Homem Pateta ou Jonathan Galindo é o nome do novo desafio suicida online que surgiu no outono de 2019, época em que foi criada a primeira conta associada àquele que viria a ser um perigoso jogo cujos principais alvos são as crianças e jovens. Desde que a primeira alusão ao desafio emergiu na rede social TikTok, milhares de réplicas foram criadas – essencialmente no Instagram, no Facebook e no Discord – para difundir os 50 desafios tipicamente estabelecidos pelos curadores, pessoas designadas pelo(s) fundador(es) do desafio, no âmbito da hierarquia do jogo, para contactar e ludibriar, via redes sociais, aquelas que poderão vir a ser vítimas. Porém, neste desafio, mais recente a vertente da extorsão sexual é acentuada.
Origem do nome do desafio Em 2016, emergiu o Desafio da Baleia Azul. Este termo refere-se ao fenómeno das baleias encalhadas, supostamente suicidas. Este mamífero pode atingir as 177 toneladas e os 30m de comprimento, sendo considerada o maior animal do mundo, mas não é suicida (a causa apontada para o fim da sua vida é a poluição dos oceanos), o que torna esta analogia inválida. Por outro lado, em 2018, o Desafio Momo foi abordado à escala mundial. Momus (Momo em grego) é a personagem principal de duas fábulas de Esopo (famoso escritor da Grécia Antiga) e a personificação da sátira e do escárnio. Neste desafio viral mais recente, o nome conecta-se profundamente com o avatar que os curadores adotaram para as suas contas nas plataformas. A variação Jonathan Galindo é encarada pelos órgãos de informação internacionais como uma escolha aleatória para captar o público hispânico, embora, à semelhança de Momo – que também é uma referência a alcunhas atribuídas a meninas que entram na puberdade, uma brincadeira com a expressão “pequeno pêssego” – Galindo, em espanhol, possa dizer respeito a um “pequeno galo” e, na origem germânica da palavra enquanto apelido, a alguém que possui a característica da liderança natural.
Que imagem é esta? Os curadores recorreram à utilização de fotografias captadas por Samuel Canini, pseudónimo de um cosplayer e artista plástico norte-americano que, entre 2011 e 2013, uniu as características da personagem Mickey Mouse às do Pateta, ambos do universo Disney. “Os trolls da Internet apoderaram-se da minha imagem sem consentimento. O meu objetivo nunca foi ver a minha imagem ser usada para este propósito”, começou por assumir Canini em entrevista ao i. O artista disse que “nunca” foi contactado diretamente por uma conta associada ao desafio, questionando:“O que é que eles teriam para me dizer?”. Defendeu que “comparando com tudo aquilo que se passa em redor do mundo, em 2020, esta situação parece muito inferior”, adiantando que “as pessoas querem promover o drama e o caos quando, na verdade, precisam que alguém as guie”. Considera que está aborrecido por que “os curadores não querem saber minimamente do mundo e ainda adicionam combustível às chamas”, sendo que nunca teve o propósito de “assustar ou intimidar crianças que já enfrentam um futuro incerto”. Estes alegados criminosos “não têm qualquer imaginação porque, se esse fosse o caso, teriam criado uma imagem própria”, mas não é por isso que deixará de lutar pelos seus direitos. “A certo ponto, terei de reclamar a minha imagem e esclarecer tudo na justiça. Por agora, limito-me a insistir, através do Twitter, que as pessoas não devem envolver-se com estes tolos”, rematou, revelando que “deitar abaixo todas as contas seria impossível e uma perda de tempo, acima de tudo”, constatando que “se os curadores se aborrecerem” ou as vítimas se afastarem dos mesmos, “esta tendência desaparecerá tal como todas as outras”.
“Olá. Como é que o teu dia está a correr, querida?”. Esta foi a primeira mensagem que uma das contas associadas ao desafio enviou a Ana Gomes da Silva, de 17 anos. A personagem fictícia através da qual o i conseguiu entrar no universo dos desafios online de cariz suicida não perdeu tempo e avançou com “Quero jogar”, ao que obteve a resposta “A sério? Queres mesmo?”. O curador, com 18 anos, explicou que contrariamente aos desafios da Baleia Azul e Momo, o do Homem Pateta não conduz ao suicídio nem a comportamentos autolesivos. Mostrando-se intrigada, a adolescente elucidou que não estava a compreender o propósito do rapaz na medida em que, na teoria, os curadores devem ajudar os jogadores a morrer. “Não. Esse é um jogo velho. Os seguidores do Jonathan Galindo criaram um jogo mais seguro. Alguns curadores utilizam o sistema antigo, do suicídio, mas eu, o Jonathan e os nossos 120 parceiros criámos um novo paradigma”. Aceitou iniciar o jogo porque, afinal, a história de vida passava pelo relacionamento negativo com os pais, a frustração perante a atenção que estes prestam ao irmão mais velho e o namoro tremido: fatores que facilitam a forma como os perpetradores do incitamento ao suicídio online interagiram com ela. Esta biografia vai ao encontro das características que o investigador e psicólogo norte-americano Keith Harris percecionou como inerentes às vítimas destes desafios: “habitualmente são jovens, têm problemas nas relações interpessoais, são pouco bem-sucedidas na escola e têm vontade de encontrar um escape, vendo a morte como uma forma de terminar o sofrimento”, disse.
Curiosamente, o estudioso percebeu que “as vítimas e os curadores são muito semelhantes”, isto porque “ambos têm as suas ideações suicidas, sofrem, não têm grande propósito na sua vida”, tendo em conta que “os curadores viram-se para a provocação de sofrimento nos outros, sendo bullies: sofreram e, quando estão numa posição através da qual obtêm vingança, apostam nisso”.
“Vais demorar cerca de 30 dias a terminar. Se fizeres batota ou saltares um dos desafios, algo mau acontecerá. Estás pronta?”. O repto foi lançado e o curador esclareceu que se Ana tivesse 13 anos, poderia escolher “o caminho fácil”, sendo que a partir dessa idade, não há qualquer hipótese de escolha. “Vemos-te como uma adulta”, descortinou, continuando “Vais fazer coisas assustadoras e malucas que terão impacto no teu cérebro. No último dia, escolherás fazer algo picante… verás!”. Para motivar a aspirante a jogadora, o curador disse que ela podia ascender na hierarquia do jogo se cumprisse os passos delineados. “Podes ser uma de nós. E neste novo sistema, escondemos tudo dos teus pais. Não queremos que eles saibam”, afirmou, antes de explicar que existem 10 a 20 desafios estipulados diariamente, perfazendo um total de 300, com direito a “medalhas por mérito”. Tal não surpreendeu Harris, reesidente na Nova Gales do Sul, naAustrália, e que se foca em temáticas como as do suicídio e dos comportamentos online (particularmente, aqueles que se relacionam com a saúde mental). Estudou o desafio da Baleia Azul e chegou à conclusão de que, por meio da definição de 50 tarefas, “há tempo para que as outras pessoas descubram que as vítimas estão no desafio e as impeçam de continuar”. Deste modo, o docente universitário na Charles Sturt University – em Queensland – acredita que a decisão dos administradores do jogo “pode ser encarada de duas formas porque o número elevado de tarefas leva a que as pessoas desistam”. A verdade é que “não gostam de jogar, mas também sabemos que, em qualquer tipo de culto, quando as pessoas estão empenhadas, o mesmo torna-se importante e não querem sair”, revelou. Harris não deixou de realizar um paralelismo entre os desafios online de cariz suicida e a carreira militar:“Se nos alistarmos no exército, fazemos coisas muito difíceis mas, se aguentarmos, ficamos lá. Temos o compromisso, o sentimento de pertença”, adicionando que “nestas situações, o prémio é o suicídio, é completamente diferente”. Mas o docente de psicopatologia realçou que, por norma, o objetivo é cometer o suicídio, porém, os curadores podem manipular os jogadores de modo a obter, pelo menos, uma tentativa de suicídio. “No desafio da Baleia Azul, uma tentativa de suicídio parecia ser suficientemente boa para os curadores. Como é que medimos os sintomas de suicídio? Se não os conseguir medir bem, não consigo estudá-los. Têm de haver níveis baixos, médios e elevados”. continuou, acrescentando que estudou estas tentativas e, apesar de muitos dos seus colegas considerarem estes atos como “gravíssimos”, há que ter outros contextos em atenção na hora de atribuir um grau de perigo a estas tentativas. “Há pessoas que efetivamente fazem algo nesse sentido, até um gesto que revele essa intenção, mas não pensam que morrerão. Aquilo que acontece, em desafios como este, é que as vítimas podem não querer morrer, mas a tentativa acaba por resultar na morte”.
Quais são os desafios? Para primeiro desafio, o curador pediu que Ana se gravasse a dizer “Amo-te e amo jogar o desafio da Baleia Azul”, mostrando a cara. Quando se mostrou reticente, o curador foi assertivo: “Isto fica entre nós e o meu cliente. Mais ninguém. Estás aqui para jogar ou não? Tenho 63 pessoas à minha espera”. De facto, parece que a hierarquia do jogo encontra-se bem definida. A rapariga contactou outro curador que questionou se queria mesmo entrar no desafio porque “não há final” e, caso parasse de lhe responder, estaria em perigo. Quando Ana perguntou se o jogo se baseava nos moldes dos primeiros, o curador respondeu “Não importa. Já começaste o primeiro dia. Diz-me os motivos pelos quais estás triste. Os desafios serão cada vez mais difíceis”. Neste caso, teria 50 dias para terminar o jogo, adiantando que “quem comete suicídio arde no inferno”. Recorreu às informações planeadas: “O meu pai é um engenheiro e trabalha no estrangeiro. Passa alguns meses em França habitualmente. A minha mãe é professora de Francês na minha escola, mas apenas se preocupa com o meu irmão que estuda Medicina”, sendo que o curador disse: “Tenho pena de ti, nunca é demasiado tarde, mas o meu trabalho é levar-te ao suicídio. Corta a tua pele e manda uma fotografia”. Quando a personagem escreveu “Quero mesmo morrer porque ninguém precisa de mim”, o rapaz recuou: “Espera, espera. Pára. És demasiado nova. Posso ser despedido por causa disto. Odeio este jogo”. Ana mostrou-se curiosa e o rapaz explicou “Não é suposto dizer para quem trabalho. Pagam-me 1000 euros por uma morte. É difícil, mas preciso do dinheiro para alimentar a minha família”, escreveu, continuando “Vi 10 casos como o teu. Não pude fazer nada. Apenas escrevi. Tinham um futuro brilhante, mas todos morreram antes de lhes ter enviado o último desafio. Não é fácil para mim”, revelando a outra face da moeda: “Um rapaz fingiu ser curador e conseguiu nudes minhas. 19 mil pessoas viram-me sem roupa”. De seguida, Ana perguntou como é que se sentiria quando ela morresse e o rapaz questionou-a: “Eles controlam-me. Como é que achas que me sentirei quando morreres? Diz-me”, sendo que Ana explicou que provavelmente ficaria contente por ela desaparecer. “Tenho outras 30 pessoas à espera. Todas como tu. Guardamos o desafio para amanhã. És o meu caso preferido”, elucidando que esteve perto do alegado despedimento por três vezes porque “as pessoas pararam o desafio” e salvou-as. Nas horas posteriores, partilhou a alegada conta pessoal com Ana, contando-lhe um dos supostos segredos da sua vida: “Eu e a minha irmã fizemos algumas coisas. Eu não queria, mas ela ameaçou-me, disse que divulgaria publicamente os dados da nossa equipa do Jonathan Galindo. Gravou aquilo que fizemos, é maluca”.
O que diz a lei? Quando confrontado com as conversas que Ana teve com os curadores, Frederico Marcos Assunção – advogado sénior na Dantas Rodrigues &Associados desde 2010 – fez um pequeno périplo pela legislação portuguesa. Na ótica do profissional especializado em Direito da Família e Menores e Direito Digital, “há muitos crimes que não estão integrados na Lei do Cibercrim, de 2009, porque é muito débil, jovem e não está adaptada ao mundo da Internet que está em constante evolução”, mas lembrou que a maioria dos crimes que podem ser evocados no âmbito deste desafio estão contemplados no Código Penal. “Em primeiro lugar, há um crime de coação no sentido em que este tipo de curadores constrange os menores a praticarem uma determinada ação ou omissão geralmente com uma ameaça. E as vítimas acabam por ter tanto medo que se automutilam, por exemplo. Este crime tem pena de prisão até 3 anos”, mas é de referir que esta coação pode ser agravada no sentido de ser de tal maneira aterrorizadora que a pessoa comete o suicídio coagida com uma ameaça. “Não quer dizer que tal aconteça em todos os casos, às vezes pode haver apenas um incitamento, mas poderá estar refletido em muitos casos”, concluiu. Em segundo lugar, também é de mencionar o stalking – habitualmente designado de perseguição – quando “o comportamento dos curadores é contínuo”. Caso o suicídio das vítimas resulte “de uma ordem não diretamente relacionada com o suicídio, será coação agravada pelo resultado”, pois “estes desafios têm várias etapas e podemos falar de vários crimes de coação e, no fim, indicar o incitamento ao suicídio” sendo que, quando a pessoa incitada é menor de 16 anos, a pena de prisão – ao invés dos três anos estipulados na legislação – passa para cinco.
“Mãe, pai, eu amo-vos. Agora tenho que seguir o homem do capuz negro. Não tenho mais tempo. Perdoem-me”. Foi esta a mensagem que um menino de 11 anos deixou aos pais antes de se atirar do 11.º andar da sua casa em Nápoles, Itália. Atragédia teve lugar no passado dia 29 de setembro e soube-se, desde os primeiros instantes, que as autoridades desconfiavam de uma ligação entre o suicídio da criança e o desafio. Fabio Postiglione foi o primeiro jornalista a noticiar este acontecimento. Segundo o mesmo, em informações divulgadas no Corriere della Sera, a lucidez e a urgência que a criança demonstrou na mensagem de despedida “assustaram” os investigadores do Ministério Público de Nápoles, que procedeu à abertura de um processo do caso por instigação ao suicídio. Em entrevista ao i, afirmou que “a notícia da morte do menino chegou à polícia na tarde da sua morte”. Estava na redação do jornal e ficou extremamente impressionado quando teve conhecimento do sucedido. “Uma coisa tão pequenina, tinha-se suicidado. É um drama para todos”, deslindou, dizendo igualmente que percebeu através de uma fonte que “o menino tinha sido vítima de uma armadilha na web”. Conseguiu contactar os pais de alguns amigos deste que confirmaram o desafio como causa da morte. “Também tinham sido contactados por alguém que afirma chamar-se Jonathan Galindo”, declarou, argumentando que o facto do menino ter dito que não tinha tempo é uma peça-chave para a investigação policial porque sugere uma “espécie de corrida”. Postiglione não sabe quantas crianças foram abordadas por estas contas, mas “pelo menos dez amigos do menino”, única vítima mortal deste esquema até à data, também estavam a jogar.
“Envia-me uma nude” foi um dos pedidos que um terceiro curador, que entretanto eliminou a conta no Instagram, fez a Ana. O i recorreu a fotografias disponíveis em bancos de imagens para satisfazer o administrador que respondeu “Oh, isto serve perfeitamente!”, o que configura o crime de extorsão sexual. Se os agentes do crime tiverem a intenção clara de explorar a vertente sexual das vítimas para distribuir, comercializar ou partilhar os conteúdos eróticos obtidos, “poderemos estar a falar de um crime de pornografia de menores. Ou seja, alicia-se o menor para fazer um filme, uma gravação, uma fotografia”, disse Marcos Assunção, e o facto de alguém ter os conteúdos armazenados já configura um crime, não é necessário que haja uma distribuição. Portanto, os curadores poderão ser punidos com até oito anos de prisão caso as vítimas sejam menores. Se forem adultos, estaremos perante utilização de imagens e vídeos não consentida ou a extorsão. “Há muitos casos em que, depois de obterem estas informações, têm a intenção de obter rendimento e levam a que a vítima disponha patrimonialmente de algo. No caso de menores, é um pouco mais difícil, mas um adolescente pode ter acesso a cartões de débito ou crédito. E, ameaçados, acabam por ceder e este crime que é punido com pena de até cinco anos”, disse. É de evidenciar que que estes crimes podem ser agravados mais 1/3 nos limites mínimos e máximos se estivermos a falar de pessoas que são particularmente vulneráveis face a vários fatores como a idade ou o estado psicológico (mesmo que maiores). “Neste desafio, parece haver uma determinação clara do agente em ir diminuindo, ao longo do tempo, a capacidade de raciocínio da vítima”, disse. Objetivamente, nos menores de 16 anos, segundo a lei, aplica-se a pena máxima independentemente da “diminuição da sensibilidade e da capacidade de valoração”. Mas, no caso dos adultos, só se aplica a pena máxima neste âmbito. Na pornografia de menores, as penas podem ser agravadas se os crimes forem praticados contra/na presença um/de um menor de 16 anos.
“Vou falar com os outros para ter mais ideias”, “Tenho muitas pessoas a trabalhar comigo” ou “Somos mais de 100 pessoas a trabalhar com o Jonathan Galindo” foram algumas das frases enviadas pelos curadores a Ana. Assim, estamos perante uma organização em que há uma hierarquia: alguém manda e os administradores estão numa posição inferior. “É o crime de associação criminosa. Basicamente, um grupo é formado e organizado com o fim de ter uma atividade destinada à prática de vários ilícitos”, admitiu Marcos Assunção, descortinando que a pena é de um a cinco anos, não só para quem funda ou promove, mas também para quem o integra. À sua vez, uma procuradora do Ministério Público (MP) que preferiu recorrer ao anonimato por questões de sigilo profissional, explicitou que a atribuição da definição de associação criminosa “depende de vários fatores a serem apreciados”. Caso a mesma seja verificada, tem sido entendido pela jurisprudência que “são elementos típicos desse crime a existência de uma pluralidade de pessoas, pelo menos três”, assim como “a permanência durante um certo período temporal” neste grupo, “um mínimo de estrutura organizativa”, “um qualquer processo de formação de vontade coletiva e um sentimento comum de ligação”. Em suma, “tudo dependerá da prova recolhida em sede de investigação” e os curadores poderão ser descritos como autor mediato – “aquele que não executa por si o facto, materialmente, deixa que outrem, ou faz com que outrem, o execute por si e para si”, sendo que “este outrem não tem domínio dos factos, é um mero instrumento nas mãos do autor dos ilícitos – , imediato – isto é, a pessoa que comete o crime diretamente. – ou co-autor – “toma parte na execução, no acordo com um plano, sendo a sua participação essencial e contribuiu de alguma forma para a realização e consumação de um tipo de ilícito”, acrescentou ainda a procuradora.
“Sentimos o dever de proteger, tentamos ao máximo conversar com crianças e jovens constantemente para ajudar a identificar ameaças na Internet”, disse Ivan de Souza Castilho, agente da Polícia Civil de Santa Catarina, no Brasil, há onze anos e membro do grupo internacional de polícias que combatem a exploração sexual infantil online, a Child Rescue Coalition. “Lutamos diariamente para levar essas informações que podem ajudá-los a se proteger. Como policial, na teoria, nós agimos após o crime ter sido cometido, onde algum mal foi feito e vitimou uma criança ou jovem”, continuou, adiantando que, juntamente com os seus colegas, acredita que “quando é realizado algum alerta como esse caso”, ajudam “essas crianças, jovens e pais a tomarem mais cuidado e atenção pois sabemos que irá ocorrer novamente, com outro nome e imagem, por isso a importância da eterna vigilância, do controle parental”, salientou.
É de lembrar que, no passado mês de junho, a Polícia Civil de Santa Catarina divulgou um alerta para pais de crianças e adolescentes sobre perfis com o nome do Homem Pateta. À época, a entidade esclareceu que as primeiras publicações ligadas ao jogo tinham sido escritas em espanhol. A autoridade partilhou igualmente que havia emitido este alerta com base no relato de uma família do Paraná e uma delegada responsável pelo caso definiu as evidências como “frágeis”, denominando o post como “forma de prevenção”. A 30 de junho, a Polícia Civil do Distrito Federal (sediada em Brasília) admitiu ter descoberto o autor do perfil Jonathan Galindo, dizendo que este seria italiano e estaria preso de acordo com informações cedidas pela Interpol. “Eu infelizmente não tenho essa resposta. Não saberia responder se de facto ocorreu. Acreditamos que este desafio possa ter sido uma migração de outros boatos em sua origem que acabaram sendo reutilizados nesta nova personagem”, revelou Souza Castilho.
Em entrevista ao i, o também instrutor da ferramenta Child Protection System – dando formação a colegas do Brasil e de outros países da América Latina e tendo obtido o certificado na Embaixada dos EUA e no US Immigration and Customs Enforcement – assumiu que no primeiro caso em que atuou, “a família da vítima deletou as mensagens e o perfil da criança, prejudicando a prova material”. Foram recolhidos os testemunhos da alegada vítima e da família desta. “Acreditamos que não foi apenas um mito. É possível afirmar que nem todo perfil que utiliza o nome Jonathan Galindo existe para cometer crimes. Na pesquisa que fizemos, verificámos que a origem seria apenas para ser um perfil de terror e assustar jovens em busca de mais seguidores e likes em algumas plataformas de redes socias”, constatou, adiantando que “alguns perfis se utilizaram desse contexto de terror para aí então cometer crimes como incitação ao suicídio”.
Souza Castilho tem conhecimento de algumas vítimas, mas em nenhum deles “os donos dos perfis estavam fisicamente em Santa Catarina. Por vezes, era nítido que eram de outros países, inclusive de língua espanhola”, avançou, evidenciando que tal diversidade “é comum nessa grande rede mundial de computadores que chamamos de internet”. Naquilo que diz respeito às vítimas residentes noutros estados brasileiros, “em que foi possível identificar o responsável e por vezes se tratava de menor de idade, foram chamados os pais até à delegacia para esclarecimentos”, explicou.
Colaboração internacional À data do fecho desta reportagem, existiam exatamente 414 contas alusivas ao Desafio do Homem Pateta, com o nome Jonathan Galindo, na plataforma Facebook. No Instagram, o número correspondia a 59. Quando o i pesquisou pelo nome do desafio em português, “Homem Pateta”, não conseguiu encontrar quaisquer resultados, apenas com “Jonathan Galindo” por aparentes razões de segurança. Para o agente, “cada caso é um caso” e “o que dificulta um pouco a investigação é que tudo acontece via troca de mensagens e não postagens, de forma privada, dependendo exclusivamente de uma denúncia de alguma vítima”. Souza Castilho já atuou em órgãos como a Secretaria de Segurança Pública ou o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, contando com experiência em solicitações policiais e de emergência para grandes empresas de tecnologia como o Facebook, o Instagram, o WhatsApp, Microsoft, Apple ou Google. Considera que “por uma questão de liberdade de expressão, não parece ser justo solicitar a exclusão e remoção de todos os perfis com esse nome ou imagem”, embora aquilo que possa ser feito trata-se de “um trabalho em conjunto com as plataformas e redes sociais, de se verificar se esses perfis infringem alguma regra deles, quem sabe se conseguirmos comprovar que se trata de um perfil ou conta falsa, seja mais fácil de se remover sem uma ordem judicial ou um processo judicial que levaria mais tempo”.
Relativamente à colaboração desenvolvida entre as redes sociais, a procuradora do MP esclareceu que existem formulários disponíveis para realizar o pedido de dados em processo-crime, seguindo a mesma linha de raciocínio que Souza Castilho. A título de exemplo, o do Facebook visa perceber, entre outros fatores, se o pedido é urgente (caso o processo envolva arguidos privados da liberdade, encontre-se em risco de prescrição ou outro motivo considerado válido pelo magistrado) e até se é confidencial. Naquilo que diz respeito à breve descrição dos factos e crimes, a operadora apela a que seja referida a lei aplicável, existindo até a possibilidade de fundamentá-lo com base na lei portuguesa com a Lei nº 109/2009, Artigo 14º ou artigos do Código do Processo Penal, seguidos da alínea “outro”. As questões lançadas prendem-se igualmente com dados como a identidade, o username e a residência do utilizador ou o endereço de IP utilizados no registo inicial da conta.
“Utilizamos sempre um exemplo da praça pública, onde uma criança não pode visitar sozinha sem estar acompanhada de um adulto, a qualquer hora do dia ou noite. Assim é a internet. A supervisão é necessária sempre”, disse o agente brasileiro, reforçando que “o diálogo deve sempre prevalecer, para que a criança e o jovem entendam também os perigos e a necessidade de ter um adulto monitorando e auxiliando o acesso a rede mundial de computadores”.
Caso português O i conseguiu falar com Patrícia (nome fictício), de 14 anos, que esteve em contacto com uma das contas do desafio. “Ele mandou-me mensagem e eu simplesmente bloqueei-o”, disse, revelando igualmente que não chegou a jogar. “Eu já passei por bullying, mas quem jogou foi uma amiga minha que estava super mal”, confessou. Com a mesma idade, João (nome fictício) seguia variados perfis do Homem Pateta, no Instagram, mas não hesitou em dizer que o fazia apenas por “achar piada”. O mesmo verificou-se com Manuel (nome fictício), que não partilhou a idade, mas prometeu colocar-nos em contacto com uma amiga que, à época, estava no jogo. “Mandei-lhe mensagem, mas não me respondeu. Por isso, não te posso dizer nada”, escreveu nas mensagens privadas da rede social anteriormente referida.