Vivemos tempos excecionais. Nos últimos meses percorremos vários estados de exceção para enfrentar quadros de emergência ou de calamidade sanitária, social e económica, dos quais verdadeiramente não saímos nunca desde que o vírus tomou conta das nossas vidas e as condicionou até à exaustão.
A governação e o funcionamento das instituições democráticas têm, naturalmente, de se adaptar a este contexto. Isso aconteceu com grande grau de convergência e articulação durante alguns meses, mas a aproximação de eleições presidenciais e autárquicas tem vindo a aguçar as tentações de algumas forças políticas de criarem uma situação de calamidade política para complicar todas as outras. É uma irresponsabilidade.
Esta minha consideração não se fundamenta na circunstância pandémica, o que seria muito perigoso porque abriria veredas para reivindicações ou tentações de suspensão democrática, mas sim na circunstância política que a partir dela se foi criando em Portugal. O Orçamento entregue na Assembleia da República foi alvo de intensa negociação e acomodou propostas de todas as forças políticas, em particular daquelas que se situam no espetro político de centro-esquerda, que constitui a base social de apoio do Governo em funções.
A sensibilidade social alargada do Orçamento do Estado proposto para 2021 é reconhecida por todos os setores de opinião, mesmo por aqueles que se lhe opõem exatamente por isso, recostados num ultraliberalismo ultramontano que quer opor a uma ameaça invisível a “mão invisível” do salve-se quem puder.
Minimizar dentro do possível a crise social é, aliás, um dos maiores contributos que se podem dar para tornar sustentável a sobrevivência do tecido económico e para que este possa absorver com sucesso as medidas e os apoios que lhe são e serão direcionados.
Acresce que o Orçamento do Estado de 2021 têm também de criar as condições para otimizar o aproveitamento do Plano de Recuperação e Resiliência e dos fundos que lhe estão associados, bem como contribuir para a preparação do país para utilizar esses fundos e o Quadro de Financiamento Plurianual 2020/2027, para concretizar uma transformação estrutural da sua economia, das qualificações e da capacidade competitiva e distribuição de riqueza entre as pessoas e entre os territórios.
Cada voto expresso contra o Orçamento do Estado de 2021 tem um significado direto que não pode ser escamoteado. Será um empurrão violento para que o país tenha de sobreviver largos meses com duodécimos de um Orçamento que não foi preparado para as novas circunstâncias que agora enfrentamos, ainda por cima num quadro em que assumimos a presidência da União Europeia no primeiro semestre do exercício.
Acredito que o bom senso evitará a calamidade política que significaria um chumbo do Orçamento do Estado para 2021. Uma calamidade que, a acontecer, não ficaria a dever-se ao aquecimento global provocado pelas emissões de gases com efeito de estufa, mas sim a uma conjuntura gerada por um taticismo político absolutamente extemporâneo.
Eurodeputado