A controvérsia da abertura antecipada dos supermercados. “Isto é uma palhaçada”

A controvérsia da abertura antecipada dos supermercados. “Isto é uma palhaçada”


Antecipação do horário de abertura dos supermercados tem gerado tensão entre pequenos e grandes comerciantes.


A discrepância entre as medidas aplicadas, no Conselho de Ministros extraordinário da semana passada, ao comércio tradicional e aos hipermercados conduziu a uma escalada do sentimento de injustiça nos pequenos comerciantes. Na quarta-feira, a Jerónimo Martins avançou que os supermercados Pingo Doce abririam às 6h30 e encerrariam às 22h. O que motivou reações entre os atores políticos de alguns dos 121 concelhos de maior risco de contágio pelo coronavírus.

Na sua página oficial do Facebook, Carlos Carreiras, autarca de Cascais, publicou um despacho esclarecendo que “os estabelecimentos comerciais do concelho deverão respeitar os horários de abertura que atualmente se encontram a praticar, não sendo permitido iniciar a sua atividade mais cedo do que no horário habitual”. A seu lado, na mesma rede social, Fernando Medina, autarca de Lisboa, elucidou que emitiu, esta quinta-feira, “um despacho clarificando que (…) não será aceite abertura antecipada”.

Recorde-se que as deslocações a mercearias e supermercados constituem uma das exceções na proibição de circulação na via pública nas tardes e noites dos próximos dois fins de semana, sendo a restauração excluída desta ‘benesse’.

“Acho que isto é uma palhaçada”, começou por explicar Ana (nome fictício), funcionária num Pingo Doce do concelho de Oeiras há quase 30 anos. “Não fomos diretamente informados acerca de nada. Disseram-nos ontem, antes de o Isaltino Morais ter proibido a alteração do horário, que iriam abrir às 6h30 da manhã e fechar às 22h”, adiantou a lojista, que sabe que muitos dos colegas tiveram conhecimento desta novidade quando depararam com o placard informativo que se encontra à porta do estabelecimento. A funcionária de 58 anos trabalhará no domingo, entre as 11 e as 21h. “No fundo, aproveitam-se mais dos trabalhadores do que aquilo que deviam”, clarificou, acrescentando que “isto não é justo, porque nós também temos família e, se existe um recolhimento obrigatório, devíamos ser abrangidos por ele”.

De facto, na tarde de quinta-feira, numa nota de imprensa enviada à comunicação social, a Jerónimo Martins avançou que “a alteração extraordinária de horários comunicada pelo Pingo Doce gerou uma controvérsia nacional que não esperávamos e que não desejámos”, deixando claro que a intenção do Pingo Doce era “a de contribuir para evitar a concentração de clientes no período da manhã, facilitando o desfasamento das visitas” e concluindo que “face às múltiplas interpretações (…) e ao nível da discussão pública gerada, o Pingo Doce informa que os horários habituais das suas lojas se manterão inalterados”. Na ótica de Ana, a solução seria simples: “Bastava abrirem das 8h30 às 13h, por exemplo, porque as pessoas teriam muito tempo para se organizarem. Antigamente abríamos às 13h e só voltávamos a trabalhar integralmente às segundas. E ninguém morria à fome”.

As promoções veiculadas pelos hipermercados também têm estado no centro desta polémica. A título de exemplo, o Pingo Doce (da Jerónimo Martins) e o Continente (propriedade da Sonae) – que, em resposta oficial ao i, disse ter antecipado o horário de abertura de algumas lojas para as 8h00 “já há algumas semanas” – estão a oferecer 50% de desconto imediato em todos os brinquedos desde terça-feira, prolongando esta campanha até à próxima segunda-feira. Tal não terá sido estrategicamente planeado para este período de recolhimento obrigatório, mas coincide com as restrições dos dois fins de semana que se avizinham.

Naquilo que diz respeito às promoções dos brinquedos em específico, Ana acredita que trarão mais pessoas ao Pingo Doce. “Penso que vai haver muita afluência, mas depende da consciência de cada um. Medo, temos todos os dias porque levamos com as pessoas em cima de nós, não há regras, é tudo ao molho e fé em Deus”, explicou.

“O problema das exceções é que são muitas”, disse Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. O médico especializado em saúde pública e epidemiologia receia que “acabe por derrotar um bocadinho o papel das definições concretizadas”, porque “há coisas que não fazem muito sentido, por exemplo, podermos ir a supermercados buscar comida e não podermos recorrer aos take-away dos restaurantes”, sugerindo que o risco de contágio “não há de ser muito maior, até pode ser menor, porque, muitas das vezes, as entregas da restauração são feitas no exterior dos restaurantes”. Para o profissional de saúde, “o fundamental é que haja cumprimento das medidas e que as pessoas, dentro do contexto do supermercado e da mercearia, evitem concentrar-se muito, utilizando a máscara e mantendo a distância de segurança recomendada”.