Acordar por volta das 8h, tomar banho e o pequeno-almoço rapidamente, levantar a avó uma hora mais tarde, ajudá-la a levantar-se, a lavar-se, dar-lhe comida e levá-la para a sala. Pelas 12h, depois da lida doméstica, dar-lhe o almoço e observá-la enquanto dorme uma sesta no sofá. Às 19h, tratar do jantar, alimentar a avó e, por volta das 21h, levá-la para o quarto para que durma. Durante quase sete anos foi esta a sucessão de acontecimentos do quotidiano de Estefânia Neves, hoje com 25 anos, cuidadora informal principal da avó – que teve um AVC e perdeu a independência – desde os 18. “Não podia trabalhar nem estudar enquanto cuidava dela porque não podia ficar sozinha”, recordou a jovem residente em Santo Tirso, no Porto, que há cerca de um mês foi viver sozinha e encontrou o primeiro emprego.
“Trabalho num call center, sinto-me melhor a nível psicológico, pois já tenho uma rotina”, explicou, acrescentando com assertividade que nunca se culpabilizou enquanto cuidava da avó a tempo inteiro, mesmo tendo-se sentido fragilizada emocionalmente. “Sempre cuidei dela da melhor forma que conseguia”, disse, revelando que, atualmente, a mãe é a cuidadora principal da avó, para que Estefânia tenha a oportunidade de integrar o mundo laboral. “Nota-se que ela está com um esgotamento muito grande”, revelou acerca das demandas dos cuidadores informais que, neste momento, a sua progenitora enfrenta sozinha durante a semana. Aos sábados e domingos, a portuense faz questão de acompanhar e auxiliar a mãe e a avó.
“A nível físico, aquilo que é mais difícil é dar banho. De resto, a minha avó vai andando sozinha, mesmo que devagar”, evidenciou a rapariga que, após ter solicitado um subsídio, passou a receber 198 euros mensalmente. “Não sei muito sobre o estatuto, mas seria necessária mais ajuda monetária visto que o cuidador não pode trabalhar. Vivíamos da reforma da minha avó”, constatou, adicionando que “a ajuda psicológica também devia ser disponibilizada”.
Desde 2013, Estefânia não esteve regularmente com amigos nem realizou outras atividades habitualmente associadas aos jovens da sua idade. Não havia tempo disponível para o lazer, “ficava apenas em casa” com a avó. Apesar da longa batalha que travou contra as sequelas que o AVC trouxe à avó, a dedicação não desvanece e não deixa de acentuar que “os piores momentos são quando ela fica doente” e não se sabe aquilo que se passa, na medida em que “não fala, então, é muito difícil ajudar”. Aliás, “emite sons, cocococo, é assim que fala. E é muito desgastante estar o dia todo a tentar perceber o que quer. E, quando não percebemos, levanta a voz”.
De acordo com dados veiculados, em 2017, pelo investigador Bruno Alves, e citados na obra Cuidar de Quem Cuida – lançada em setembro e da autoria do deputado José Soeiro, da socióloga Mafalda Araújo e de Sofia Figueiredo, da Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI) –, existiam 827 mil cuidadores informais em Portugal, correspondendo a 8% da população. Vinte e cinco por cento desempenhavam esta atividade a tempo inteiro e 75% faziam-no a tempo parcial. Por outro lado, o valor económico estimado dos cuidados informais correspondia a 4 mil milhões de euros anuais, equivalentes a aproximadamente 333 milhões de euros mensais. Além disso, quatro em cada cinco cuidadores eram mulheres, tal como Estefânia e a mãe. No entanto, perante esta realidade, a recém-trabalhadora salientou que “os cuidadores informais não são reconhecidos como deveriam, não há ajudas como deveria haver” e, neste leque de possíveis ferramentas que facilitassem e promovessem o trabalho dos cuidadores informais, realçou a importância “da formação mais específica”, oferecida pelo Estado, para que os cuidadores ajudem “da melhor forma”. Mas, por enquanto, considera que “o Estado português não consegue dar resposta” a esta situação e, enquanto não lhe faltar força, continuará a enternecer-se quando a avó bate palmas “e fica toda feliz” quando a vê. Se pudesse dar um conselho aos outros cuidadores informais, dir-lhes-ia “para terem muita paciência e amor com/à pessoa de que estão a cuidar”.
Quando a demência bate à porta “A minha avó tem 88 anos e sempre foi muito autónoma. Mas tudo começou a piorar há um ano, quando a minha mãe chegou a casa e encontrou-a completamente desorientada, quase sem conseguir caminhar, sem reconhecer a família e com linguagem fora do contexto”, avançou Regina Mendes, de 29 anos, cuidadora informal da avó a tempo parcial e residente em Amarante. Afinal, a idosa esteve internada dez dias após ter passado por um acidente isquémico transitório (AIT) e, depois da realização de uma ecografia, a equipa médica entendeu que tinha a artéria carótida “entupida”. Decidiram que a cirurgia não seria a opção mais acertada devido à idade avançada; porém, a avó de Regina teve outro AIT a 24 de março deste ano. “Pensei que a minha avó ia morrer naquele momento, à minha frente”, evocou Regina com transtorno, transmitindo que o diagnóstico médico pode ter falhado porque “com isto da pandemia, se calhar não foi avaliada corretamente”, lembrou, apontando este período como aquele em que a avó começou a agir com agressividade, a não reconhecer a família, a colocar “a casa do avesso e a deitar imensos pertences ao lixo”. No passado mês de junho, “em desespero” para conseguir uma consulta de neurologia para a avó, Regina soube que a mesma tinha demência com corpos de Lewy em estado grave, “com o quadro de declínio cognitivo marcado por défice multidomínios associado a alterações do comportamento, alucinações e quadro delirante”, especificou com mestria.
Entre março e setembro, a mãe encontrava-se de baixa médica e ajudava-a a cuidar da avó entre a hora do almoço e a do lanche, porque trabalha como assistente de medicina dentária a partir das 18h30. Agora, presta cuidados até ir trabalhar, “é uma situação bastante recente”. Conciliando os horários de trabalho distintos com os da mãe, consegue fazer esta ginástica temporal porque trabalha maioritariamente durante a noite e aos sábados. “Sempre tive mais do que um emprego, mas a pandemia tirou-me isso”, e a atividade de cuidadora informal também não possibilita que aja como uma jovem adulta. “O meu único dia livre é o domingo e é aí que organizo as minhas coisas em casa e tento descansar quando é possível”, indicou.
Vive com o namorado, considerando que tem a sorte de ter um companheiro “que trata de tudo aquilo que é necessário”, mas não tem hipótese de conviver com ele como seria expetável. Todos os dias dá o pequeno-almoço à avó, tenta perceber como ela passou a noite, prepara o almoço, coloca-a a ver “um bocadinho de televisão” para cozinhar, alimenta-a, arruma a cozinha, deita-a um pouco na cama, arruma aquilo que ficou para trás, tenta estimular a cognição da avó com recurso “a alguns jogos e vídeos no telemóvel”, pois a avó sempre gostou de ler e escrever poemas, paixões que a doença tem matado a cada dia. Quando a mãe volta a casa, dirige-se ao part-time na clínica dentária, voltando a casa entre as 22h e as 24h.
“O cansaço físico e o medo de falhar foram uma bomba”, admitiu, justificando que ainda hoje existem dias em que só sente vontade de chorar “constantemente”. Relativamente ao sentimento de culpa, não sabe se essa é a denominação exata daquilo que sente, mas costuma dizer à mãe que se acharem que não está “à altura” de desempenhar o papel, “o melhor” é a mãe fazê-lo. Em 2009, na tese de mestrado “Psicologia, burnout e qualidade de vida em prestadores de cuidados informais”, de Isa Costa, após a análise dos indicadores de burnout (exaustão) e qualidade de vida em prestadores de cuidados a doentes acamados, com a participação de 74 inquiridos, foi concluído que o valor de qualidade de vida era baixo e o burnout, “nomeadamente ao nível psicológico, social e com visíveis repercussões na vida pessoal”, indiciava “um desgaste social e psicológico no exercício da sua atividade”. Por outro lado, em 2017, a Cuidadores Portugal – primeira associação dedicada aos cuidadores informais, em território nacional, de carácter multidisciplinar e independente – definiu a síndrome do cuidador informal como “exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal”, resultando esta da “exposição prolongada ao stresse e à sobrecarga de trabalho”. Mesmo personificando as agruras que os cuidadores vivem, Regina continua a tentar transmitir palavras de alento a quem desempenha esta atividade: “Tenham muita força, acima de tudo. É uma luta diária bastante dura”. E acrescenta: “Foi esta pessoa que permitiu a minha existência e que, no meu caso, me ensinou a ser sempre melhor, a ser uma boa menina, nas palavras da minha avó. E talvez o cuidar dela seja pouco quando eu lhe devo tudo”.
“E de nós, quem cuida?” é o título da página de Facebook de Carla Catarina Neves, jornalista em standby, como se autodefine, de 45 anos. Na plataforma, partilha “os dias, as horas, os minutos de uma família de cuidadores de um doente de Alzheimer”. O último emprego que teve foi como proprietária de uma loja de prendas, há cerca de oito anos. A partir daí, descreve que a primeira pessoa de quem cuidou “foi uma tia que tinha uma filha deficiente”. Posteriormente começou a tratar da avó. Há seis anos, do tio, que morreu entretanto. Depois, outra tia, que também perdeu a vida em fevereiro. E, no ano passado, acompanhou um cunhado do pai. “Passei esse ano inteiro entre a minha avó e o meu tio. Tenho os meus pais mas, para os poupar, assumi os cuidados”, desabafou. Sobre o impacto da pandemia no dia-a-dia, refletiu e adiantou que, no seu, não houve “uma grande alteração” porque já está habituada a estar em casa “e a ter muita dificuldade em fazer o que quer que seja”. Carla não pode obter o Estatuto do Cuidador Informal porque vive “num agregado familiar com rendimentos”, ou seja, os pais.
Segundo informação veiculada no site da Segurança Social, o subsídio de apoio ao cuidador informal principal é atribuído aos cuidadores que residam num dos concelhos abrangidos pelos projetos-piloto, tenham idade entre os 18 e os 65 anos e cujos rendimentos de referência do agregado familiar sejam inferiores a 526,57 euros. À revista Sábado, no dia 27 de outubro, o Ministério da Segurança Social adiantou que, até àquela data, haviam sido atribuídos 102 subsídios. Na ótica de Carla, “a informação é escassa, o acesso à Segurança Social – neste momento – é feito online ou com marcação de presença e uma grande percentagem dos 800 mil cuidadores são pessoas já com alguma idade que não têm acesso à internet e não fazem ideia daquilo que se está a passar”, disse, evidenciando a “fraca divulgação” do mesmo, assim como a falta de empenho das autarquias, que “poderiam ter feito chegar informação importante a casa de cada cidadão”. A nível de cálculos, “a média está nesse valor, mas a realidade será outra”, chegando à conclusão de que, provavelmente, receberia “100 e poucos euros” pelo facto de a avó receber de pensão mais do que o ordenado mínimo. Na sua opinião, o Governo podia pagar aos cuidadores informais aquilo que paga às instituições de acolhimento ou, então, poderia seguir a referência do valor atribuído às famílias de acolhimento de idosos e adultos com deficiência. “Há valores estipulados e é tudo acima dos 300 euros”, concluiu.
Que importância tem o Estatuto do Cuidador Informal? Outubro de 1997. Um pai de primeira viagem, Carlos Costa, então com 29 anos, viu o filho ser “vítima de negligência médica grosseira”. O menino, Filipe, hoje com 23 anos, “nasceu com anoxia perinatal, morto, foi reanimado durante meia hora, recuperou, mas as lesões foram muito grandes”, relatou o cuidador informal de Barcelos, Braga. Chegou a ver o bebé ser transferido pelo INEM até ao Hospital de São João (no Porto), a desenvolver uma sépsis e “no fio da navalha, mas ele agarrou-se à vida e passou para a fase dos cuidados intermédios”. O diagnóstico, dito a Carlos, atualmente com 52 anos, e à esposa, “de ânimo leve” pela equipa médica, não tardou a chegar: paralisia cerebral grave. “Teve praticamente uma hemorragia uma vez por ano e pensávamos que ele não aguentaria, que seria sempre a última. Costumo dizer que tem sempre um anjo perto dele nessas alturas. Eu não desejo que ninguém veja, como já o vi, a morrer nos meus braços. Sempre se agarrou à vida e está cá”, partilhou com emoção.
Carlos é bombeiro voluntário, não ganha “qualquer euro” pelo serviço que presta. Tinha uma escola de condução, mas foi “obrigado a reformular a vida” devido aos internamentos sucessivos de Filipe. Em certos períodos alugava um quarto no Porto e fazia turnos com a mulher: de noite, ficava com o menino e, de dia, dormia, sabendo que ele estava ao cuidado da mãe. Na maior parte do tempo trabalhava “quase 24 horas” para que a mulher pudesse ficar em casa com o filho, para que tivessem “pão na mesa” e não lhes faltasse nada, explicou o homem que agora se dedica ao transporte especializado de crianças, mas teme que a escola feche e a família fique sem o único sustento.
O reconhecimento do Estatuto do Cuidador Informal presume condições de residência legal em território nacional, idade superior a 18 anos, ter condições físicas e psicológicas adequadas aos cuidados a prestar à pessoa cuidada e ser cônjuge ou unido de facto, parente ou afim até ao quarto grau em linha reta ou da linha colateral da pessoa cuidada. No entanto, três dos pressupostos para se ser cuidador principal são não exercer “atividade profissional remunerada ou outro tipo de atividade incompatível com a prestação de cuidados permanentes à pessoa cuidada” e não receber prestações de desemprego, como se corrobora no documento atualizado a 1 de setembro no site da Segurança Social. “Os assistentes sociais, nos gabinetes, perguntam apenas quais são os nossos rendimentos. Nunca perguntam quais são as despesas”, lamentou Carlos, que não lhe vê ser reconhecido o tão ambicionado estatuto e tem vindo a verificar que “muita gente pensa nos meninos como o Filipe enquanto números, não como humanos”. Sublinhe-se que, segundo o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, até ao fim do mês passado foram apresentados 2559 requerimentos deste estatuto, em todo o país. Destes, 530 foram deferidos, isto é, apenas 20% foram aceites.
O pontapé de saída dado pela Cuidadores Portugal data de 2007, quando um grupo de profissionais de saúde criou uma rede que representava os cuidadores de Portugal. Volvidos oito anos, aquando da realização das teses de doutoramento de Bruno Alves e de Ana Ribas Teixeira, o projeto foi desenvolvido "num exercício de cidadania". O fundador e a co-fundadora da Cuidadores Portugal, respetivamente, doutoraram-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Santiago de Compostela, em Espanha. Para o trabalho final, Ana Ribas Teixeira estudou o ajustamento emocional à lesão vertebro medular traumática e Bruno Alves explorou a perspetiva do ajustamento dos cuidadores. "Sabíamos que íamos encontrar dados sugestivos do impacto da lesão medular traumática na vida dos cuidadores, mas não estávamos à espera da magnitude dos resultados. A título de exemplo, os cuidadores manifestavam níveis expressivos de morbilidade psicológica muito superiores à população em geral e, apresentavam pior qualidade de vida comparativamente com as pessoas com lesão. Regularmente recebíamos relatos de grande sofrimento emocional e, não havia nada mas nada em Portugal orientado especificamente para os cuidadores", disseram os dirigentes da associação.
Na ótica dos investigadores, "a tese era mais um título" e questionaram-se acerca da validade dos títulos na inexistência de impacto. "De que servem senão para sermos agentes de mudança?", perguntou Bruno Alves. Deste modo, criaram a Portincarers (acrónimo de Portuguese Informal Carers) Associação Cuidadores de Portugal e, com marca registada Cuidadores Portugal. "É, assim, uma associação nacional, que tem como objetivo dar voz aos cuidadores e promover a criação de sociedades amigas dos cuidadores. Temos participado em atividades de lobby a nível europeu, em múltiplas reuniões – uma das mais relevantes foi a apresentação da estratégia da Eurocarers [rede que se dedica à representação dos cuidadores dos estados-membros] Enabling Carers to Care no Parlamento Europeu – e, na vertente nacional, integramos grupos de trabalho para subsidiar a criação de medidas de apoio aos cuidadores", elucidaram os líderes cuja meta primordial passa por dar voz aos cuidadores – através de lutas como aquela que resultou na criação do Estatuto do Cuidador Informal – e apostar no empreendedorismo por meio, a título de exemplo, da primeira plataforma plurilinguistica europeia (plataforma Informcare) de informação e de apoio aos cuidadores informais. Sublinhe-se que esta integra 27 países e introduziu a questão da urgência da criação do Estatuto, em Portugal, em 18 de setembro de 2015. Posteriormente, participaram numa iniciativa do Governo Escocês – Carers Parliament – onde viram ser apresentado o Carers Scotland Act, um estatuto de raíz para os cuidadores – e inspiraram-se para continuar a tentar que este Estatuto visse a luz do dia em território nacional.
É de realçar que, com o conhecimento da experiência escocesa, Bruno Alves e Ana Ribas Teixeira viram muitas das medidas que sugeriram serem integradas no documento Medidas de Intervenção Junto dos Cuidadores Informais, apresentado pelo Grupo de Trabalho do Ministério da Saúde e Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social e que subsidiou a criação do Estatuto. "Não podemos deixar de referir os diversos movimentos associativos e políticos, designadamente o papel de extrema relevância do nosso Presidente da Républica, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, de todos os partidos políticos e, em particular da Eurodeputada Marisa Matias e do Bloco de Esquerda", avançaram Bruno Alves e Ana Ribas Teixeira, acrescentando que também se deve prestar atenção aos "novos movimentos associativistas, designadamente a ANCI, sendo que na Região Autónoma da Madeira "é de referir o seu pioneirismo na criação do primeiro estatuto do cuidador em Portugal".
Não colocando de lado as assimetrias regionais assim como de faixas etárias naquilo que concerne a infoinclusão, a Cuidadores Portugal, "consciente de que muitos cuidadores não dominam as novas tecnologias, especialmente, em meios mais rurais", criou programas de rádio em parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e contou com o apoio da Ordem dos Médicos, dos Enfermeiros, dos Nutricionistas e dos Psicólogos assim como da Provedoria da Justiça. Por outro lado, definiu, em 2019, numa reunião da direção da Eurocarers, a aprovação da criação do Dia Europeu do Cuidador. "Conscientes de que não existe um dia mundial do cuidador e, dada a diversidade de datas europeias, pensámos na importância de uma voz síncrona e criou-se este dia" que foi celebrado, pela primeira vez, no passado dia 6 de outubro. Simultaneamente, a associação almeja continuar a investir na inovação e na divulgação das vozes dos eurodeputados "com interesse na criação de sociedades amigas dos cuidadores", tendo estes diferentes bases políticas, desde Marisa Matias, passando por Sara Cerdas, Manuel Pizarro, Francisco Guerreiro ou Isabel Carvalhais. "Neste momento, a nível de Bruxelas e do Parlamento Europeu, o Informal Carers Interest Group, é co chaired" pela eurodeputada Marisa Matias (Bloco de Esquerda), Luke Flanagan (European United Left–Nordic Green Left) e Sirpa Pietikäinen (European People's Party) sendo que a estratégia europeia assenta num princípio basilar: construir sociedades amigas dos cuidadores moldando as políticas europeias.
As lacunas do Estatuto do Cuidador Informal apontadas no pedido de avaliação da concretização do Estatuto do Cuidador Informal, em 6 de outubro, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda representado pelo deputado José Soeiro, são o reforço da proteção laboral – "previsto no artigo 14.ª da Lei, que estabelece que 'o Governo procede, no prazo de 120 dias, à identificação das medidas legislativas, administrativas ou outras que se revelem necessárias ao reforço da proteção laboral dos cuidadores informais não principais'" sendo que "permanece por fazer" -, a questão de várias dimensões previstas no Estatuto aplicarem-se somente aos concelhos abrangidos pelos projetos-piloto – "funcionam durante 12 meses, ao fim dos quais deve ser feita uma avaliação para que se generalizem a todo o país as medidas aí aplicadas" -, o processo de acompanhamento e avaliação da lei que prevê o estatuto "na sequência do qual o Estatuto do Cuidador Informal pode ser revisto e densificado", o facto de que o subsídio, no primeiro ano de alcance do Estatuto, só foi atribuído a 30 concelhos onde decorrem projetos-piloto – o Estatuto "foi mitigado pela escolha política de restringir alguns aspetos estruturantes" como aquele que foi anteriormente referido -, a falha da comunicação naquilo que diz respeito à disseminação deste Estatuto e do respetivo subsídio – o Bloco de Esquerda propôs "uma campanha pública de divulgação, através da Segurança Social, mas também dos meios de comunicação social, dos Censos Sénior da GNR e de outros dispositivos disponíveis" – e a existência de concelhos em que os projetos-piloto apresentam fragilidades – "é pois da maior importância fazer desde já um ponto de situação e uma avaliação preliminar sobre a implementação do Estatuto do Cuidador Informal, os seus avanços, as suas lacunas e o que está por fazer".
No dia 5 de novembro, para assinalar o Dia do Cuidador Informal, a ANCI organizou o Encontro Nacional de Cuidadores Informais, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Nessa data, informou que o número de cuidadores informais, em Portugal, deverá rondar 1 milhão e 400 mil pessoas, isto é, um valor impulsionado pela pandemia, essencialmente devido ao fecho das respostas sociais. Este número foi obtido através da realização de um inquérito. Na ótica de Nélida Aguiar, uma das responsáveis da ANCI, um dos principais resultados do inquérito demonstra que o número de cuidadores informais é mais elevado do que os 8% a 10% que se estimava. Em entrevista à RTP, mencionou que participaram 1800 pessoas neste inquérito. Aproximadamente metade (52%) apontou conhecer algum cuidador informal, 14% afirmou ser o próprio cuidador, 44,5% explicou que um familiar é cuidador e 26,5% indicou amigos, tal como 23% mencionou conhecidos como cuidadores informais. Quase um terço dos inquiridos (28,5%) é ou já foi cuidador informal e 78,5% descreveu a função como dar apoio ao doente a tempo inteiro. No seguimento dos dados apurados há três anos por Bruno Alves, atualmente apurou-se que 64% dos cuidadores informais são mulheres, 69,5% têm idades compreendidas entre os 25 e os 54 anos e tornam-se cuidadores informais a tempo inteiro. Entre os inquiridos, 97,5% defende mais apoios e 85,5% explicitou que deveriam ser de cariz financeiro. 71% dos inquiridos almeja mais apoio na prestação de cuidados, 68,5% em termos laborais, 64% requisita apoio psicológico e 49% sugere apoio legal.
O Mundo do Gonçalinho é a página que Tânia Vargas, de 30 anos, criou em 2018, aquando da celebração do primeiro ano de vida do filho que nasceu com osteogénese imperfeita e síndrome de Ehlers-Danlos, “doenças com base numa mutação genética que fazem com que tenha ossos, músculos e articulações frágeis” e que conduzem a que “qualquer pequeno trauma possa fazer com que parta um osso ou tenha uma lesão muscular/articular”. O menino de três anos precisa de vigilância constante, padecendo de outras condições como autismo, o que dificulta a comunicação entre a progenitora e a criança, e também problemas oftalmológicos, cardíacos e pulmonares. A jovem mãe trabalhava na área do marketing, mas dedica-se exclusivamente “ao dia-a-dia repleto de terapias e consultas”, até porque Gonçalo é “seguido em 14 ou 15 especialidades”. Tânia está ”em processo” de solicitar o estatuto que, na sua ótica, poderia ser “um processo muito mais simplificado e abrangente”. Quem concorda com a cuidadora informal é Bruno Alves, membro da Eurocarers e da Cuidadores Portugal e médico especializado em neuropsicologia, opinando que “o estatuto é particularmente orientado na sua conceção em termos de subsídio para os cuidadores em maior risco de pobreza e de exclusão social”, não escondendo que existe “um longo caminho que está a ser feito. Mas existe, claro, espaço para melhoramento, lutas e conquistas”.
A Cuidadores Portugal está a desenvolver, no âmbito de um consórcio internacional e com apoio institucional da Liga Portuguesa Contra o Cancro e a Europa Donna Portugal – membro da coligação europeia para defender as mulheres portuguesas que sofrem de cancro junto das autoridades locais e nacionais –, uma “aplicação móvel para a prevenção do cancro da mama das cuidadoras informais”, desvendou Bruno Alves. Por seu turno, Ana Ribas Teixeira salientou que também estão a lutar pela existência de uma discussão pública no sentido de apoiar os jovens cuidadores, isto é, aqueles que têm menos de 18 anos. “Afinal, estes jovens existem!”, comentou, revelando que, numa iniciativa conjunta com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, a associação apoiará, nos próximos dois anos, 100 jovens cuidadores. Naquilo que diz respeito ao efeito da pandemia na possível falta de conhecimento e vontade que os cuidadores informais possam ter para fazer valer os seus direitos, Bruno Alves adiantou que “a pandemia tem, de facto, colocado pressão nos serviços sociais e de saúde de uma forma nunca antes vista”, sendo “uma prova de fogo à nossa capacidade de resiliência. E têm sido dadas outras prioridades”, destacando positivamente a colocação em marcha dos projetos-piloto. Ana Ribas Teixeira criticou a falta de respostas sociais dadas aos cuidadores informais desde o início da pandemia, pois “um estudo recente da Merck e do movimento Cuidar dos Cuidadores verifica existirem 14%, um número muito elevado” quando comparado com os 8% de 2017, “o que demonstra a maior sobrecarga dos cuidadores” e “é um sinal de alarme social”, pois “a pandemia não deve ser escusa para o atraso, mas sim um acelerador das respostas".