu Wai, que com este filme lançaram os seus nomes internacionalmente. O título original em chinês, “Chūnguāng Zhàxiè”, expressão idiomática que sugere a exposição de algo íntimo, foi o primeiro título atribuído no país a Blowup, de Michelangelo Antonioni. Tido como um dos mais importantes filmes do movimento New Queer Cinema, Happy Together, centrado na relação amorosa entre dois homens, foi um dos primeiros filmes chineses a abordar a temática da homossexualidade.

In the Mood For Love – Disponível Para Amar (2000) Para a viragem do milénio, Wong Kar Wai regressou a Hong Kong para filmar uma história que, passada na década de 1960, se contemporanizava pelos ecos que produzia no momento que se vivia. Entre as questões de identidade da ex-colónia então recentemente transferida para a China e os seus problemas de identidade, entre o colonialismo e o capitalismo, foi Wong Kar Wai contar uma história de amor mal vista aos olhos da sociedade da época em que a câmara, com os olhos do espectador, assume esse papel de espia, ao mesmo tempo que cria uma sensação de claustrofobia para os personagens, interpretados por Tony Chiu-Wai Leung e Maggie Cheung. Compreender o cinema de Wong Kar Wai é compreender que no seu cinema as histórias não se contam: filmam-se. E compreender o contexto histórico de Hong Kong, aonde chegou num momento de uma profunda transformação que se dava de novo na viragem do milénio.

2046 (2002) Honk Kong e as suas questões políticas, Hong Kong com a sua crise identitária, de novo, neste filme que vem como uma sequela do anterior. A partir de Chow Mo Wan, personagem está a escrever um livro de ficção científica sobre um comboio que viaja para um sítio chamado 2046, onde os passageiros poderão recuperar memórias perdidas e de onde nunca ninguém regressou. Mas, inspirado nas suas próprias aventuras com várias mulheres no Hotel Oriental de Hong Kong, depressa terá dificuldade em traçar fronteiras entre realidade e ficção.