O que esperar no início de 2021 depois de dezembro? Foi a primeira questão lançada por Marcelo Rebelo de Sousa no final das apresentações dos peritos no Infarmed, com a questão do Natal e Ano Novo implícita. Tal como tem acontecido nas anteriores reuniões, a parte aberta ao público do encontrou que junta Governo, representantes dos partidos, conselheiros de Estado e parceiros sociais terminou com questões do Presidente da República aos especialistas. Além da evolução nas próximas semanas, Marcelo quis ouvir a opinião dos especialistas sobre o risco da deslocação de pessoas no Natal e no fim do Ano, perceber em que ponto está a imunidade na população portuguesa e se uma subida na confiança em torno da vacina da covid-19 não pode levar a uma procura sem precedentes como no caso da vacina da gripe.
Começando pelo que esperar então depois de dezembro, a resposta foi no sentido de que se os casos estão agora baixar, possivelmente depois de maior convívio nas festas tenderá a haver uma subida – espera-se que mais contida, mas a incerteza permanece. Manuel Carmo Gomes, epidemiologista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, admitiu essa possibilidade e sublinhou que, no geral, está otimista. “Depende do aliviar das medidas ou não e da adesão dos portugueses a essas medidas. Tentei mostrar que está ao nosso alcance conseguir uma redução significativa dos casos, desde que não alteremos os comportamentos e medidas implementadas. Defendo que não devem ser levantadas, a não ser pontualmente”, disse.
Na reunião, o investigador salientou que com uma redução diária de 2% nos casos, o país pode chegar ao Natal com uma média de 2500/3000 casos dia e menor pressão sobre os internamentos. “Quando chegarmos ao Natal, vai haver agregados familiares que se vão misturar uns com uns outros. Espero um aumento de contágios nas festas, entre Natal e Fim do ano. E isso reflete-se num aumento da incidência 15 dias depois, com um recrudescimento no início de janeiro. Espero que não seja muito grande e penso que conseguiremos controlá-lo concomintamente com o início da vacinação”, disse.Carmo Gomes, admitindo ainda mais otimismo em relação à segunda metade do próximo ano, admitindo um cenário próximo da normalidade no verão. “Quando chegarmos lá vamos ter de lamber as feridas e retomar a economia. Concretamente no natal e pós natal, vamos ter umas lombas”, respondeu, sublinhando que, em relação a medidas concretas a adotar, existe uma “dificuldade” em estabelecer uma associação entre medidas específicas e o seu impacto. “Se pergunta concretamente impedir deslocacoes entre concelhos num determinado periodo tempo é importante, tenho muita dificuldade em responder”, disse. “Tudo o que contribua para diminuir o numero de contactos e um contacto se traduzir em contagio, tudo isso contribui para manter o controlo da epidemia.”
Chegar ao Natal com o menor número de casos possível e organizar bolhas 14 dias antes
Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Ricardo Jorge e um dos epidemiologistas que faz a modelação da epidemia para o Governo – e que esta quinta-feira revelou que o RT a nível nacional está agora de novo abaixo de 1 depois de semanas sucessivas a crescer desde agosto – sublinhou que não há respostas simples, mas quanto mais se conseguir reduzir a incidência neste fase, maior probabilidade que a curva que venha a desenvolver-se depois seja menor. “Quando se reiniciar o processo de encontro das famílias, quanto menor a incidência, menor a probabilidade de haver um indíviduo infecioso no seio familiar”, disse, propondo que em Portugal se adotasse uma solução que tem estado a ser debatido no Reino Unido, as chamadas “bolhas de Natal”. “Tentar reduzir ao máximo o contacto que se tem com outros fora da bolha 14 dias antes e 14 dias depois do Natal”, explicou o investigador.
Óscar Felgueiras, da Universidade do Porto, que apresentou o ponto de situação na região Norte e alertou para o facto de concelhos limítrofes tenderem a ter aumentos de incidência relacionados, sublinhou a importância da monitorização também deste elemento.
Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, que na sua apresentação fez uma análise de probabilidades para explicar o risco de contágio nas famílias, que é maior do que em contactos sociais esporádicos, sublinhou nesta última intervenção, e concretamente sobre a pergunta da imunidade, que é natural que atualmente 15% a 20% já tenha tido contacto com o vírus, sublinhando a necessidade de ser feito um novo inquérito serológico nacional. Isto porque o Presidente da República questinou o valor apresentado pelo perito quando no estudo feito em julho no país se apurou que apenas 2,9% da população tinha anticorpos. Henrique Barros explicou que esta segunda onda foi muito maior e que a diferença entre infetados e diagnosticados, que têm acompanhado em diferentes estudos, se tem mantido estável, com sete vezes mais pessoas com anticorpos do que aquelas que tiveram um teste positivo.
“É muito provável que estejamos acima de 1,5 milhões de pessoas que já contactaram com a infeção”, reforçou Henrique Barros. “Ao pensar no que vai acontecer no início do ano, temos ter em linha de conta que há uma parte da população que, quando o virus tenta entrar, encontra a porta fechada. Isso diminui a probablidade de uma terceira onda ou pode fazer com que seja menos expressiva, mas a generalidade dos países europeus estão a preparar-se para avaliar os fatores que vão determinar essa terceira onda”, advertiu. “A informação passada faz acreditar que vai acontecer e o que está a acontecer no Japão é indicativo”, acrescentou, sublinhando que é possível que haja uma terceira onda até se atingir o limiar crítico de vacinação. O tema de que falou no encontro e que dependerá da eficácia da vacina, da percentagem de pessoas que a toma e da manutenção ou não de outras medidas. Sem as medidas atualmente em vigor e com uma vacina com 70% de eficácia, o que é expectável, seria necessário vacionar 83% da população para controlar dessa forma o vírus. Mantendo as medidas, pode ser só necessário vacinar 24%, exemplificou Henrique Barros na sua apresentação.
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Dez ideias-chave da reunião
PICO O pico de casos já foi atingido. As datas não coincidem nas diferentes análises nos especialistas, mas tudo indica que foi mais cedo, no final da primeira quinzena de novembro, e com menos casos do que chegou a estar previsto
CONTÁGIO O RT está agora abaixo de 1 a nível nacional e no Norte, revelou Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Um resultado atingido mesmo com uma redução de mobilidade inferior à conseguida em março. A modelação do INSA sugere que mesmo com os atuais níveis de mobilidade, em torno de -30% face aos valores pré-pandemia, é possível manter o RT abaixo de 1 com uma redução dos contactos efetivos de quem continua a circular. Ou seja, dos contactos que se tem sem máscara e a menos de um metro de distância.
NORTE Óscar Felgueiras, da Universidade do Porto, descreveu a situação na região Norte e salientou que a descida acontece em todos os distritos do Norte, à excepção de Vila Real. A descida de casos tem sido também mais lenta nos idosos com mais de 80 anos. O especialista salientou que deve ser reconhecido como fator de risco ser-se um concelho vizinho de um concelho com elevada incidência.
MORTES A equipa liderada por Manuel Carmo Gomes estima que até ao final do ano a covid-19 possa ser associada a um total de 6 mil a 6500 mortes no país. Acreditam que é possível chegar ao Natal com 2500/3000 casos por dia, isto se houver uma redução diária de 2% no número de casos.
VACINAS "Não tenham medo dos efeitos adversos da vacina", apelou João Gonçalves, da Faculdade de Farmácia. Explicou que reações adversas existem em todas as vacinas e nas da covid-19, até à data, as mais frequentes foram inchaço e dores de cabeça. São sinais de que o corpo está a reagir e a construir imunidade, explicou.
MAIS DE UM MILHÃO JÁ FOI INFETADO 15% a 20% da população portuguesa pode já ter anticorpos antes da chegada da vacina. A projeção foi feita pelo epidemiologista Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto
O RISCO NAS FAMÍLIAS Henrique Barros apresentou um estudo feito no Porto que descreve o risco de contágio nas famílias e estima que, no Natal, dois em cada mil portugueses vão poder transmitir o vírus. A equipa do ISPUP estudou o risco familiar: entrando um caso de covid-19 numa família, a probabilidade de infectar um familiar é de 23%. "Numa casa onde haja cinco susceptíveis, é muitíssimo provável que ocorra uma infeção. Se forem oito, vão ocorrer duas infeções". Se imaginarmos 100 famílias, num terço ninguém será infetado, nos restantes uma a quatro infeções, continuou o investigador. "Se em cada família o risco é pequeno, isto multiplicado por milhares de reuniões, corresponderá à ocorrência de muitas infeções", sublinhou Henrique Barros.
IMUNIDADE DE GRUPO Quantas pessoas é preciso vacinar para estar seguros de que controlamos a infeção? A resposta foi também explicada por Henrique Barros. Numa situação atual, com 80% da população susceptível, mantendo as medidas chega vacinar 24% das pessoas. Retirando medidas, seria necessário vacinar 83%, isto se tivermos uma vacina com eficácia de 70%. "Mesmo com 20% da população portuguesa imune, se a vacina só tiver eficácia de 50%, na ausência de medidas farmacológicas, nem que vacinemos a população toda conseguiremos resolver o problema"
HESITAÇÃO 28% dos portugueses estão disponíveis para tomar a vacina assim que estiver pronta; 62% prefere esperar. É o que concluiu um estudo feito pela Escola Nacional de Saúde Pública, com base na opinião de 1691 pessoas. As mulheres têm mais probabilidade de dizer que preferem esperar assim como pessoas mais jovens e que entendem que as medidas tomadas pelo Governo são pouco ou nada adequadas. Pessoas que não tomam vacina da gripe também têm maior probabilidade de responder que preferem esperar. Já indíviduos com outras doenças tendem a mostrar-se mais disponíveis para tomar a futura vacina da covid-19.