Numa sociedade global cada vez mais fraturada e quando se aproximam a passos largos as eleições presidenciais americanas, que são disso o mais mediático e expressivo exemplo, vai crescendo a sensação, quando avaliamos ou debatemos os temas de atualidade no mundo, no país ou na comunidade em que vivemos, que a cisão se fundamenta numa base ideológica, mas sobretudo psicológica, e que em função do olhar e da perspetiva, uns veem o copo meio cheio, e outros meio vazio.
Sinal dum acrescido relativismo, é muito difícil encontrar medidas, ações, soluções que sejam plenas na aceitação ou na recusa por cada indivíduo e muito menos por cada agregado social, económico ou político. Em Portugal, a divisão extrema na aprovação na generalidade do Orçamento do Estado para 2021 em tempo de pandemia seria impensável a outra luz que não a da dicotomia antes evidenciada.
Num quadro de interligações e redes cada vez mais apertadas, qualquer escolha, da mais simples à mais complexa, tem impactos sistémicos e é, portanto, muito difícil de agradar a gregos e a troianos.
Escolher é um exercício complexo, mas fundamental. As sociedades serão tanto mais resilientes quanto mais os seus cidadãos estiverem capacitados para escolher e compreender as escolhas de quem mandatam para escolher por eles, e para optar e participar nas opções das comunidades em que se inserem.
Um destes dias, depois de um animado debate com um amigo sobre o contexto económico e político nacional e europeu, em que divergimos no ponto de vista, eu argumentando no meu realismo otimista de que o copo estava meio cheio e ele asseverando, no seu pessimismo realista, que estava meio vazio, concluímos, sendo ambos enófilos, que meio vazio ou meio cheio, o importante era o dito recipiente estivesse preenchido com algo de bom. Por exemplo, com bom vinho alentejano.
Uso esta metáfora para transmitir uma ideia simples. É cada vez mais difícil dar resposta à aceleração com que temos de decidir e dar respostas, quer no plano da vida de cada um ou das suas famílias, quer no plano das instituições, das organizações, das regiões, das nações ou das parcerias internacionais.
Temos modelos de decisão cada vez mais sofisticados e apoiados por ferramentas que tratam dados e geram informação em tempo recorde, temos cada vez mais conhecimento acumulado e capacidades científicas mais desenvolvidas, temos cada vez mais pessoas qualificadas e treinadas para aconselhar e analisar, mas, em última análise, sabemos que em função das mundividências, das experiências e da comunicação a que acedemos, não haverá consenso quanto à medida daquilo que o copo contém.
O copo pode esvaziar-se, quebrar-se, transbordar. Mas enquanto o formos mantendo meio cheio, o que não é tarefa fácil, convém que seja com escolhas e soluções com qualidade que transmitam confiança e esperança.
Em última análise, é a qualidade da fundamentação da decisão, a clareza do seu propósito e a confiança e a esperança que gera que definem se o copo está meio vazio ou meio cheio, e parecendo isso ser indiferente num determinado momento, não o é para a mobilização das forças positivas e das forças negativas da sociedade e para a forma como o futuro se irá cerzindo nas malhas das interações globais.
Eurodeputado