Esta é a esquerda de que sou


As desigualdades são o veneno tóxico das nossas sociedades e têm de ser combatidas, quer com abertura quer com fechamento.


Para Fareed Zakaria, jornalista, cientista político e autor, que lança esta semana em Portugal o livro Dez Lições para Um Mundo Pós-Pandemia, estamos a viver um tempo de realinhamento político fundamental. Para Zakaria, a dicotomia-chave já não se faz entre a esquerda e a direita, como naquilo a que ele chama a velha política, mas sim entre abertura e fechamento.

A proposta de Zakaria é apelativa pela sua simplicidade, mas merece alguma reflexão e aprofundamento, numa linha não totalmente coincidente com a que ele propõe. A sua narrativa parece sofrer de algum enviesamento, talvez provocado pela imersão no laboratório político norte-americano, em que o autor é uma voz de referência.

Falar da dicotomia entre esquerda e direita é profundamente redutor. Há muitas esquerdas dentro da esquerda e muitas direitas dentro da direita, e embora os sistemas políticos tradicionais sofram de alguma cristalização, também há esquerdas novas e esquerdas velhas e direitas velhas e novas, muitas vezes coexistindo no mesmo espaço ou território de demarcação simbólica no posicionamento político.

Recuso a ideia de que a globalização é de direita e o protecionismo de esquerda, com a mesma veemência com que recuso o seu contrário. A globalização pode ser solidária, colaborativa, tolerante e progressista, embora não tenha sido essa a tendência recente na sua evolução, ao mesmo tempo que o protecionismo pode ser profundamente seletivo, constrangedor, egoísta e empobrecedor, como tem sido tendencialmente nas últimas décadas.

Numa coisa coincido com Zakaria. As desigualdades são o veneno tóxico das nossas sociedades e têm de ser combatidas, quer com abertura quer com fechamento.

O fechamento tem conduzido sistematicamente a uma redução das desigualdades diretas pelo alinhamento geral em níveis de rendimento, qualidade de vida e até liberdade de expressão minguados para a grande maioria da população e à emergência de “caudilhos” e pequenas elites dominantes. Uma redução de desigualdades por achatamento, que cavam desigualdades indiretas em relação aos padrões globais e tendem a afastar os países assim governados dos objetivos do milénio para o desenvolvimento sustentável.

A abertura, criando normalmente contextos mais livres e competitivos, não tem evitado a profunda segregação entre as elites, que absorvem e gerem a seu bel-prazer os fluxos de capital, e todos aqueles que, por não terem acesso aos recursos técnicos e tecnológicos que lhes permitam ganhar autonomia na valorização das suas competências, são esmagados pelas guerras de preços e de controlo de mercados, liderados pelas grandes plataformas mundiais de agregação comercial.

Termino com um regresso ao passado, neste percurso sem rota marcada pelas categorias políticas. Abertura solidária com propósitos progressistas e políticas ativas para capacitar as pessoas e reduzir as desigualdades entre elas e entre as comunidades em que se inserem e os territórios em que vivem. Abertura entre os povos no respeito pelas diferenças, mas valorizando a cooperação para o bem comum. Abertura com proteção dos mais frágeis e vulneráveis. Esta é a esquerda de que sou.

 

Eurodeputado