Iniciei a minha colaboração com o jornal I há precisamente um ano. 365 dias e 51 artigos depois muito aconteceu, até o impensável. Este ano de 2020 trouxe para a realidade aquilo que apenas se via na ficção e os impactos sociais, económicos e sanitários de uma pandemia viral ainda não são totalmente conhecidos.
Mesmo com todas os tumultos existentes no mundo, o recrudescimento dos nacionalismos e da xenofobia, o aumento da instabilidade geopolítica e a existência de uma Europa que teima em não sair de um certo autismo eurocrático, o planeta mobilizou-se para combater um inimigo comum – o SARS-CoV-2.
A forma como as nações do mundo se mobilizaram para combater a pandemia permite-nos continuar a acreditar, com esperança, na Humanidade.
Como se afirmou, um ano volvido, e mais de cinco dezenas de artigos em que se abordaram temas tão diversos, como a pandemia e seus efeitos, a atualidade política, o mercado laboral, a segurança social, política fiscal, geopolítica e outros, tentei abordar, por interesse pessoal, profissional e académico temas relacionados com o ambiente, em especial a gestão de resíduos.
Foi exatamente sobre resíduos, em particular biorresíduos, que começámos. Pois bem, é novamente sobre resíduos que escreveremos hoje, quase como num regresso às origens.
No passado dia 6 de novembro o Ministério do Ambiente colocou em consulta pública, até ao dia 20 do presente mês (15 dias), um projeto de Decreto-Lei, com mais de 400 páginas, que altera 5 diplomas legais da maior importância para o sistema nacional de gestão de resíduos: o UNILEX (Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro); o Regime Geral de Gestão de Resíduos (RGGR), revogando o atual Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro; o Regime Jurídico da Deposição de Resíduos em Aterro; o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental (RJAIA) e disposições relativas ao Fundo Ambiental.
Sabendo, de antemão, que alguns destes diplomas teriam de ser alterados fruto da necessidade de transposição das alterações a várias diretivas comunitárias, não deixa de se estranhar a súbita pressa com que todo este processo está a ser conduzido.
Apesar, do apelo de vários agentes do setor para a prorrogação do prazo da consulta pública, pois as alterações são muitas e profundas, o Governo, aparentemente, mostra-se inflexível quanto a isso.
Os mais familiarizados com a legislação em causa, e que já tiveram a oportunidade de ver o projeto de diploma legal, encontram-se neste momento com o dilema de correr contra o tempo e tentar contribuir de forma a que a legislação que venha a ser aprovada e introduzida no ordenamento jurídico, possa ser melhorada, ou nada fazer, porque simplesmente se duvida da bondade de aceitar qualquer contributo, tendo em conta o tempo exíguo para o fazer bem.
Reservando análise aprofundada à legislação que se propõe para momento posterior, pode-se desde já referir que alguma controvérsia levantará, caso o diploma seja aprovado tal qual se encontra. Encontramos aspetos menos claros quanto à possibilidade concentração económica nos SIGRE, entre gestores dos sistemas e empresas por si controladas e na alteração na responsabilidade de gestão dos resíduos urbanos, que implicará alterações nos sistemas municipais e multimunicipais que não se consegue prever com exatidão a dimensão quer de operação, quer económica.
Temos para já duas convicções, quanto ao assunto. Em primeiro a convicção que esta é mais uma oportunidade perdida para refletir aprofundadamente sobre o futuro do setor, evolução e sustentabilidade e uma segunda quanto à eventual redução da muita legislação existente em múltiplos diplomas legais.
Uma palavra ao jornal I e a quem me dedica a sua atenção semanalmente. A todos o meu agradecimento, na expectativa que estas linhas possam ser úteis para um debate público mais plural, livre e democrático.