Mãos cheias de nada


Pensar é hoje um ato raro e contrapõe-se ao ato de julgar – julgamos muito, mas pensamos pouco.


O ato de aprender deve ser uma constante nas nossas vidas e, enquanto assim for, estaremos no bom caminho. Porém, caímos facilmente na tentação de esquecer que, além da escola, o nosso lar e o nosso trabalho podem e devem ser lugar de aprendizagem. Aprende-se de várias formas e feitios, e porque somos capazes de aprender, ainda nos distinguimos das máquinas.

Por acreditar nisto, ficaria feliz se hoje, graças a mim, pelo menos um leitor se sentisse mais conhecedor depois de ler este texto. Falemos, por isso, de agnotologia.

Esta palavra, desconhecida da maioria, traduz o estudo das políticas de produção da ignorância e é usada tão raramente que, neste momento, a máquina onde escrevo este texto assinala-a como sendo um erro de português. Assim continuará a ser até que algum ser humano a introduza no sistema. É que as máquinas continuam a precisar de humanos… felizmente!

São muitas as causas que parecem justificar a produção deliberada da ignorância com o fim de favorecer alguns. Durante anos a fio, a humanidade construiu e defendeu o ideal de levar o saber tão longe quanto possível. Mas agora, hoje mais do que nunca, existe esta tendência maquiavélica para sobrepor a ignorância ao conhecimento. Oferece-se a ignorância como um produto útil e de valor.

Esta produção em massa de mãos cheias de nada revela-se na lavagem cerebral a que estamos sujeitos constantemente através dos meios de comunicação social, através das estratégias políticas e económicas.

O sistema do qual fazemos parte prefere uma apatia sufocante e devoradora a uma posição de irreverência típica do sujeito pensante. Por sua vez, o pensador torna-se rapidamente um rebelde, uma espécie de revoltado a quem se diz que sim enquanto se encolhe os ombros. Será esta uma forma de não existir? Talvez, pois cada vez que alguém se sujeita a deixar de pensar, deixa de ser.

Pensar é hoje um ato raro e contrapõe-se ao ato de julgar – julgamos muito, mas pensamos pouco.

Em boa verdade a produção da ignorância não é de agora, é uma arte tão antiga como a história da humanidade. Assim sendo, podemos interrogar-nos sobre alguma mudança ocorrida, responsável pela criação de uma nova palavra – agnotologia. A resposta é simples: do mesmo modo que em todas as áreas há especializações, esta passou a ser mais uma. Finalmente se reconhecem os doutores que servem o anticonhecimento. Ao que parece, dá emprego, tem procura e está na moda. Raça de víboras, nem mordendo a própria língua seriam úteis à humanidade.

 

Professor e investigador