Nomeação.  “Um modelo opaco” e feito em segredo sem escrutínio

Nomeação. “Um modelo opaco” e feito em segredo sem escrutínio


Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e João Paulo Batalha criticam modelo de nomeação. Marcelo manifestou “gratidão nacional” a Vítor Caldeira e disse que José Tavares foi uma escolha intencional. Rui Rio foi decisivo.


O primeiro-ministro, António Costa, voltou ontem a usar o argumento de um único mandato para o Tribunal de Contas, com uma nota oficial do Presidente da República, aquando da nomeação da procuradora-geral da República, Lucília Tiago. E fê-lo ontem até à exaustão na estreia do novo modelo de debate de política geral no Parlamento. O processo de escolha do novo presidente do Tribunal de Contas, José Tavares, (que sucede a Vítor Caldeira) envolveu o presidente do PSD, ouvido por Costa e por Marcelo Rebelo de Sousa, para a decisão. O acordo de Rui Rio foi, aliás, decisivo, para Belém aceitar o nome. Vítor Caldeira, recorde-se, foi o único presidente do TdC que não foi reconduzido.

Mas, o modelo de escolha do cargo está repleto de críticas políticas. E a culpa começa no sistema. Esta é, pelo menos, a opinião do presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), António Ventinhas. Para este responsável a solução passaria por mandatos únicos, distendidos no tempo, sem espaço para uma recondução e mais escrutínio. E claro uma revisão constitucional para o efeito.

Em declarações ao i, António Ventinhas sustenta que mandatos como os da procuradora-geral da República ou do presidente do Tribunal de Contas deveriam ser harmonizados para um prazo de seis a sete anos, sem possibilidade de renovação.

“O que defendo é que todos estes processo são extremamente opacos”, afirma António Ventinhas, sem se pronunciar sobre casos em concreto. O presidente do SMMP já tinha advogado (num artigo de opinião na Sábado) uma revisão constitucional para criar mandatos únicos nestes casos, mas também encontrar uma solução para que a nomeação destes protagonistas tenha maior escrutínio. Ao i, António Ventinhas lembra, por exemplo, que a “nomeação de pessoas para o conselho de fiscalização das secretas ou outro tipo de cargos” são alvos de audições públicas, escrutínio, audiências no Parlamento. “Aqui nem se sabe quem são as pessoas. É tudo feito no segredo em que as coisas acontecem”, contrapõe o dirigente sindical em relação aos cargos de procuradora-geral da República ou do presidente do Tribunal de Contas, seja qual for o Governo ou chefe de Estado. No caso, por exemplo, do Tribunal de Contas, Ventinhas lembra que o sistema prevê que “um governo nomeie o presidente do Tribunal de Contas que é quem lhe fiscaliza as contas e faz o controlo de tudo. O sistema permite isto”. E numa altura em que tanto se discute planos de prevenção de corrupção, a forma de nomeação de alguns cargos permite verificar que “basicamente os jogadores escolhem os árbitros para todos os jogos. As equipas andam a escolher os árbitros”, alerta.

Também o ex-presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, não poupa nas palavras. “Este modelo que está na Constituição, quer para a Procuradoria-Geral da República, quer para o Tribunal de Contas, é o pior possível, porque é um modelo opaco e de acordo de cavalheiros, no limite, entre duas pessoas que são o primeiro-ministro e Presidente da República”, declarou ao i João Paulo Batalha, insistindo que “o que ficou perfeitamente evidente neste caso é que o Presidente da República assinou de cruz a sugestão do Governo” e que é necessário criar formas de escrutínio, garantir audições para estes cargos ou até concursos públicos. Basta que o Parlamento queira mexer na legislação, mesmo sem uma revisão constitucional, porque “o processo em si não dá nenhuma segurança”.

E o que pensa Vítor Caldeira, o antecessor de José Tavares sobre o novo inquilino do Tribunal de Contas?. Caldeira deixou um louvor, em março, escrito a José Tavares quando este deixou o cargo de chefe de gabinete do presidente do Tribunal de Contas. Vítor Caldeira realçou a “enorme relevância da sua atividade no Tribunal”, recheada de sucessos ao longo de anos a servir aquele tribunal. E, de facto, José Tavares entrou para o Tribunal de Contas em 1982. “A carreira do Senhor Conselheiro José Tavares confunde-se com a história das últimas décadas do Tribunal de Contas (TdC)”, escreveu Vítor Caldeira quando José Tavares foi colocado na 2.ª secção do tribunal, ao fim de 25 anos como diretor-geral do TdC. A saída foi encarada como uma necessidade de renovação. Agora, José Tavares ocupa o lugar de Vítor Caldeira, em nome da continuidade, argumento crucial para Marcelo Rebelo de Sousa aceitar a sua indigitação, ouvido, claro Rui Rio. Isto depois de um mandato de Vítor Caldeira repleto de críticas do Governo do PS.

O nome de José Tavares, apesar de se confundir com o Tribunal de Contas, também foi referido na comissão de inquérito sobre as PPP rodoviárias, que decorreu entre 2012 e 2013. Na altura, Almerindo Marques, que foi presidente das Estradas de Portugal, referiu que a reforma do contrato de subconcessão, para se ultrapassar a recusa de visto de prévio do TdC foi “feita pelos serviços da Estradas de Portugal”, mas “havia, de facto, um caminho a percorrer, havia procedimentos a adotar e, para isso, sempre que necessário, o Sr. Dr. Tavares dava indicações: ‘Olhem, aí a abordagem é fazer isto’”, conforme consta de uma audição de março de 2013 no referido inquérito.

Polémicas à parte, o antigo presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d’ Oliveira Martins, não comenta as mudanças no TdC, mas fez questão de avaliar o sucessor de Vítor Caldeira ao i: “A pessoa certa no lugar certo!”. Nada mais.

No Parlamento, ontem , o primeiro-ministro garantiu que o Governo não encara o tribunal como uma “força de bloqueio”, numa alusão a uma expressão de Cavaco Silva nos tempos de primeiro-ministro, mas ouviu críticas do BE, por considerar um “erro” o procedimento de mudança.

“Achamos que foi um erro a forma como foi conduzida a substituição do presidente do TdC, não porque os mandatos tenham de ser prolongados, mas, de facto, se a ideia era um só mandato, então deveria ter sido dita mais cedo”, atirou Catarina Martins, do BE. Também o CDS, pela voz de Telmo Correia, o PAN e o Chega criticaram o caso. Telmo Correia disse mesmo que “Se critica o PS, leva um par de patins e vai para casa”. Costa defendeu que “as instituições valem por si. Este tribunal já existia antes do juiz conselheiro Vítor Caldeira” e estranhou a falta de confiança dos políticos nas instituições.

A gratidão de Marcelo No momento da posse, ontem ao final do dia, o chefe de Estado começou por assinalar a “gratidão nacional” a Vítor Caldeira, “por ter superado as expectativas de há quatro anos”, agraciou-o e insistiu que a solução encontrada foi a de continuidade e transparência, ouvido o líder da oposição, num registo quase justificativo. Marcelo disse mesmo que a solução encontrada foi intencional porque o novo presidente do TdC conhece bem a casa há 38 anos. E sugeriu a José Tavares: “Inspire-se no seu antecessor”. Pediu-lhe ainda que cumpra o seu mandato “sem medo”. Marcelo recordou também a sua defesa num mandato único para os cargos de presidente do Tribunal de Contas e da Procuradoria-Geral da República já previstos na revisão constitucional de 1997. Por fim, assumiu que “não teve um segundo de dúvida” sobre o nome e que a decisão de aceitar a posse de José Tavares foi sua “ e de mais ninguém”.